A Regularização Fundiária Rural e Urbana deve ser considerada prioritária para qualquer país em desenvolvimento, principalmente para o Brasil, que ainda possui um passivo enorme de terras irregulares. Para tanto, é imprescindível agir de forma muito responsável na execução desta política, para justamente não agravar a situação difícil que hoje é retratada por quem necessita ter sua terra regularizada.
A proposta de um modelo autodeclaratório para promover a regularização fundiária rural é bem interessante, mas pede um olhar mais crítico, exatamente por se tratar de um assunto de alta complexidade e que envolve questões sensíveis à população do campo.
A meta inicial do governo federal é entregar, nos próximos quatro anos, pelo menos 600 mil títulos somente para assentados da reforma agrária, mas até o momento não foi apresentada a forma como esse objetivo será alcançado.
Caso Programa Terra Legal
Há 10 anos o Programa Terra Legal foi criado especificamente para atuar na regularização fundiária da Amazônia Legal e já enfrentava o problema de frente, buscando soluções, desenvolvendo procedimentos técnicos e jurídicos, bem como se estruturando tecnologicamente e reforçando seu quadro técnico. O programa contava com o apoio de instituições internacionais para o desenvolvimento de suas ações e com dezenas de profissionais dedicados exclusivamente à aplicação desta política de regularização.
Com a reforma administrativa proposta pelo atual governo, a secretaria à qual o programa estava ligado foi extinta, os servidores foram devolvidos aos seus órgãos de origem, os consultores e terceirizados foram demitidos, deixando um vácuo na regularização fundiária da Amazônia Legal.
Devido à complexidade do problema enfrentado e dificuldade de acesso às informações fundiárias produzidas no âmbito estadual, o programa não alcançou números expressivos e, segundo José Heder Benatti, da Universidade Federal do Pará, “os resultados do programa são tímidos, pois não há articulação e cruzamento de dados entre os órgãos fundiários estadual e federal. Isso contribui para que a grilagem não tenha fim. Ainda mais diante da especulação imobiliária, gerada pelas grandes obras de infraestrutura” (Revista Época, outubro de 2014).
Situação atual
Atualmente as atividades vinculadas à regularização fundiária de terras públicas federais estão sob a tutela do Instituto de Colonização e Reforma Agrária – Incra, mas ainda aguarda uma série de definições político administrativas por parte do governo federal para seu andamento.
O Incra detém o maior conjunto de dados fundiários rurais do Brasil e reúne em seu corpo técnico os melhores profissionais especialistas em gestão fundiária, contudo apresenta dificuldades de investimentos por parte do governo federal, o que acarreta em limitação na sua atuação e cumprimento da missão de promover a reforma agrária e ordenamento territorial de forma sustentável. Por consequência, também não consegue o reconhecimento da sociedade pela prestação destes serviços.
O modelo CAR
Analisando programas que já adotam o modelo autodeclaratório, destacamos o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Sem análise e sob responsabilidade dos órgãos estaduais de meio ambiente, no modelo adotado pelo CAR não é possível saber qual é a veracidade e exatidão das informações apresentadas, e se há sobreposições com outros imóveis rurais e áreas protegidas.
A manutenção de dados inconsistentes na base do CAR não permite promover uma gestão, monitoramento e preservação ambiental eficiente, podendo potencializar eventuais conflitos agrários derivados da legitimação irregular de terras. Assim, é possível citar um bordão bastante conhecido por quem atua diretamente com o CAR: “Sem validação, não há regularização”.
As ações de validação do CAR caminham muito lentamente e não conseguem acompanhar o ritmo de efetivação dos cadastros realizados, dependendo muito de como cada estado vai se organizar para atuar nessa frente de trabalho. Para diversos especialistas, a validação dos dados declarados é justamente o que qualificará o Cadastro Ambiental Rural, possibilitando a integração e utilização de sua base de dados em outras ações de governo.
Com mais de seis milhões de cadastros realizados, o CAR apresenta um baixo índice de validação das informações declaradas, acarretando em diversas ocorrências de sobreposição e deslocamento de áreas, comprometendo significativamente as análises dos dados ambienteis e, consequentemente, o objetivo do sistema.
Na imagem abaixo é possível verificar uma situação de inconformidade entre as informações prestadas através do CAR em relação as poligonais dos imóveis rurais certificados pelo Incra através do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), apresentando divergência significativa entre os limites das propriedades.
O modelo autodeclaratório ideal
A proposta de um modelo autodeclaratório para promover a regularização fundiária rural pode ser viável, desde que se tenha uma infraestrutura de inteligência robusta promovendo a validação das informações prestadas pelo declarante, um corpo técnico dedicado à fiscalização das áreas que apresentarem alguma irregularidade e/ou inconformidade, e integração entre as diversas bases de dados das instituições governamentais, de forma a qualificar a tomada de decisão e aperfeiçoar o processo de regularização, com as devidas garantias jurídicas, administrativa e técnicas.
“Um modelo autodeclaratório pode ser viável, desde que se tenha validação das informações, um corpo técnico dedicado à fiscalização e integração entre as diversas bases de dados”
Melhor do que a opinião de qualquer especialista, o tempo responderá se esta é uma decisão equivocada no cenário atual. O governo ainda não conseguiu avançar na regularização fundiária no país e, muito menos, na titulação de lotes da reforma agrária. Atualmente o Incra apresenta redução significativa de seu quadro pessoal, infraestrutura tecnológica defasada e uma estrutura administrativa incompatível com a missão da instituição, o que limita a aplicação de um modelo autodeclaratório.
Independente da solução adotada, vale ressaltar a grande relevância de uma política responsável para regularização fundiária no Brasil, promovendo o desenvolvimento sustentável e a mitigação de conflitos fundiários no meio rural e urbano.
*Miguel Pedro da Silva Neto é autor do Analisegeo.blog.br, Engenheiro Cartógrafo formado pela UFPE, com MBA em Auditoria e Gestão Ambiental pela FACCEBA. Palestrante e professor de Pós-Graduação em Geotecnologias no iQuali e IPOG. Analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário do Incra, é membro do Comitê Nacional e Regional de Certificação de Imóveis Rurais, foi um dos responsáveis pela construção do SIGEF e elaboração da 3a. edição da Norma Técnica para Georreferenciamento de Imóveis Rurais.
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