Produção cartográfica e uso: empecilhos, incoerências e indefinições

Temos hoje vários entraves não só na produção como também na utilização do mapeamento sistemático. A desatualização é um dos principais. Uma outra dificuldade é o fato das cartas existentes ainda não terem sido digitalizadas.

Estas condições obrigam os usuários a assumir a função de digitalização e atualização das folhas, conforme foi comentado nesta coluna, na última edição desta revista. Nesta fase, aparece uma nova dificuldade: conseguir cópia dos originais cartográficos para realizar uma boa digitalização semi-automática (com uso de softwares especificamente desenvolvidos para esse fim) pelo método da conversão Raster/Vector.

Sabemos que não convém usar os mapas coloridos em papel como elemento básico para a escanerização, já que sujeiras e manchas da própria impressão acabam sempre sendo inconvenientes para obtenção do produto raster. Além disso, estes mapas contêm pormenores não correlatos, aglomerados, que limitam em alto grau o rendimento do processo de conversão. Há ainda o fato de o papel ser dimensionalmente instável, o que reforça sua condição de impróprio para escanerização.

A demanda (mais intensa a cada dia) por este mapeamento – e o fato de as Organizações produtoras de mapeamento sistemático terem eternamente pela frente a enorme e árdua tarefa de atualizá-lo e convertê-lo – deveria fazer com que existisse um mecanismo simples de fornecimento de cópias dos originais, em base estável, de cada tema (cor), para os usuários que no fim terão que executar essa missão a cada empreendimento.

Deveria ser assim. Infelizmente, não é. Toda as vezes que me dirigi à Organização executante do Mapeamento Sistemático (desde a primeira ocasião, 5 anos atrás), há sempre a notícia de que está sendo efetivada uma regulamentação sobre o assunto. Por meio desta regulamentação, a empresa interessada receberia as reproduções dos originais e entregaria ao final, como contrapartida, uma cópia do material digital.

O que acontece é que o automatismo do funcionamento de tal regulamentação é de tal precariedade que desencoraja o usuário, que acaba preferindo realizar a digitalização com os ditos mapas coloridos, mesmo que isso comprometa a qualidade e aumente custos.

Ocorrem então alguns episódios que aproximam-se do contra-senso. Como exemplo, cito uma licitação promovida há poucos dias por um Órgão Estadual. O objeto da licitação era a digitalização e atualização de várias cartas componentes do Mapeamento Sistemático Brasileiro. As especificações não preconizavam o uso de originais cartográficos em base estável e separados. Até aí, tudo aparentemente dentro da rotina… Contudo, o edital definia que a validação dos serviços seria de incumbência das Organizações produtoras do mapeamento, e não do Órgão Contratante.

Parece fatal que desta forma decorram problemas na emissão de um documento atestando a exatidão e o atendimento às precisões exigidas por essas organizações. Assinar contrato com uma Organização e validar o produto em outra não parece ser prudente, a não ser que as especificações desta última constem do edital.

Incoerências como esta geram inevitáveis desgastes na licitação por provocarem desequilíbrios nas ofertas metodológicas e financeiras dos proponentes. O mesmo acontece durante os trabalhos. Nestas condições, sempre parece preferível não participar da licitação.


Mapa planialtimétrico a ser digitalizado em processo semi-automático


Arquivo raster do tema viário


Arquivo raster da altimetria

Passando para novo assunto, vale comentar uma constatação comum em alguns segmentos. Há um grande desentendimento quanto ao exato significado de Bases Correlacionadas, quando se trata de aplicá-las a um Sistema de Informações.

A conceituação correta é: Bases Espaciais de um mesmo sistema em diversas escalas se inter-relacionam. Ou seja, migra-se de uma para a outra durante o manuseio em função do que se quer ver naquele instatante, saindo-se do geral para o particular ou vice-versa. Para que isso ocorra, há dois caminhos.

O primeiro: quando a forma da base em escala maior tiver que ser a mesma das demais, as de escala menor devem ser produzidas por adequação e edição a partir da primeira. O segundo caminho serve para casos em que as formas são diferentes. Por exemplo, se a base de escala maior for puramente digital vetorial e a menor uma ortofoto digital com justaposição de vetores produzida a partir de recobrimento diferente, esta deve se apoiar o mais possível na primeira. Assim, os vetores serão aproximadamente os mesmos, diferindo apenas no maior ou menor detalhamento ou generalização de cada um.

Temos assistido nesse assunto preconizações de apoio terrestre complementar irrelevante em algumas áreas, onde o mais importante é a correspondência entre detalhes homólogos. Tenhamos em mente que se o mapa é bom na escala grande (1:2.000, por exemplo), será automaticamente ótimo fornecedor de parâmetros para escalas menores (como 1:10.000). Obrigar a realização de novo apoio, a não ser que se trate de complementação indispensável em determinadas porções, nada mais é do que duvidar da qualidade do mapa original.

Outro palco que merece mais observação é a falta de informação que cerca a Ortofoto Digital urbana. A necessidade de diminuição de tamanho das bases e distâncias entre faixas no vôo (fator de aumento das superposições entre fotogramas, provocando-se a aproximação dos pontos principais contíguos) muitas vezes é desconhecida. Isso proporciona que elementos como prédios possam ser situados em áreas mais próximas do ponto nadir. Ali o efeito final remanescente da perspectiva central será menos danoso, tornando menor a diferença final planimétrica entre o topo e o pé de uma aresta vertical.

Alguns editais de licitação para áreas densamente construídas determinam que não se mosaiquem imagens orto-retificadas, a não ser nas extremidades das fotos, mantendo, de preferência, fotos quase inteiras. Ora, embora diminua o custo da operação, essa é uma exigência claramente prejudicial ao efeito perspectivo. E certamente não é conveniente optar por economias parciais em detrimento da qualidade do todo, assim como da credibilidade do processo.

Situações como as comentadas neste artigo colocam em pé de igualdade boas e más alternativas técnicas. Qualquer coisa convencional que for dita é aceita, e no final todos se tornam iguais. Isso permite que profissionais não especialistas possam redigir propostas técnicas copiando mesmices que estão sendo escritas há vários anos. E permite que estas propostas sejam aprovadas, já que serão avaliadas por profissionais igualmente não especialistas.

E assim por diante…

Paulo Tavares é Engenheiro Civil/Geodésia formado pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e diretor técnico da Geomática – Tecnologias da Informação Ltda. email:geomatica@alternex.com.br