Um paradoxo notável na agricultura moderna é que os responsáveis por alimentar bilhões de pessoas estão entre os mais afetados pela fome e pela pobreza. Embora quase meio bilhão de pequenos agricultores produzam um terço dos alimentos do mundo, muitos ficam presos em ciclos de incerteza — apostando a cada estação contra o clima instável, a escassez de água e a volatilidade dos mercados.
Até recentemente, a revolução digital na agricultura ignorava em grande parte os pequenos produtores rurais, recompensando operações em escala industrial, enquanto os pequenos agricultores dependiam de práticas tradicionais, auxiliados apenas pela intuição e pela sorte.
Este desequilíbrio não é mais inevitável. Uma transformação silenciosa está em andamento: um número substancial de satélites orbitando a centenas de quilômetros acima do campo está fornecendo insights que, se administrados de forma responsável, podem capacitar até mesmo o menor agricultor a cultivar com a inteligência do maior. A questão não é se o monitoramento e o manejo das culturas funcionam, como já se provou, mas se garantiremos que sejam úteis para os agricultores, e não apenas para eles.
A razão pela qual os satélites importam não é sua novidade, mas sua imediatez. Um agricultor que antes adivinhava os padrões de precipitação agora pode receber conselhos sobre semeadura baseados em décadas de dados climáticos. Mapas de umidade do solo, derivados do espaço, podem informar aos produtores exatamente quando irrigar, conservando a água escassa sem o risco de perda de produtividade. Os agricultores agora podem detectar surtos de pragas rapidamente, dando-lhes mais tempo para responder. As estimativas geoespaciais de produtividade também ajudam as instituições financeiras a oferecer crédito ou seguro aos agricultores sem exigir pontuações financeiras atraentes. A integração de tecnologias geoespaciais avançadas aos processos de produção tem o potencial de dissipar a dicotomia percebida entre agricultura de pequena escala e agricultura de alta tecnologia.

O potencial dos dados geoespaciais para a pequena agricultura é visível em iniciativas específicas em diferentes regiões. A revolução da tecnologia agrícola pode estar transformando silenciosamente as realidades do hemisfério sul. Na Índia, os alertas via satélite estão dobrando a renda dos pequenos agricultores. Na América Latina, as ferramentas de irrigação geoespacial reduzem o uso de água e aumentam a produtividade em regiões propensas à seca. Na África, a análise via satélite aliada ao financiamento móvel está liberando crédito e insumos para milhões de pessoas. Essa mudança está rompendo as barreiras estruturais ao crescimento sustentável, levando pequenos agricultores, da agricultura de sobrevivência, a se tornarem participantes ativos em mercados competitivos.
Estudos de caso destacam o potencial e a diversidade de abordagens. Na Índia, a Cropin oferece consultoria digital sobre semeadura, irrigação e manejo de pragas por meio de plataformas móveis, abrangendo mais de sete milhões de agricultores e integrando-se a programas governamentais e de desenvolvimento. Na Argentina, a Kilimo visa o recurso mais precioso — a água — usando modelos de evapotranspiração por satélite para reduzir as necessidades de irrigação em até 30%, ao mesmo tempo em que aumenta a produtividade, comprovando que a sustentabilidade pode ser lucrativa. No Quênia e na Nigéria, a Apollo Agriculture foi além, combinando insights geoespaciais com pontuação de crédito móvel e fornecimento de insumos, oferecendo aos agricultores não apenas consultoria, mas também um caminho integrado para a produtividade.
O poder desses exemplos reside não apenas em sua tecnologia, mas também na governança. Governos que liberalizam o acesso a dados de observação da Terra, como a Índia, podem desencadear ecossistemas de inovação. Agências de desenvolvimento que investem em treinamento para agricultores garantem que os insights de satélite não sejam apenas fornecidos, mas também implementados. Ao firmar parcerias com agritechs, as empresas de telecomunicações e fintechs podem ajudar agricultores de todos os portes a acessar os serviços necessários, independentemente de usarem smartphones ou celulares básicos. Essas são escolhas políticas, tanto quanto técnicas. O futuro da agritech geoespacial provavelmente será determinado pelo que as sociedades decidirem compartilhar, além de suas capacidades de satélite.

Mas sejamos claros: a tecnologia não pode nivelar o campo de atuação por si só. Sem abordar a alfabetização digital, a conectividade rural e, acima de tudo, a propriedade dos dados, novas assimetrias podem surgir, especialmente em casos de agricultores à margem de suas próprias informações.
Do ponto de vista da soberania dos dados, é fundamental saber quem detém a inteligência, especialmente quando vastos conjuntos de dados sobre padrões de cultivo, fertilidade do solo e produtividade estão sendo agregados por plataformas privadas. Mais importante ainda, responder quem lucra com isso é vital. Se essas questões não forem abordadas, os esforços atuais de capacitação podem, em última análise, resultar no desempoderamento dos agricultores.
Uma vez que as regras de governança de dados estejam claramente estabelecidas, a democratização dos dados de satélite representará não apenas uma inovação agrícola, mas uma escolha política sobre equidade, soberania e direitos na era digital. Os ganhos se traduzirão em aumento de renda, conservação de recursos naturais ou desbloqueio de crédito. Os modelos descritos acima podem, e devem, ser replicados em outras economias emergentes — da Indonésia a Uganda e Colômbia — onde os pequenos agricultores dominam o sistema alimentar.
O céu já está observando; a decisão é de todos.

* Javier Carranza Torres – Economista, desenvolvedor de IA e especialista em conteúdo geoespacial. Possui vasta experiência em treinamento em dados geoespaciais, integração digital e inovação. Também organiza e faz curadoria de eventos de tecnologia
@geocensosguy
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