Por Guilherme Gandra Franco e Roney Portes Costa

A atividade de extração mineral é uma das principais funções econômicas do estado de Minas Gerais desde o período do Brasil colônia – momento de destaque histórico após o descobrimento de ouro na região de Sabará, Ouro Preto e Caeté nos meados do século XVII. Foi nesta fase que alguns núcleos urbanos surgiram e desempenharam papéis singulares no processo de desenvolvimento da economia estadual.

A exploração aurífera esgota-se em pouco mais de 200 anos, mas no segundo quartil do século XIX, são encontrados grandes depósitos de minério de ferro na região Central do estado denominada Quadrilátero Ferrífero, neste local se instalam diversas empresas e com elas, toda estrutura necessária para o desenvolvimento da prática, como o escoamento ferroviário e rodoviário, universidades, linhas de transmissão de energia elétrica e novos centros urbanos.

Com o crescimento deste setor extrativista, o Brasil passa a ocupar os maiores postos de produtores de matéria prima mineral no mundo, com aproximadamente 81 substâncias. Os dados do Instituto Brasileiro de Mineração IBRAM, apontam que em 2012 o país conquistou o primeiro lugar na exploração de nióbio, e o segundo lugar com o ferro, manganês e bauxita.

Esta expansão das atividades minerárias demanda um monitoramento e controle da atuação das companhias extrativistas através dos institutos ambientais federais, estaduais e municipais. Estes órgãos passam a se apoiar em um instrumento legislativo denominado Licenciamento Ambiental, cujo principal objetivo é habilitar a localização, instalação, ampliação e a operação dos empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais que envolvem grandes debates entre vários segmentos da sociedade – principalmente no que tange os riscos que a ação antrópica oferece ao meio ambiente, como escassez de água, poluição do ar, degradação da fauna e flora silvestre, etc. Neste contexto, é válida qualquer tentativa de aplicação de tecnologias que subsidiam os modos de avaliação e análise cartográfica do espaço.

As instalações minerárias são extensas e complexas, demandam de estruturas de grande porte como barragens, pilhas de estéril, pátios de estocagem de produto, plantas de beneficiamento, dutos e terminais ferroviários. Estes projetos são concebidos nos sistemas computacionais CAD e nos SIGs – todos apoiados na ciência cartográfica, uma vez que se faz necessário a espacialização de cada elemento que compõe a estrutura minerária nas coordenadas X, Y e Z.

O desenvolvimento célere da mobilidade destes dispositivos computacionais, como smartphones, tablets e notebooks, se torna um potencial aliado no controle das obras minerárias in loco e possibilita várias aplicações para órgãos ambientais melhorarem a capacidade de monitoramento das estruturas construídas ou dos próprios projetistas tomarem decisões assertivas no ambiente real da intervenção.

Assim, visando explorar a potencialidade destas ferramentas, o presente estudo cria um sistema de dados georreferenciados para os dispositivos móveis que possibilitará consultas em tempo real da localização do usuário em um empreendimento minerário de grande porte, contudo, hipotético.

Materiais e Métodos

A pesquisa consiste no levantamento e tratamento de informações georreferenciadas de um empreendimento minerário hipotético. Entende-se como empreendimento hipotético, pois a área selecionada não apresenta nenhum potencial confirmado para atividade extrativista. Sua escolha foi através de um método de locação aleatória, no município de Moeda – MG.

Estão compreendidos nestes estudos as seguintes estruturas de uma mina:

  • Cava: Área limitada para extração do mineral;
  • Planta de beneficiamento: Área industrial que processa a matéria prima;
  • Pilha de estéril: Área de depósito do material não aproveitado no processo de beneficiamento do minério;
  • Barragem de rejeitos: Área para disposição de rejeito mineral, uma vez que a água está presente no processo de enriquecimento do teor de ferro;

Após definição dos tipos de estruturas que serão compreendidas na área, iniciou-se o processo de dados topográficos da região. A metodologia do levantamento topográfico foi a Light Detection And Ranging (LIDAR) que consiste na coleta de dados topográficos por laser aerotransportado conforme a figura 5, juntamente com uma ortofoto de alta resolução que foi capturada por uma câmera a bordo da aeronave:

Figura 5 - Modelo de varredura a laser Fonte: Sítio Sítio da Lidar America, Estados Unidos

Este procedimento se destaca pela rapidez no processamento do levantamento topográfico. O pulso do laser “varre” o solo na direção longitudinal e retorna para o sensor com uma taxa de tempo e locação variada, com isso é possível determinar os dados X,Y e Z de cada ponto na superfície. O sensor LIDAR transportado em aeronaves, garante uma ampla taxa de cobertura por hora trabalhada, uma vez que a única limitação deste veículo são as condições meteorológicas.

Entende-se como procedimento deste método a necessidade de definição dos pontos base de voo – locados em solo – os quais devem estar amarrados a rede geodésica oficial do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Um Sistema Geodésico de Referência (SGR) é um sistema de coordenadas associado a algumas características terrestres, classificadas duas tipologias – clássico e moderno. O clássico utiliza um datum horizontal para referência planimétrica e um datum vertical para referência altimétrica.

Já Sistema Geodésico de Referência moderno é definido sobre um elipsóide de revolução de origem coincidente com o centro de massa da terra, ou seja, pode-se dizer que é um modelo geocêntrico com coordenadas tridimensionais.

O histórico destes modelos aplicados no Brasil datam de cinco décadas e quatro homologações. A primeira foi a Córrego Alegre, adotada na década de 50 e totalmente defasada para os dias atuais. Em alguns casos é utilizada por conta de bases de mapeamentos e projetos antigos. O modelo Chuá veio em seguida, como um ensaio do IBGE para a entrada do SAD69.

O SAD69 foi adotado na década de setenta onde sua origem planimétrica é o vértice de Chuá, em Minas Gerais. Nos meados dos anos 90 o IBGE ajustou a rede geodésica SAD 69 das estações com observações GPS, com isso, foi possível detectar algumas divergências no sistema até que se planejasse uma mudança expressiva com a adoção de um modelo geocêntrico.

O SIRGAS 2000 foi a resposta para problemas diagnosticados no SAD 69, por conta das dimensões territoriais brasileiras. Foi criado através de um consorcio dos países sul americanos, e apoio dos Estados Unidos da América no início da década de 90.

Figura 6 – Diferença entre os Datum Sirgas e SAD69. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

 

Por convenção, o datum utilizado nos trabalhos de voo para laser e ortofotos é o WGS84, que assim como o SIRGAS 2000, é o elipsóide geocêntrico padrão do sistema GPS e GNSS, que informa a altitude geométrica do ponto. A principal razão é que as aeronaves devem sair de fábrica com sistemas e dispositivos referenciados na rede GPS e os sensores terrestres também trabalham nestas especificações.

Para trabalhos de engenharia como o do presente estudo, se faz necessário não somente transformar o datum como também as altitudes geométricas coletadas pelos aparelhos, para ortométricas, através do modelo de ondulação geoidal local.

Para converter altitude elipsoidal (h), obtida através de GPS, em altitude ortométrica (H), utiliza-se a seguinte equação:

H = h – N

Onde:
H: altitude ortométrica,
h: altitude geométrica e
N: ondulação geoidal

Figura 7 – Variação das altitudes ortométricas e geométricas. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

No Brasil a ondulação geoidal pode ser obtida no software MAPGEO2010 desenvolvida e fornecida pelo IBGE de forma gratuita.

Mapa 2 – Modelo de Ondulação Geoidal Brasileiro

O mapa mostra a região do empreendimento hipotético projetada sobre o modelo do MAPGEO2010.

Mapa 3 – Modelo de Ondulação Geoidal da Área do Projeto. Fonte: MAPGEO2010

Após coleta e correções destes dados capturados pela aeronave, faz-se o tratamento a partir dos pontos coletados pelo laser em softwares específicos, tornando possível gerar um Modelo Digital do Terreno a partir da triangulação dos pontos e gerando assim as curvas de nível.

O software utilizado para tratamento dos dados será o ArcGIS versão 10.0, com o pacote 3D analyst, proprietários e desenvolvidos pela companhia ESRI em sua versão de teste. O fabricante oferece 60 dias livres para que o usuário conheça o aplicativo, sem nenhuma limitação de ferramenta ou funcionalidade. Após carregar os dados do laser no ArcGIS, obtém-se o mapa topográfico da região processado no datum SIRGAS 2000.

Mapa 4 – Curvas de nível. Fonte: ArcGIS 10.0

 

Com o pacote 3D Analyst, é possível criar uma malha triangular do terreno para analisar a morfologia da região, declividade e hipsometria, como no mapa 5:

Mapa 5 – Modelo Digital do Terreno da área de estudo. Fonte: ArcGIS 10.0

Após o levantamento planialtimétrico e ortofotos, foi possível identificar e vetorizar os elementos da imagem, como: estradas de acesso, hidrografia e edificações. Este procedimento é denominado como restituição aerofotogramétrica – etapa de importância significativa o trabalho – pois a partir da vetorização dos elementos e integração destes, de maneira sistêmica no software é possível compreender e efetuar as primeiras análises de viabilidade do projeto, vide mapa 6.

Mapa 6 – Restituição e topografia a laser da região. Fonte: ArcGIS 10.0

O zelo pelo meio ambiente está entre os principais itens nos escopos dos projetos de grande porte nas engenharias. A necessidade de criar formas sustentáveis do uso dos recursos naturais está pautada nas discussões da sociedade e o entendimento da legislação vigente é inerente à qualquer projetista que pretenda desenvolver um empreendimento. Algumas medidas legais são adotadas para garantir o cumprimento dessa demanda. A criação das áreas de proteção permanente são um exemplo.

Segundo o atual Código Florestal Brasileiro, Lei n°12.651/12 entende se;

Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

(…) II – Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

Algumas APPs podem ser detectadas nessa análise, como as nascentes e hidrografia. Vide figura 8.

Figura 8 – Áreas de proteção permanente de hidrografia. Fonte: Atlas Digital das Águas de Minas, UFV

Os dados de hidrografia mapeados no levantamento, permitem fazer esta análise das APPs hidrográficas – ao aplicarmos a técnica buffer – no software ArcGIS, de acordo com a largura da margem do curso d´agua. Esta técnica consiste na criação de uma camada que envolve o vetor, de modo que a espessura desta camada seja fornecida pelo usuário, vide mapa 10.

Mapa 10 – APPs hidrográficas do empreendimento. Fonte: ArcGIS 10.0

Com a criação do buffer efetivada, torna-se possível detectar áreas que colocam em risco a proteção das APPs, posteriormente, análises de relocação ou medidas de compensação destes problemas pontuais podem ser executadas. Compilação dos dados: Após a criação dos principais layers capazes de munir um empreendedor acerca do projeto, transforma-se o modelo geocêntrico para o sistema de referência. Estes dados devem ser convertidos, pois o processo de exportação do Google Earth depende da equalização dos datums para que possam representar algo próximo da realidade do local, sem distorções acentuadas ou sobreposições indesejadas. Tão logo realizada a transformação de datum, o ArcGIS permite ao usuário converter os aquivos shapefile no formato nativo do Google Earth – KML ou KMZ – incluindo a base de dados contida em cada um deles.

Figura 9 –Shapefiles exportadas para o Google Earth. Fonte: Google Earth

 

Considerações Finais

Observa-se que os Sistemas que trabalham com informações Georreferenciadas possuem grande potencial para conhecimento, planejamento e tomadas de decisões do objeto de análise. A demanda pelo entendimento do espaço deve ser tratada como uma necessidade para êxito nos processos de analises em todos os âmbitos.

Cabe aqui ressaltar a necessidade das organizações incentivar o uso e aplicações de técnicas – como a trabalhada no presente estudo – para esta otimização do trabalho e fiscalização em campo, principalmente nas fases conceituais e básicas de projetos. Nestas etapas os órgãos fiscalizadores de meio ambiente demandam de vistorias e conhecimento do problema para que sejam emitidas as licenças.

Nota-se em alguns casos dificuldade de percepção cartográfica por parte desses agentes, escassez de recursos materiais, bem como a dificuldade de manusear plantas em grandes formatos ao ar livre. Possibilitar a associação do conteúdo nas plataformas intuitivas poderia ser um grande marco para melhoria do diálogo entre as duas partes, fiscalização e projetista. Através de cálculos e conversões de datum e extensões, obteve-se um resultado de fácil e rápida interpretação.

Contudo, é importante evidenciar que todos os processos utilizados nestas plataformas demandam uma profunda análise das disciplinas que envolvem o geoprocessamento, como sensoriamento remoto, cartografia, estatística etc. A evidencia dessa tendência abre portas para vários estudos e aplicações futuras, bem como a tentativa de criação de sistemas com maior precisão e acurácia de baixo custo para a popularização desta ferramenta em todas etapas de um projeto.

Cabem aos pesquisadores e futuras gerações de cientistas a insistência em associar o alto padrão de qualidade dos dados com meios tecnológicos economicamente acessíveis para que seja possível esta revolução, portanto o presente projeto teve a intenção de apresentar possibilidades tangíveis no dia a dia dos agentes que estão envolvidos com a pesquisa de campo e instigar a todos a necessidade de permanecermos no caminho dessas novas conquistas tecnológicas e metodológicas.