Marcelo Cunha, Coordenador Geral de Cartografia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), é Engenheiro Agrimensor pela Universidade Federal de Viçosa e Ms.C. Ciências Geodésicas pela Universidade Federal do Paraná.

InfoGNSS: Quais são os pontos mais importantes da 2ª Edição da Norma de Georreferenciamento de Imóveis Rurais? Como esta nova Norma vai agilizar o trabalho dos profissionais envolvidos, em campo e no escritório?
Marcelo Cunha: A segunda edição da Norma Técnica de Georreferenciamento avançou em vários aspectos, com destaque para: a) incluiu novos métodos de levantamento; b) definiu com maior clareza os métodos de levantamento por topografia convencional e substituiu a técnica de levantamento; c) explicita com mais clareza os métodos de levantamento permitidos e características técnicas a serem observadas para que o nível de precisão pré-definido seja alcançado; d) definiu novos modelos de requerimento da certificação e declaração de respeito de limites; e) alterou a precisão de vértices de acordo com as características do trecho de perímetro do imóvel que está sendo levantado; f) definiu uma melhor organização dos arquivos e documentos digitais a serem entregues ao Comitê Regional;  g) inseriu o conceito de planilha de dados cartográficos permitindo o armazenamento no banco de dados cartográfico dos metadados dos vértices, h) dentre outros.
    A agilização dos trabalhos se dá através da incorporação de novos métodos e técnicas de levantamento de campo, disponibilizando ao credenciado uma gama maior de possibilidades e adequação do método que se ajusta às condições in loco. Foi definido ainda diferentes precisões para os vértices definidores do perímetro, tornando mais realista o nível precisão versus as condições de campo, com isto, além da precisão mantida em 50cm para vértices materializados (tipo “M”), foi incorporada a precisão de 2,0m para vértices localizados em limites por acidentes naturais e o nível de precisão possível de ser alcançado para vértices localizados em regiões de florestas densas ou em condições, comprovadamente, adversas. Foi implantado um novo modelo de declaração de respeito de limites que desobriga a assinatura do confrontante na referida declaração e a segurança jurídica da mesma dar-se-á pelo registro público no Cartório de Notas da Comarca em que se localiza o imóvel. Nos trabalhos de escritório houve mudanças nas técnicas de processamento, permitindo processamento automatizado do transporte de coordenadas além de uma definição mais clara dos resultados a serem apresentados para certificação.

IGNSS: O Incra anunciou também que está adotando novos procedimentos para a Certificação de imóveis rurais. Quais são eles?
MC: Anteriormente a publicação da 2ª Edição da Norma Técnica a análise técnica nos processos de certificação era muito refinada,  configurando-se em trabalho de perícia minuciosa a cerca do levantamento de campo, processamento de dados e ratificação dos resultados apresentados. Com a implantação do novo modelo de requerimento a responsabilidade pelos dados apresentados passou a ser exclusiva do profissional que executou os serviços e apresentou a anotação de responsabilidade técnica, com isto minimizamos a análise no Comitê Regional. Informações mais detalhadas podem ser encontradas na Nota Técnica/DFG/Nº001/2010 disponível no site do INCRA.

IGNSS: Antes da revisão na Norma e dos novos procedimentos de Certificação do Incra, a homologação do georreferenciamento no Incra levava de três a cinco anos. Qual é este tempo agora? O prazo tende a diminuir nos próximos anos?
MC: Temos exemplos positivos em algumas Regionais em que os novos procedimentos na análise dos processos de certificação estão permitindo um lapso temporal de 60 dias. Em muitos casos essa agilidade não é possível por culpa do proprietário e do credenciado que não entregam toda a documentação requerida ou a qualidade técnica dos serviços de georreferenciamento é precária, não permitindo assim, a finalização do processo. Temos ai dois fatores muito importantes que não são considerados pela sociedade em geral, qual sejam: a) só haverá tramitação ágil do processo se todos os documentos e peças técnicas requeridas na certificação forem apresentadas e, b) a qualidade técnica do georreferenciamento apresentado deve ser compatível com as determinações da Norma Técnica. Geralmente a sociedade deposita toda a culpa pela morosidade no processo de certificação ao INCRA, mas proprietários e credenciados têm uma parcela considerável nesta morosidade, quando não cumprem suas obrigações básicas na apresentação de documentação e peças técnicas passíveis de certificação. A tendência é melhorar cada vez mais a eficiência no atendimento da demanda de certificação, com implantação de novos sistemas de controle e análise, com maior rigidez imposta pela Nota Técnica e revisão da Norma de Execução Nº 92/2010, não permitindo que seja dado andamento em processos que não cumpriram com os requisitos mínimos para análise cadastral e técnica, desta forma, queremos eliminar as intermináveis notificações de correção que não apresentam resultados satisfatórios e assim, arquivar processos que emperram o bom andamento dos trabalhos e dar a devida atenção e atendimento a contento aos processos em que os proprietários e credenciados apresentaram todas as informações necessárias e com a qualidade que permite a certificação imediata.

IGNSS: Existem pressões de outros órgãos do governo – das áreas ambiental e agrícola, por exemplo – por um processo mais ágil de regularização fundiária? Quais setores do governo serão os mais beneficiados?
MC:  Pressão sempre existirá e é salutar que exista, pois desta forma estaremos constantemente sendo compelidos a renovar e inovar programas que atendam as necessidades do Governo e do cidadão. Regularização Fundiária é uma pauta importante e que tem recebido, nos últimos anos, uma atenção especial do INCRA. Este programa é sinônimo de dignidade do pequeno produtor rural, segurança jurídica da pequena propriedade rural, através do acesso às políticas públicas; fortalecimento da agricultura familiar; combate ao êxodo rural e desenvolvimento sustentável do meio rural brasileiro.

IGNSS: Recentemente, em uma audiência pública realizada na Câmara Federal, os Deputados sugeriram o adiamento da certificação obrigatória dos imóveis rurais com área inferior a 500 hectares. O prazo será adiado? Caso positivo, qual seria o novo prazo?
MC: Essa é uma reivindicação da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural considerando o cenário atual do lapso de tempo entre a formalização e conclusão de um processo de certificação no INCRA. Os legisladores demonstraram preocupação com o vencimento do prazo em novembro de 2011 para imóveis entre 500 e 1.000ha e inicio da obrigatoriedade de identificação do imóvel rural segundo as determinações do § 3º do Art. 176 da Lei 6.015/1973 para efetivação do registro público para todos os imóveis que passarão por transferência, desmembramento, remembramento ou parcelamento. A preocupação é justa, pois como legisladores e defensores do interesse do cidadão é perfeitamente compreensível que haja pressão sobre o INCRA para que uma solução seja apresentada. A sugestão da Comissão é que os prazos sejam adiados. O argumento do INCRA são as providências que vêm sendo tomadas pela Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária, no sentido de implementar um Sistema eficiente de certificação de imóveis rurais. A Câmara Federal alertou. Cabe ao INCRA buscar a solução. Está em discussão. O que precisamos é demonstrar na prática que é possível atendimento a contento da demanda.

IGNSS: Outra proposta comentada nessa audiência foi a certificação de imóveis rurais pela internet. Já existe algum projeto neste sentido? A partir de quando esse sistema estará disponível?
MC: A pedido da Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária foi colocado em ordem de prioridade máxima pela Diretoria de Gestão  Estratégica com aprovação no Comitê de Tecnologia da Informação do INCRA, o desenvolvimento e implantação de um Sistema Automatizado de Certificação de Imóveis Rurais. Os trabalhos já iniciaram e a Empresa responsável pela programação do Sistema já foi contratada, através de Licitação Publica. No dia  05/07/2010 um grupo de Servidores da Cartografia do INCRA/SEDE e das Superintendências Regionais de Minas Gerais, Espírito Santo, Paraíba e Pernambuco em conjunto com o corpo técnico da Empresa de Tecnologia da Informação contratada, iniciaram os trabalhos de modelagem e desenvolvimento do Sistema. A idéia é que todo o processo de certificação possa ser viabilizado através da rede mundial de computadores, ou seja, o envio de documentos, dados de observação, processamento e planilha de dados cartográficos e a emissão da Certificação se dê pela internet. Evidentemente, no INCRA, o Sistema deverá proporcionar análise automática desses dados e tudo seja na forma eletrônica. Para que todo o processo pudesse ser automático, precisaríamos contar principalmente com automação também do Sistema Cartorário Brasileiro, nos casos em que não tenhamos isso disponível, o envio de documentos será feito pelo serviço de correios e telégrafos e no ato do protocolo no INCRA serão todos esses documentos digitalizados e incorporados a um Sistema de Gerenciamento Eletrônico de Documentos, permitindo desta forma a tramitação totalmente eletrônica do processo de Certificação.
O prazo para desenvolvimento é até dezembro de 2010 e implantação em janeiro de 2011.
 
IGNSS: O Programa Terra Legal tem realizado mutirões de certificação de imóveis rurais na região Amazônica. Quantos imóveis já foram georreferenciados e certificados nessas ações? Já é possível ter uma ideia de qual foi o aumento de agilidade nesse processo?
MC: Não há nenhum programa de multirão de certificação de imóveis rurais promovido pelo Terra Legal até o momento. O que há é um multirão na Superintendência Regional de Mato Grosso, executado pela Diretoria e Ordenamento da Estrutura Fundiária e sob minha Coordenação. Os resultados naquela Superintendência são excelentes. Com o auxilio de uma equipe brilhante de servidores do INCRA de outras Regionais, está sendo possível dar uma resposta ao proprietário rural mato-grossense. Os trabalhos deram início no dia 15/03/2010, foram analisados 6.944 processos de certificação. No mês de junho e parte julho os trabalhos foram paralisados por conta de um movimento de greve isolado dos servidores da Superintendência de Mato Grosso que impediu a entrada nas dependências da Regional dos servidores de outras Superintendências que faziam parte do multirão. Os trabalhos foram retomados em 19/07/2010, nesta segunda etapa os servidores da Superintendência de Mato Grosso em conjunto com os servidores de outras regionais estão empenhados exclusivamente na certificação e emissão de CCIR.
    O multirão na Superintendência de Mato Grosso está sendo importante para comprovar que as medidas tomadas, através da Nota Técnica/DFG/001/2010, efetivamente proporciona agilidade na emissão da certificação. A produção média de um Analista que girava em torno de 10 processos por semana, passou a ser uma meta diária. Com certeza, como solução de curto prazo, a proposta de agilização da Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária foi acertada e nos dará fôlego até o início de 2011, com a implementação do Sistema Automatizado.

IGNSS: Qual a sua expectativa para a realização do seminário "Geocertificação de Imóveis Rurais", que se realizará no dia 23 de setembro, em São Paulo (SP)?
MC: A expectativa do INCRA é grande no sentido de que estaremos reunidos neste dia em torno de um tema tão importante esclarecendo e aprofundando a discussão das mudanças já implementadas e das que virão no processo de certificação de imóveis rurais. É um momento impar de discussão entre o órgão responsável por este processo, profissionais que atuam nesta área, proprietários rurais e o Sistema de Registro de Imóveis. É o momento de reunião e união em busca de informações precisas e desenvolvimento deste programa tão importante na construção e segurança jurídica da malha fundiária brasileira.

IGNSS: Quais os benefícios, para os profissionais envolvidos e para toda a sociedade, de uma Certificação de imóveis mais rápida e confiável?
MC: Os benefícios são incontáveis. Primeiramente porque é dever do Poder Público atender de forma eficiente o cidadão, depois pela importância e valor público que a Certificação de Imóveis Rurais passou a representar no Brasil. É a construção incontestável da segurança jurídica no registro de imóvel rural, afastando toda e qualquer dúvida a cerca da localização unívoca do imóvel, evitando a sobreposição de domínio e eliminado a possibilidade de grilagem de terras neste país. A Certificação de um Imóvel Rural atualmente no Brasil, vai além da segurança jurídica e especialização concreta do imóvel no registro público, representa a segurança para o Sistema Financeiro, mercado imobiliário e principalmente na construção de um banco de dados cartográfico do meio rural que irá propiciar avanços incalculáveis no ordenamento da estrutura fundiária, na interoperabilidade de informações literais e gráficas pelos diversos órgãos de governo, promovendo desta forma, planejamento e  estratégia na implantação de políticas públicas de incentivo e fomento à produção agropecuária, investimentos, desenvolvimento do meio rural, monitoramento ambiental eficaz, dentre outros.