Avaliação, perícia e o sensoriamento remoto como prova na área jurídica


Área de difícil acesso localizada no limite dos estados do Amazonas Pará e Mato Grosso, onde a utilização do Sensoriamento Remoto foi determinante no processo de avaliação do valor das terras em processo jurídico

O Sr. João é um empresário com dificuldades financeiras e resolve fazer um empréstimo no banco. Como garantia do negócio acaba penhorando uma de suas fazendas. O banco por sua vez, para saber se realmente a fazenda vale o montante do empréstimo, nomeia um perito para avaliar a propriedade. O empresário entrega para o banco uma certidão do registro de imóveis contendo um memorial descritivo delimitando as divisas da fazenda através de coordenadas geográficas e se oferece para acompanhar o perito no reconhecimento do imóvel. Assim, vão até o Estado do Mato Grosso e aterrissam no campo de pouso da fazenda. Sobrevoam a propriedade e percorrem por terra toda a área. No seu retorno, o perito elabora e assina um laudo de avaliação onde constam as características da fazenda: áreas mecanizadas, campo de pouso, sede e benfeitorias, áreas de preservação, etc… Uma exuberância. Confiando no laudo do perito o banco libera o empréstimo ao Sr. João, que utiliza o dinheiro para resolver seus problemas. Tempos depois, é decretada falência do empresário e o banco vai tomar posse da fazenda que constava como garantia do negócio. Uma surpresa, para desespero do banco e infelicidade do perito – a área que estava especificada no documento não era a mesma que tinha sido avaliada. A área do documento era localizada nas proximidades, se encontrava invadida por sem terras, estando parte das terras degradadas e parte com floresta nativa, sem nenhuma infra-estrutura. Ou seja, o valor do imóvel não correspondia a 10% do montante avaliado.


Ortofotocarta de 1979 mostrando a situação original no ano anterior ao surgimento do reservatório de Itaipu.

Se o perito tivesse utilizado um GPS no momento da avaliação da área e lançasse as coordenadas do memorial descritivo sobre uma imagem de satélite georreferenciada, certamente não teria sido enganado pelo empresário e continuaria com seu emprego garantido. Casos como este de maus empresários como o Sr. João e muitos outros similares acontecem até hoje no setor de avaliações, por falta do conhecimento das geotecnologias por parte dos profissionais incumbidos de realizar as perícias.

Em áreas de difícil acesso e localizadas em regiões com poucos pontos de referência, como é o caso de quase toda a porção noroeste do País, as técnicas de sensoriamento remoto são indispensáveis em trabalhos de avaliação e perícia. Como no caso do Sr. João, muitas pessoas que negociam terras não possuem documentos confiáveis e muito menos mapas atualizados de suas áreas. Empresas como a Avalisul Engenharia de Avaliações Ltda., uma das primeiras empresas de avaliações do Paraná, têm se beneficiado muito com a utilização de geotecnologias para dar suporte aos processos de avaliação de terras. "Seria impossível avaliar áreas extensas sem o apoio das imagens de satélite", comenta o Engº Cezar Ayres Gasparin, diretor da Avalisul.

Indenizações – uma eterna discussão entre o governo e os proprietários que tiveram suas terras invadidas e desapropriadas. A questão não é o quanto vale, mas sim o quanto valia a terra na data da invasão. Nestes casos a avaliação através de imagens orbitais arquivadas e acervos de fotografias aéreas são a saída para muitos juizes tomarem a decisão mais correta possível. Alguns advogados ainda hesitam, mas a maioria já aderiu e utiliza as imagens de satélite como prova concreta.

Um exemplo verídico é de uma empresa do ramo papeleiro que teve uma de suas propriedades localizada no sudoeste do Paraná invadida por sem terras. A empresa, através de processo jurídico conseguiu ter reconhecidos seus direitos quanto ao domínio e posse da área e o governo concordou em pagara indenização devida.

Porém, houve discórdia entre as partes quando tratou-se do valor da cobertura vegetal. O proprietário alegava que antes da invasão a terra era coberta de floresta nativa com alto valor econômico (pinheiros, imbuias, cedros, etc.), e o governo afirmava que as árvores já haviam sido cortadas antes da invasão. O juiz responsável pela causa nomeou um perito que fez minucioso levantamento de campo, assinalando em um mapa a localização, o diâmetro e as espécies dos tocos que permaneceram no local da invasão, mas a dúvida persistia – a floresta foi cortada antes ou após a invasão?

Utilizando uma imagem de satélite obtida 30 dias antes da invasão, constatou-se que naquela data a floresta estava intacta e que portanto ela foi cortada após a ocupação.

Porém deve-se tomar muito cuidado com a idoneidade do especialista que executa o processamento da imagem do satélite, pois, com as ferramentas computacionais disponíveis atualmente, é possível fraudar uma imagem digital de forma perfeita, quase imperceptível. É muito fácil transformar uma área de pastagem em uma floresta nativa riquíssima ou vice-versa.

Ainda na área jurídica, existem casos de ações de proprietários de terras contra desapropriações em áreas inundadas para formação de reservatórios. Um dos objetivos da Itaipu Binacional ao fazer um estudo multitemporal de parte da bacia de influência do reservatório, foi o de precaução contra este tipo de ação que já havia ocorrido anteriormente. Com o mapeamento do uso do solo através de ortofotocartas de 1.979, ano anterior ao surgimento do reservatório e inundação das terras, e posterior acompanhamento da evolução da ocupação com imagens de satélite, os técnicos da Itaipu possuem a situação verdadeira para esclarecer qualquer questão legal.


Imagem de satélite de 1997 já com as áreas inundadas, mostrando os remanescentes da floresta original.


Ortoflorestal


Faxinal do Céu



Ortofotocartas utilizadas na avaliação patrimonial da cidade de Faxinal do Céu para a COPEL.

Outro exemplo foi a utilização de imagens de satélite em ação contra a Eletronorte. Segundo um advogado (que também é fazendeiro no Pará), a Companhia havia inundado uma área 30% maior do que alegara aos proprietários das terras ao redor da barragem de Balbina (AM).

Embora hoje ninguém se atreva a construir um açude sequer sem um estudo de viabilidade detalhado, cabe ressaltar a importância relevante de se ter uma base cartográfica confiável e precisa antes de executar qualquer empreendimento desta natureza.

Recentemente, em processo licitatório para avaliação da cidade de Faxinal do Céu – PR, área de propriedade da Companhia Paranaense de Energia – COPEL, onde se localiza a Universidade do Professor, foram utilizadas ortofotocartas digitais elaboradas a partir de vôo colorido no levantamento da ocupação das terras. Neste tipo de avaliação onde a precisão cartográfica é mais exigente as ortofotocartas são a solução mais viável.

Uma outra abordagem é a utilização de geotecnologias pelo INCRA para subsidiar as ações de Reforma Agrária. No IX COBREAP – Congresso Brasileiro de Engenharia de Avaliações e Perícias, engenheiros do INCRA-DF ligados à área de geotecnologias apresentaram um método de avaliação da capacidade de uso da terra baseado em técnicas de sensoriamento remoto. Através da interpretação de imagens do satélite Landsat, os autores discriminaram diferentes alvos como vegetação, solo, relevo e drenagem, classificando as terras em diferentes capacidades de utilização. Este método de avaliação de terras é utilizado como um dos estudos preliminares ao assentamento de trabalhadores rurais em projetos de Reforma Agrária.

Quanto tempo mais vai demorar para que as pessoas pensem em uma imagem de satélite ou uma fotografia aérea como estivessem pensando em um lápis ou uma régua, sem o qual seja impossível elaborar um estudo? Quanto mais o sensoriamento remoto for difundido, mais aplicações surgirão e mais familiares as imagens se tornarão para os potenciais usuários que hoje penam pela falta de conhecimento.

Dirley Schmidlin é engenheiro agrônomo, mestre em Interpretação de Imagens e Cartografia de Solos pela UFPR, responsável pelo Sensoriamento Remoto Orbital na Engefoto Engenharia e Aerolevantamentos S.A. (PR). email:engefoto@sul.com.br