Uso de tecnologia espacial para posicionamento

Na InfoGNSS 33 o tema desta seção foi designado “O receptor GNSS atuando como um sensor meteorológico”, com destaque para os casos de bases terrestre. Nesta seção o mesmo será retomado, mas para o caso de um receptor GNSS a bordo de um satélite de órbita baixa, denominado satélite LEO (Low Earth Orbits).

É claro que o receptor não é igual aos que estamos acostumados nas aplicações de alta acurácia da geodésia e posicionamento, uma vez que se trata de aplicações espaciais. O receptor, apenas GPS até o momento, foi desenvolvido para dar suporte à técnica denominada Radio Ocultação GPS. Na figura o leitor pode observar que o satélite GPS está oculto pela Terra, mas devido ao desvio do sinal em razão da refração atmosférica, o mesmo é recebido no receptor a bordo do satélite LEO. O processo de ocultação demora algo em torno de dois minutos, período em que a taxa de coleta de dados para o satélite GPS, nesta condição, é realizada com alta taxa, em geral 50 Hz.

No processamento dos dados, objetiva-se determinar o ângulo a mostrado na figura, o qual é denominado ângulo de curvatura (bending angle). Na realidade, vários valores de a serão determinados; os quais comporão um perfil para cada ocultação. O valor desse ângulo vai depender da composição da atmosfera, em especial do Conteúdo Eletrônico Total (TEC, na sigla em inglês), na ionosfera e das componentes hidrostática e úmida, na troposfera. Com o uso de dados de receptores de dupla frequência, os efeitos de primeira ordem da ionosfera podem ser eliminados, via combinação linear adequada. Por outro lado, os efeitos advindos da troposfera são os que interessam para este caso e estarão influenciando o ângulo a. O modelo funcional usa o conceito de geometria óptica, com a suposição de simetria esférica local, e requer que as posições e velocidades dos satélites GPS e LEO sejam determinadas com alta acurácia. A teoria da relatividade, via o uso da transformação de Lorenz (em homenagem ao físico Hendrik Lorentz, descrevem como, de acordo com a relatividade especial, as medidas de espaço e tempo de dois observadores se alteram em cada sistema de referência), é envolvida no processo, uma vez que satélites GPS e LEO se movem com velocidades diferentes. Calcula-se então o efeito Doppler no vácuo, que é confrontado com o correspondente valor observado pelo receptor, cuja diferença entre ambos é denominada excesso óptico. De posse dos valores de a, pode-se calcular um perfil de refratividade (N), usando, por exemplo, a inversa de Abel. Com os valores de N pode-se derivar perfis de temperatura e pressão, bem como de umidade. Esses valores, de suma importância na meteorologia, podem ser assimilados num modelo numérico de previsão do tempo, bem como ser usado em outras aplicações. O projeto Cosmic (www.cosmic.ucar.edu) é uma prova do conceito de muito sucesso, uma vez que produz algo em torno de 4 mil ocultações por dia, as quais podem ocorrer em qualquer região da Terra.

No Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) está envolvido com a missão denominada Equatorial Atmosphere Research Satellite (Equars), a qual contará, dentre outros experimentos, com o GPS Radio Occultation Measurement (Grom), no qual um receptor denominado Integrated GPS Occultation Receiver (Igor) fará parte da missão. A finalidade específica é realizar ocultação GPS na região equatorial. O receptor já está nas dependências do Inpe e testes iniciais estão sendo realizados com o modelo de engenharia. O programa computacional Radio Occultation Processing Package (ROPP) está sendo usado nos testes iniciais.

João Francisco Galera Monico é graduado em engenharia cartográfica pela Universidade Estadual Paulista, com mestrado em ciências geodésicas pela Universidade Federal do Paraná e doutorado em engenharia de levantamentos e geodésia espacial pela Universidade de Nottingham. Professor e líder do Grupo de Estudo em Geodésia Espacial da Unesp. Autor do livro Posicionamento pelo GNSS
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