A evolução do uso da tecnologia de Sistema de Aeronave Remotamente Pilotada (Remotely-Piloted Aircraft System – RPAS) passa pela adoção de uma efetiva política de registros das aeronaves. Os principais motivadores são:
- Base de dados: as autoridades do governo, particularmente a ANAC, precisam ter consciência da frota de RPAS voando no país (número de aeronaves, modelos e distribuição no território). Essa informação é crucial para a adoção de políticas públicas e direcionamento estratégico da atuação desses órgãos.
- Identificação: cada aeronave precisa ser individualizada e possuir uma identificação que, independente do modelo ou fabricante, esteja padronizado na lógica da regulamentação do país.
- Responsabilidade civil: os RPAS são aeronaves com capacidade de causar danos às pessoas, aeronaves tripuladas e propriedades. Nesse sentido, torna-se fundamental a existência de um responsável legal por possíveis desdobramentos jurídicos.
- Propriedade: os RPAS potencialmente possuem valores elevados e um registro que confira propriedade para esse bem passa a ser relevante para quem o comprou (pessoa física ou jurídica), bancos de financiamento e para os controles do Fisco.
- Condição de Aeronavegabilidade: o controle do estado de segurança da aeronave para realizar voos, envolvendo principalmente conformidade com o projeto original e ações de manutenção realizadas até então.
Esses pilares possuem um paralelo muito claro com as práticas utilizadas nos automóveis, por exemplo, passando pela criação do número do RENAVAM (Registro Nacional de Veículos Automotores), vistoria do veículo, emplacamento e emissão do Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo. Contrariando os que criticam a adição de qualquer forma de burocracia ao sistema, é possível afirmar que apenas a consolidação dessa rotina de registros vai permitir que a aviação dos RPAS possa dar os próximos passos na direção de novos tipos de aplicações, bem como aumentar o volume de operações.
A partir dessa consciência, o esforço passou a ser encontrar a medida certa de controle que não permitisse a perda de informações importantes e, ao mesmo tempo, não inviabilizasse o uso do sistema pela carga burocrática. Para tanto, a ANAC se apoiou em dois princípios: adoção de medidas de controle proporcionais à complexidade das aeronaves e uso de recursos tecnológicos para automatizar e agilizar o processo.
Neste ponto, é importante elucidar a divisão criada no RBAC–E No94 sobre cadastro e identificação de RPAS, para cada classe e tipo de operação. O fluxograma acima evidencia que as aeronaves Classe 3 (de 250 gramas até 25 quilos) em voos dentro da linha de visada (VLOS) e abaixo de 400 pés são cadastradas diretamente pelo proprietário na plataforma eletrônica do SISANT, e não necessitam do CAER. Esse caminho já permitiu o cadastro de 76.865 aeronaves até Janeiro de 2020, 28.972 delas para uso profissional, validando o uso do SISANT.
Por outro lado, os RPAS maiores (acima de 25kg), ou Classe 3 (abaixo de 25kg) que possuem escopos de voo mais complexos, tipicamente operações fora da linha de visada (BVLOS) e acima de 400 pés, requerem o Certificado de Aeronavegabilidade CAER. Voltando aos motivadores dos registros apresentados no início desta matéria, o Certificado CAER acrescenta principalmente o controle do estado de segurança de voo da aeronave, conhecido como condição de aeronavegabilidade, que não é avaliado pela ANAC nas aeronaves cadastradas no SISANT.
O ponto de partida para a aeronavegabilidade de um RPA é a avaliação das características de segurança do projeto. Esse processo é denominado Autorização de Projeto. Atualmente, devem passar pela Autorização de Projeto as aeronaves Classe 3 em voo BVLOS ou acima de 400 pés, assim como os RPAS Classe 2. Os RPAS Classe 1, acima de 150kg, entram eu uma outra categoria, com critérios idênticos aos de uma aeronave tripulada, passando por um processo denominado Certificação de Tipo.
Ao completarem-se 3 anos desde a publicação do RBAC-E No94, existem hoje três Projetos Autorizados pela ANAC, somando 5 modelos de aeronaves aprovados (www.anac.gov.br/assuntos/paginas-tematicas/drones/projetos-autorizados). Essas três Autorizações são todas para RPAS Classe 3, aprovadas para voar BVLOS ou acima de 400pés: Duas delas da SANTIAGO & CINTRA IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA (representante exclusiva da SenseFly no Brasil) e uma aprovação da XMOBOTS AEROESPACIAL E DEFESA LTDA.
Entretanto, a Autorização de Projeto é apenas o primeiro passo para a operação regular de RPAS profissionais.
A partir das Autorizações de Projeto dessas aeronaves Classe 3, cada unidade conforme um desses 5 modelos no país pode solicitar um CAER, e assim voar no escopo aprovado, BVLOS ou acima de 400pés. A partir dos dados do Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB) o Brasil possui hoje o seguinte número de RPAS com CAER, divididos por aprovação:
Esses números, assim como o SISANT para os cadastros, também validam a dinâmica de emissão de CAER e o amadurecimento na ANAC de caminhos para viabilizar o processo. Entretanto, fica evidente que o volume de unidades certificadas ainda é diminuto, mesmo considerando as aeronaves conforme essas 3 aprovações.
A tese que explica esse pequeno número de aeronaves com CAER passa por um conjunto de vários fatores; entre eles:
- Falta de conhecimento dos operadores sobre a regulamentação recente.
- Operadores que não se beneficiam de voos BVLOS ou acima de 400pés e, por esse motivo, não necessitam de CAER.
- Operadores que, deliberadamente, voam de forma irregular, por desconhecimento das possíveis sanções consequentes.
- Reduzida fiscalização por parte das autoridades do governo.
- Custo das modificações necessárias para adequação ao Projeto Autorizado.
- Tempo do processo para obtenção do CAER.
- Necessidade de habilitação dos pilotos, para os casos de voo acima de 400pés, e investimento respectivo
Os fatores acima demonstram que a implantação do sistema de registros e emissão de CAER para os Projetos Autorizados de RPAS dependem de circunstâncias diversas.
Por fim, a importância do Certificado de Aeronavegabilidade vai além de avaliar a segurança de uma aeronave específica, pois a implantação efetiva desse sistema deve permitir a profissionalização da atividade aérea dos RPAS como um todo. Esse movimento permeia outras áreas relacionadas ao voo e, gradualmente, resultará em ganho de confiança por parte da sociedade e das autoridades com relação ao uso dessas aeronaves não tripuladas.
Os RPAS têm o potencial para mudar a maneira como vivemos, e a implantação do sistema que permita a emissão generalizada de CAERs, para os RPAS aplicáveis, é chave fundamental para essa jornada de profissionalização do setor.
Lucas Florêncio e André Arruda – fundadores da AL Drones
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