Por Eduardo de Rezende Francisco

Fiquei bastante entusiasmado com a ótima repercussão de nosso artigo na InfoGEO 56 sobre Precision Marketing. Assim, atendendo a “inúmeros pedidos” (esta foi uma licença poética), vamos continuar essa conversa, desta vez discutindo o diferencial competitivo e o diagrama de valor desse novo conceito.

Nas pequenas “vendas” de bairro, na primeira metade do século passado, o dono tinha um conhecimento individualizado do cliente. Ele estava presente durante todo o horário comercial e tinha no máximo uma centena de clientes que moravam a poucas quadras do estabelecimento. O dono sabia as últimas vezes que o cliente esteve com ele, seus gostos e preferências, seu nível de renda (através de informações indiretas, como qual era seu emprego, qual a sua formação, se estava desempregado, família, etc.). A única “base de dados” existente era uma caderneta com as anotações daqueles que compravam a prazo.

O que se pretende, hoje em dia, é tentar reproduzir em um ambiente muito mais amplo e complexo as “regras de negócio” prevalentes nas antigas vendas de esquina. As grandes campanhas publicitárias genéricas, que atingiam todo o mercado tratando o cliente de forma homogênea, não encontram mais respaldo na vontade do cliente. Embora não se possa conceber um produto único para cada cliente, o conceito atual é o da personalização. O modo de tratar o cliente deve ser diferenciado, respeitando suas individualidades.

Como a área geográfica de abrangência do negócio de esquina de outrora era pequena, a dimensão espacial não era tão importante, embora o dono do negócio conhecesse precisamente onde morava cada um de seus clientes. Hoje, quando os negócios passam a abranger uma cobertura geográfica maior e uma dimensão na casa dos milhões de clientes, essa perspectiva ganha importância.

O geomarketing apoia os processos de negócio trabalhando, basicamente, com variáveis que podem ser classificadas em sociodemográficas, econômicas, comportamentais, físico-territoriais, negociais e concorrenciais.

As análises em geomarketing geralmente são precedidas de duas etapas importantes: a disponibilização de elementos sistemáticos, (eixos de logradouros, por exemplo) e a base de interesse, em geral composta do cadastro dos clientes ou prospects mapeáveis. A essas bases são associadas informações sociodemográficas, identificação e qualificação dos players do mercado (rede dos competidores, por exemplo), e elementos que influenciam o negócio que está sendo estudado, como redes de transporte, barreiras naturais e culturais, além de zonas de influência. Estudos de perfil, segmentação, previsão, análise de cobertura e otimização de estratégias de distribuição são alguns dos principais resultados práticos dessas análises. Isso tudo combinado com técnicas de On-Line Analytical Process (Olap), geoestatística e Data Mining.

Precision Marketing

No contexto do Precision Marketing, a estrutura descrita acima evolui sensivelmente. Primeiramente, a complementação do perfil do cliente através de bases sócio-demográficas adquire um alto grau de refinamento pelo perfil já caracterizado pelas informações das Utilities e pela altíssima cobertura de clientes. Em segundo lugar, o alto custo de bases sistemáticas de outrora se esvai quase completamente pelo advento do WebGIS, de webservices geográficos e de informações georreferenciadas de amplo interesse totalmente publicadas no Google Earth ou similares. Por fim, o poder de personalização aumenta tanto que a identificação do perfil do cliente pode ser feita quase automaticamente, a partir do monitoramento de suas ações em sites de relacionamento, de buscas, de compras e de seu uso de dispositivos móveis acoplados a agendas eletrônicas e aparelhos celulares. Isso tudo permite a oferta de produtos e serviços muito específicos para cada cliente. Em outras palavras, a caderneta de anotações do dono da venda da es
quina agora faz parte da “computação em nuvem”.

Diagrama de valor do precision marketing
>Figura 1 – Diagrama de valor do Precision Marketing

A figura 1 apresenta uma estrutura esquemática de implementação do Precision Marketing. O repositório central – núcleo dessa solução – o Spatial Data Warehouse (SDW) é resultado da integração conveniente de repositórios de dados (Data Warehouses) com Sistemas de Informação Geográfica. O SDW vai alimentar e ser alimentado pelo sistema de Customer Relationship Management (CRM) da empresa que, em última instância, é o instrumento que permite comunicar-se com o cliente com a mesma intimidade de outrora. Isso aplicado ciclicamente permite, a médio prazo, um conhecimento cada vez maior dos clientes e prospects. Notem que ele pode residir em um ambiente virtual – muitas das informações que ele acessa (através de serviços WebGIS) podem estar situadas em qualquer lugar da rede mundial.

O diferencial competitivo sustentável está além da geração de novos negócios, e sim no que isso representa na consistência do relacionamento com o cliente. Passamos a poder capturar e gerenciar uma visão única do cliente, sob todos os canais de relacionamento, seus hábitos e preferências, em uma dinâmica que quase caminha para o tempo real. Se permitido, podemos rastreá-lo e ofertar-lhe promoções convenientes de acordo com seu perfil de deslocamento urbano diário, seu local de moradia ou de trabalho, sua proximidade a determinada loja ou ponto de venda naquele instante. De acordo com sua resposta, entendemos melhor sua sensibilidade a ofertas e, assim, conhecemos cada vez mais cada cliente e retroalimentamos a base de informações. Trata-se da visão one-to-one de fato, o fullfilment da gestão de marketing, o gerenciamento de clientes ao longo do ciclo de vida e de acordo com seu perfil, em uma busca incessante do conhecimento que o dono da venda da esquina tinha outrora. No contexto espacial, é um “novo pensar geográfico”.

Diferenciais competitivos do precision marketing
>Figura 2 – Diferencial competitivo do Precision Marketing

Segundo o Gartner Group, cerca de 70 a 80% das informações relevantes ao processo decisório têm caracterização espacial. Em outras palavras, a pergunta “onde” é mais do que fundamental. No Precision Marketing, o contexto espacial se torna instrumento importante para o entendimento pormenorizado da dinâmica e mobilidade urbana, para a antecipação de tendências constatadas com precisão apenas nos censos e pesquisas demográficas, e para a identificação detalhada dos clientes.

Se, por um lado, isso abre enormes perspectivas para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade como um todo, por outro, no mínimo, e sendo bastante superficial e simplista, há uma enorme perda da liberdade. O estudo da abrangência e consequências desse conhecimento tão detalhado dos indivíduos ainda está engatinhando. O Céu parece ser o limite. Na Terra, a saga do Precision Marketing continua…

Eduardo de Rezende FranciscoEduardo de Rezende Francisco
Mestre e doutorando em administração de empresas pela FGV-Eaesp
Bacharel em Ciência da Computação pelo IME-USP
Atua em GIS, business intelligence, pesquisas de mercado e estratégias de marketing na AES Eletropaulo
Consultor em geomarketing, geoestatística e microcrédito
Presidente da GITA Brasil (www.gita.org.br)
eduardo.francisco@aes.com