Historiadora Junia Ferreira Furtado estuda a configuração do território brasileiro, antes mesmo da sua existência

Livro é vencedor do Prêmio Odebrecht de Pesquisa Histórica – Clarival do Prado Valladares

O “Mapa que inventou o Brasil”, de Junia Ferreira Furtado, lançado pela editora Versal, é resultado do trabalho ganhador do Prêmio Odebrecht de Pesquisa Histórica – Clarival do Prado Valladares. A iniciativa da Organização Odebrecht completa, neste ano, uma década de apoio à pesquisa histórica e à produção editorial brasileira. Com 456 páginas, o livro “Mapa que inventou o Brasil” traz um rico acervo de personalidades retratadas na obra e ilustrações cartográficas entre 1697 e 1782. Durante os quase dez anos de desenvolvimento de seu estudo histórico, com início em 2003, a autora buscou documentos no Brasil, em Portugal, na França, na Alemanha e nos Estados Unidos.

A publicação traz como tema principal o mapa produzido pelo cartógrafo francês Jean-Baptiste Bourguignon D’Anville, Carte de l’Amérique méridionale, e sua importância nas negociações diplomáticas sobre os limites territoriais brasileiros disputados entre as coroas portuguesa e espanhola. Como ponto de partida, discute como dom Luís da Cunha, embaixador de Portugal, e J.B.B. D’Anville foram alçados à condição de oráculos, tanto por seus contemporâneos quanto por sucessivas gerações.

“O Mapa que inventou o Brasil” apresenta um retrato minucioso de dom Luís da Cunha, que apesar de ter passado a maior parte da vida longe da corte, procurava influenciar as grandes decisões da sua época, fazendo com que suas ideias chegassem a dom João V por meio de cartas, memórias e da prática política. Respeitado pelo rei, que naquela época já não ouvia seus ministros, era visto como sagaz e com uma agudeza de espírito.

O livro narra também a história de D’Anville, considerado o último grande cartógrafo de gabinete. Confinado em seu escritório, ele era capaz de produzir mapas de grandes extensões da terra, como países, continentes e planisférios, a partir da consolidação de fontes diversas. Era autor de mais de 211 mapas, manuscritos e impressos e de 23 obras de natureza geográfica.

Na época, o embaixador dom Luís da Cunha identificou o processo de deslocamento do eixo econômico do império a partir da descoberta das minas de ouro e diamantes no Brasil e sua importância para o futuro do reino. Para ele, este processo deveria ser conjugado com a mudança do centro político para a América portuguesa, mas para isso era preciso consolidar seu território em detrimento dos interesses dos espanhóis.

É neste momento que o livro ganha seu nome original. “A tese central dessa obra propõe que foi esse mapa que inventou o Brasil e não como usualmente se pensa, o contrário”, destaca Junia Furtado. Segundo a historiadora, a Carte de l’Amérique méridionale construiu uma nova imagem da América portuguesa, ao traçar uma linha imaginária de fronteiras, que não correspondia à realidade na época, mas sim os novos limites propostos por dom Luís da Cunha e as futuras fronteiras que o embaixador português tinha como ambição.

O cartógrafo D’Anville utilizou 420 mapas que, ao serem estudados, originaram a Carte de l’Amérique méridionale. Entre estes mapas, havia documentos de autoria dos irmãos Nunes, portugueses que documentaram um roteiro na corrida do ouro, diamantes e esmeraldas entre Salvador e Minas Gerais, mais precisamente na região antigamente conhecida como Vila Rica, hoje Ouro Preto.

Entre as curiosidades do processo de construção da Carte de l’Amérique méridionalee que consta no livro está o movimento da interiorização da América do Sul, que colocou os europeus em contato com diversos povos nativos, muitos deles até então desconhecidos.

O “Mapa que inventou o Brasil” mostra então a participação de Alexandre Gusmão que, após a morte de dom Luís da Cunha, foi encarregado de articular as negociações diplomáticas e apresentar a Carte de l’Amérique méridionale, porém com uma visão geopolítica e a estratégia diferente do embaixador.

Ao longo da obra, o leitor poderá conhecer todo o processo de produção da Carte de l’Amérique méridionale, de autoria de D’Anville, da qual foram produzidas três variações: uma versão preliminar, manuscrita, menor e menos detalhada, datada de 1737, feita para o uso privado do Duque de Orleans; outra bastante similar, mas sem a dedicatória, talvez de 1742; e uma versão maior (em três folhas, mais elaborada e datada, manuscrita e impressa, datada de 1748).