Embora por muitas vezes imperceptíveis para os usuários, os sistemas de transportes estão entre as soluções mais complexas existentes. Seu planejamento e operacionalização demandam elevada contribuição de diversos ramos da engenharia, incluindo o geoprocessamento.

O emprego de geotecnologias tem contribuído na modernização do sistema de transportes, como os receptores GNSS para roteamentos e logísticas de entregas. Outra contribuição notável nesta área são os esforços para composição e atualização da malha viária, em especial urbana. Entretanto, questões ligadas à cobertura e uso do solo, características demográficas e socioeconômicas, bem como políticas públicas, estão entre as grandes lacunas quando o assunto é planejamento em transportes.

Mesmo com o dinamismo dos modelos computacionais utilizados há décadas para gerenciamento e planejamento em transportes, as soluções em uso ainda são intrínsecas, pois não consideram informações contextuais do espaço geográfico ocupado pelas vias. Interações e implicações locais são questões tratadas no planejamento de transportes, porém pouco progresso tem sido feito, nesta área, apoiado em SIG.

Todavia, a eficiência da infraestrutura do sistema de transportes vem sendo colocada à prova com o escoamento do crescente volume de cargas e pessoas demandado pelo sistema de transporte multimodal. A busca pelo aperfeiçoamento nas etapas de planejamento e operacionalização desse complexo sistema tem surtido efeitos positivos e aberto novos horizontes para o SIG.

Sistema de transportes e SIG

Define-se como multimodal o sistema de transportes que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades para transportar bens e pessoas entre a origem e o destino. Na prática, consideram-se cinco os modos básicos de transporte: rodoviário, ferroviário, dutoviário, aquaviário e aéreo.

De forma análoga ao geoprocessamento, o sistema de transportes atua sobre uma malha. Nessa analogia simples, os nós passam a ser entendidos como pontos de origem e destino, os segmentos passam a ser as vias, bem como carga, tempo e outros fatores que passam a ser os atributos. Em um sistema multimodal de transportes ocorre uma espécie de sobreposição entre diferentes malhas, onde nem sempre nós e segmentos são espacialmente coincidentes entre as diferentes malhas. A complexidade desse sistema passa a ser regida pelo elevado número de variáveis envolvidas. A necessidade de informações contextuais, como entrada para os modelos de gerenciamento, cresce conforme aumenta a complexidade e a abrangência das malhas envolvidas.

A procura por rotas e meios alternativos de transporte considerando a minimização do custo operacional, maximização da capacidade de carga e otimização do tempo, implica diretamente na questão espacial e indiretamente no contexto a que os segmentos e nós dessas malhas são pertencentes. A logística que envolve o transporte de cargas especiais (super pesadas ou nocivas, por exemplo) ou sob condições adversas de funcionamento da rede, causadas por rupturas em segmentos (enchentes, quedas de barreiras ou pontes, por exemplo), demanda o conhecimento de rotas alternativas e o contexto espacial das mesmas.

Infraestruturas críticas

Em todos os modos do sistema de transportes ocorrem as chamadas infraestruturas críticas que, sendo peças vitais para o funcionamento do sistema, são factíveis de manutenção, intervenção ou mesmo ruptura e desativação, quando observadas sob o ponto de vista operacional.

Do ponto de vista operacional de transportes, um cenário ideal é aquele que contempla uma superestimada capacidade das vias e cargas, de modo que bens e pessoas possam ser deslocados sob condições normais mesmo quando ocorrem falhas ou rupturas na infraestrutura do sistema. Todavia, esse não é o cenário vigente.

A disponibilização de rotas alternativas vem sendo intensificada com o aumento do número de veículos e com a frequência de desastres naturais. Logo, ao pensarmos em rotas alternativas imaginamos planos de ação desenvolvidos às pressas para fazer fluir o fluxo de transportes nos segmentos afetados.

No entanto, rotas alternativas podem levar a consequências socioeconômicas e ambientais em médio e longo prazo, o que justifica o desenvolvimento de estudos criteriosos quando se trata de planejamento de transportes.

SIG em roteamento hidro-ferroviário

Como consequência do furacão Katrina, as ferrovias utilizadas pela empresa CSX ao longo da costa do Golfo do México foram desativadas e seus trens realocados centenas de milhas ao norte, causando enorme prejuízo para a empresa e o governo. A limitação da capacidade de carga das vias intermediárias, a ausência de pontes ferroviárias alternativas cruzando o Rio Mississippi ao sul e a saturação da malha ferroviária na região de Memphis, no Tennessee, foram fatores que alavancaram o elevado custo operacional do re-roteamento.

Considerando a vulnerabilidade do sistema de transportes a desastres naturais e provocados pelo homem, o Departamento de Segurança norte-americano tem estimulado projetos de pesquisa para avaliar os efeitos de médio e longo prazo causados por rupturas em infraestruturas críticas de transporte, como o caso da CSX.

As informações aqui apresentadas fazem parte de um projeto de pesquisa intitulado Disruption to Rails – Impacts and Decision Support (Driads), que investiga impactos econômicos, sociais e ambientais derivados de desativação e re-roteamento de trechos críticos da malha ferroviária ao longo do Rio Mississippi.


Além da área costeira, o estudo tem sido intensificado em dois outros pontos críticos da malha ferroviária centro-sul norte-americana, escolhidos pela singularidade de seu contexto:

• Memphis-TN, por ser o maior centro distribuidor de carga localizado na região da falha geológica New Madrid. Memphis concentra cinco das maiores empresas ferroviárias norte-americanas, terminal portuário e aeroportuário. Um evento geológico, mesmo que de pequena proporção, poderá acarretar rupturas na malha ferroviária e o comprometimento de modos alternativos de transporte;

• Vicksburg-MS, pela vulnerabilidade da antiga ponte ferroviária em ser atingida por barcaças. Vicksburg é ponto chave na travessia sobre o Rio Mississippi e não há rotas alternativas próximas.

Resultados e etapas futuras

O projeto Driads tem realizado simulações e análises combinando, em um ambiente SIG, informações de sistemas robustos utilizados para roteamento de cargas (modelos existentes desenvoldidos em Fortran), informações de modelos de projeção econômica regional, cobertura e uso do solo, variáveis socioeconômicas e ambientais.

Interações entre os segmentos das malhas multimodais e características físicas da superfície (como por exemplo declividade ou distância mínima de áreas de proteção ambiental) permitem outras modelagens contextuais. Etapas futuras envolverão características socioeconômicas e abstratas, como políticas públicas locais e sua interação com o sistema de transporte.

Rodrigo A. A. NobregaRodrigo A. A. Nobrega
Engenheiro cartógrafo, mestre e doutor em engenharia de transportes pela Escola Politécnica da USP, com pós-doutorado em geotecnologias pela Mississippi State University. Consultor em geotecnologias e professor adjunto do Department of Geosciences of Mississippi State University
sal@gri.msstate.edu

Bethany StichBethany Stich
Bacharel em ciências sociais, mestre em administração pública e doutora em planejamento de transportes pela Virginia Tech University. Professora do Department of Political Science and Public Administration of Mississippi State University.
bstich@ps.msstate.edu