No último dia 14 de setembro, o sítio DefesaNet realizou uma mesa redonda para discussão do futuro do programa espacial brasileiro, intitulada Os Desafios e Perspectivas para o Programa Espacial Brasileiro, que teve como moderador Nelson Düring e como debatedores o Cel. Carlos Augusto Teixeira de Moura (presidente da AEB), Julio Shidara (Presidente da AIAB), Claudio Carvas (CEO da Opto Space & Defense) e César C. Ghizoni (presidente da Equatorial Sistemas). As empresas Opto e Equatorial são as responsáveis pelo desenvolvimento das câmeras MUX e WFI dos satélites CBERS.
O ponto comum, e que quero destacar, é que todos entendem que o futuro do sensoriamento remoto orbital passa pelas constelações de pequenos satélites, incluindo as empresas envolvidas no Programa CBERS (ver os momentos 13’45”; 22’30”; 28’00”; 41’50”; 42’36” e 45’35” do vídeo da mesa redonda). Estas constelações constituem o que se convencionou chamar de “New Space” ou “Novo Espaço”.
A empresa Opto desenvolveu recentemente uma câmera voltada para pequenos satélites com resolução espacial de 3,5 metros. A empresa pretende continuar desenvolvendo câmeras com melhores resoluções espaciais, buscando alcançar a resolução submétrica.
No mesmo dia, o sítio DefesaNet publicou uma matéria do Grupo Akaer abordando este assunto: Constelação de Satélites Brasileira para os Desafios Nacionais. A Opto Space & Defense e a Equatorial Sistemas são empresas do Grupo Akaer.
Deste artigo destaco:
“Na próxima década os satélites de Observação da Terra passarão a ser o principal mercado, basicamente trocando de posição e participação no mercado com os satélites de comunicação. Outra mudança significativa é que cerca de 2/3 dos serviços serão prestados por constelação de satélites menores contra menos de 1/4 de hoje”
Ou seja, a participação das constelações de pequenos satélites nos serviços, na ponta, deverá triplicar nos próximos dez anos. Isso é significativo.
Ainda no artigo:
“Uma constelação é um conjunto de satélites, com características e funções semelhantes, que possuem um objetivo específico quando em órbita”
Deste ponto em diante, o artigo destaca a vantagem da constelação de pequenos satélites para diferentes aplicações, tais como: incêndios florestais; desmatamento de diferentes biomas; derramamento de óleo; monitoramento de grandes áreas (ex: Amazônia Azul). O artigo destacou pontos marcantes e bem atuais para o ambiente brasileiro.
Essa mudança de paradigma (de grandes satélites para constelações de pequenos satélites) não é exclusiva da área de observação da Terra. Na área de comunicações, por exemplo, os enormes satélites geo-estacionários (órbita de 36 mil quilômetros de altitude) estão sendo substituídos por constelações de pequenos satélites em órbitas baixas (LEO), concorrendo com o espaço antes reservado aos satélites de observação da Terra (o artigo também destaca este ponto).
A Amazon recebeu aprovação para seguir com seu projeto Kuiper, que prevê o lançamento de 3.236 satélites de comunicações em órbita baixa (metade dos satélites deverá ser lançada até julho de 2026 e os demais até julho de 2029).
A empresa Space-X tem o programa Starlink, que já tem 540 satélites lançados e licença para lançar até 12 mil satélites de comunicação em órbita baixa. A empresa solicitou permissão para lançar até 42 mil satélites em órbita de 500 a 1.200 quilômetros de altitude. Para se ter uma ideia da grandeza deste projeto, tirando os satélites já lançados da Starlink, há cerca de 2,3 mil satélites de órbita baixa (LEO) no espaço, entre ativos e inativos.
O consórcio de empresas Bharti (Índia) e Hughes (EUA), com a participação do governo do Reino Unido, adquiriu a propriedade da empresa OneWeb, que tem um projeto com previsão de lançamento de até 48 mil satélites. A empresa, por sua vez, verticalizou a construção dos satélites com a criação da empresa OneWeb Satellites, uma “joint venture” entre a OneWeb e a Airbus Defence & Space.
Por fim, a empresa canadense Telesat já tem licença para o lançamento de 120 satélites, mas ela pretende expandir sua operação.
No caso dos satélites de observação da Terra, as constelações são modestas quando comparadas com as previstas para atender as necessidades de comunicações. Hoje, praticamente todo cidadão consome diretamente serviços de comunicações, seja na telefonia (voz), seja no consumo de dados (ex.: filmes por streaming). A possibilidade de consumo de imagens, por outro lado, está crescendo bastante, e as necessidades só serão atendidas por constelações. E quanto mais necessidade for atendida, mais necessidade será criada, e as constelações terão que crescer para atender as demandas.
Há cerca de 10 anos, a AMS Kepler procurou empresas que trouxessem novas respostas para as crescentes demandas por imagens de satélites. Na época, a empresa identificou duas que tinham propostas arrojadas: a Planet Labs e a Skybox, empresas recém criadas. Por fim, a AMS Kepler firmou parceria com a Planet para ser um “beta tester” dos produtos imagem e das API’s que a empresa desenvolvia. A Planet Labs prometia uma constelação de pequenos satélites com resolução espacial entre 3 e 5 metros, e com o intuito de ter uma cobertura diária da Terra. Para nós, este era um grande diferencial e a Planet nos alimentava com dados e informações que nos fazia acreditar na promessa.
Ao longo do tempo, o que observamos em constelações de pequenos satélites é a dinâmica do desenvolvimento e lançamento. Como são muitos satélites com vida útil menor, as trocas (lançamentos) são constantes. Isto faz com que o ciclo de desenvolvimento seja menor e cada “geração” de novos satélites apresente melhoras em relação às anteriores. Com isso, as imagens dos satélites Planet têm apresentado qualidade radiométrica e geométrica cada vez melhores. Por exemplo, a crescente demanda por séries temporais fez com que o registro espacial entre imagens obtidas em datas diferentes fosse aprimorado.
A redução dos satélites transfere diversas tarefas dos sistemas embarcados para o segmento solo. O sistema de software do segmento solo cresce de importância e passa a ser o responsável para garantir a qualidade das imagens, principalmente no tocante à qualidade geométrica (erros interno e posicional). A AMS Kepler é uma empresa com muita experiência nesta área, construída em mais de 20 anos de atuação no segmento solo de programas espaciais.
A Planet Labs, com a constelação Dove, saiu na frente e já se coloca como uma realidade. Atualmente, e para os próximos anos, se estabelece como a única empresa a oferecer uma solução para cobertura diária de qualquer região da Terra, não importa o tamanho, com altas resoluções espacial e radiométrica.
Há diversas outras empresas com o mesmo foco em constelações de pequenos satélites, com diferentes soluções, inclusive com câmeras hiperespectrais, e que têm a nossa torcida para que em breve estejam ofertando produtos de forma operacional.
No momento presente, em que estamos vivenciando diversos focos de incêndios, principalmente no bioma Pantanal, a constelação Dove (Planet Labs) permite, por sua cobertura diária e pela resolução espacial, identificar os focos iniciais destes eventos, sendo de grande valia para o controle e combate aos ilícitos.
Por isso, é muito importante conhecer a experiência do Estado do Mato Grosso, pioneiro no uso destas imagens. Há dois anos o estado usa de forma operacional todas as imagens geradas pela constelação Dove para monitoramento dos quase 900 mil quilômetros quadrados de seu território. Conhecer a satisfação do usuário e avaliar a qualidade dos produtos gerados podem ser de grande valia para aumentar a confiança nestas novas soluções, que vieram para ficar. Os alertas são publicados abertamente em uma plataforma web.
Concluindo, as constelações de pequenos satélites (alta resolução temporal) chegam para complementar o cenário dos grandes satélites de médias resoluções espaciais (10 a 30 metros), como CBERS, Sentinel-2 e Landsat e dos grandes satélites de alta resolução espacial (1 metro ou melhor), como os satélites GeoEye e WordView (Maxar) e Pleiades e Pleiades Neo (a ser lançado) (Airbus).
No caso brasileiro, com suas dimensões continentais, o uso integrado de imagens da constelação virtual CBERS-4, CBERS-4A, Landsat-8, Sentinel-2A e Sentinel-2B, permite uma cobertura global a cada três dias com resolução espacial de 10 a 20 metros (considerando as imagens Landsat-8 fusionadas em 15 metros). Esta constelação de acesso gratuito é de grande valia para a realização de diversos projetos estratégicos, como o PRODES/INPE, por exemplo.
O sistema desenvolvido pela AMS Kepler para os satélites CBERS garante, para as imagens WPM e MUX ortorretificadas (Nível 4 – L4), o registro espacial com as imagens OLI/Landsat-8 e MSI/Sentinel-2, permitindo o uso conjunto em cubos de imagens de satélites.
As novas tecnologias que surgem não devem ser enxergadas como substitutas das anteriores, mas sim complementares, ampliando a capacidade do homem em responder aos problemas que surgem nas mais diferentes áreas.
*Antonio Machado e Silva, Diretor da AMS Kepler
Imagem de capa: Constelação Starlink (Wikimedia)
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