Na esfera federal são 15 cadastros oficiais diferentes e não integrados, além de mais de 5 mil cadastros municipais de terras urbanas. Estima-se que cerca da metade dos imóveis urbanos, em todo o país, não estão registrados e que de 10% do PIB são consumidos pela falta de governança. As questões relacionadas à propriedade de terras no Brasil, rurais e urbanas, serão tema do evento em Campinas.

A integração dos sistemas de cadastros – assim como a atualização e simplificação dos mecanismos de registros – é um passo vital para a regularização fundiária no Brasil. O Grupo de Trabalho em Governança de Terras do Instituto de Economia da Unicamp destaca que a maior parte dos problemas brasileiros decorre justamente dessa desorganização que provoca sérios impactos urbanos e rurais, incluindo os conflitos de terra e por moradias.

O Grupo de Governança de Terras da Unicamp estima que 10% do PIB do Brasil sejam consumidos por falta de organização, com base em diversas fontes de informação. O Ministério das Cidades calcula que 50% de todos os imóveis urbanos brasileiros estão irregulares, fato que prejudica uma população em torno de 100 milhões de habitantes. A empresa de consultoria Agrosecurity mensurou, em 2015, em R$ 7 bilhões o custo da falta de governança de terras no Brasil, valor que equivale a quase duas vezes a safra de trigo.

“Temos um Código Florestal ineficiente, legislação confusa – no que se refere ao registro e administração de terras – e nenhum mecanismo para promover a articulação entre os agentes envolvidos”, diz o professor Bastiaan Reydon, coordenador do Grupo de Trabalho em Governança de Terras.

São essas situações e incertezas que preocupam a maior parte dos especialistas que participarão do “III Seminário Internacional de Governança de Terras e Desenvolvimento Econômico: Regularização Fundiária”. O evento será realizado nos dias 7, 8 e 9 de junho de 2017, no Instituto de Economia da Unicamp. O evento tem como patrocinadores a Fíbria Papel e Celulosa e a WWF – Brasil e apoio da Land Aliance, Bueno e Mesquita Advogados, Cartório Rui Barbosa e Cenibra. As inscrições devem ser feitas pelo site http://www.funcamp.unicamp.br/eventos/IIISeminarioGovernancaTerraDesenvolvimentoEconomico.

Participantes

O evento reunirá cientistas, agentes públicos, especialistas do setor privado e representantes da sociedade civil para debater e trocar experiências em relação às questões fundiárias no Brasil e no mundo. Já estão confirmadas as presenças de representantes do Governo Federal – por meio do Ministério das Cidades – Nead (Núcleo de Estudos Avançados em Desenvolvimento), Sead (Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário), Casa Civil, Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), SPU (Secretaria de Patrimônio da União), Serfal (Secretaria Extraordinária de Regularização Fundiária da Amazônia Legal), Irib (Instituto de Registro Imobiliário do Brasil), SRB (Sociedade Rural Brasileira), FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), Receita Federal, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Prefeitura de Campinas, IIEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil, Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), TNC – The Nature Conservancy Brasil, e Demacamp Planejamento, Projeto e Consultoria; das universidades Unicamp e PUC – Campinas; das ongs Instituto Pólis (que atua na construção de cidades justas, sustentáveis e democráticas), WWF (dedicada à conservação da natureza) e Land Alliance; e da iniciativa privada, como a Fíbria Papel e Celulose.

Cadastros diferentes

A defesa da consolidação de um cadastro unificado se baseia na necessidade de evitar que as instituições continuem com sobreposição de atribuições, áreas destinadas, responsabilidades e interesses. Atualmente, cada órgão possui o seu sistema próprio, sem intercomunicação. Somente na esfera federal vigoram 15 canais oficiais para cadastramento e, em se tratando de terras urbanas, o Brasil se vê às voltas com a enormidade de 5 mil desses canais (cadastros municipais).

Por isso, o Grupo de Trabalho em Governança de Terras do Instituto de Economia da Unicamp – que tem atuado já há alguns anos junto ao Ministério do Desenvolvimento Agrário – acredita na premência de uma reorganização institucional para que os órgãos que lidam com as questões da terra – Incra, ministérios, Funai, Instituto da Terra, municípios e cartórios – finalmente se comuniquem e adotem políticas de interesse comum. O Seminário, inclusive, almeja lançar as bases para a criação de um grupo interministerial engajado numa melhor governança de terras, com ênfase também no aperfeiçoamento do controle de uso e planejamento espacial.

MP 759

Dentre todas as questões que deverão permear os debates no seminário, obviamente há a preocupação com os efeitos da Medida Provisória 759, proposta pelo Governo Federal no final do ano passado – atualmente em discussão no Congresso Nacional- que já acumula perto de 700 emendas.

Embora seja alvo de críticas de setores sociais – por não ter sido submetida a consulta popular – a MP é defendida pelo Governo como ferramenta eficaz para unificar e agilizar a regularização fundiária rural e urbana no Brasil para os casos já consolidados e também dificultar a formação de novas áreas de ocupação ilegal.

Campinas é, atualmente, o único município brasileiro a integrar o Comitê Ibero Americano de Cadastro (CPCI). A Prefeitura de Campinas integra o Comitê desde 2012, o que tem possibilitado capacitações, o intercâmbio de informações, de experiências e de melhores práticas de projetos implantados entre seus membros. Há ótimos exemplos de modernização cadastral em países como Espanha, Holanda, Dinamarca, Uruguai e cidades como Bogotá e Medellín, na Colômbia. São 68 instituições de 19 países que integram o Comitê, como membros de pleno direito, e mais seis instituições como observadoras (isto é, sem direito a voto).

O pesquisador Vitor Fernandes, também do Grupo de Trabalho em Governança de Terras, frisa que a participação da cidade no Comitê é importante por estabelecer um vínculo permanente entre as organizações públicas responsáveis pela gestão do cadastro. Uma de suas funções é preservar os mecanismos para divulgar a importância do cadastro como um sistema de informação básica do território, favorecendo o desenvolvimento social e a melhor qualidade de vida dos cidadãos.

Bom exemplo

Mesmo no Brasil há bons exemplos de que o capital privado pode aprender a contribuir decisivamente para uma boa governança fundiária. Um destaque é a Fibria, empresa nacional de papel e celulose, que mantém plantações de eucalipto no Espírito Santo, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Sua área de produção é de 651 mil ha, complementada por 409 mil ha de vegetação nativa destinada à conservação, o que soma 1,06 milhão de ha sob sua propriedade.

Depois de superar uma série de disputas legais com o Governo Federal e embates com movimentos de ocupação de terras, desde 2009 o grupo vem implementando diversas ações para a redução dos conflitos sociais no campo. Em cinco anos (de 2009 a 2014), mais de US$ 50 milhões foram investidos somente na unidade de Aracruz (ES).

A iniciativa Assentamentos Sustentáveis é um acordo entre a Fibria, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra, o governo da Bahia e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a desapropriação de 11 mil ha da empresa com o objetivo de assentar mais de mil famílias de pequenos agricultores.

Além disso, a empresa é responsável pelo diagnóstico socioambiental econômico, por desenvolver o modelo de negócio e prover assistência técnica para a produção agro. Em 2013, foi inaugurado um centro de formação para treinamento dos assentados.

O Plano de Sustentabilidade Tupiniquim e Guarani tem o objetivo de afirmar a identidade ética desses povos e melhorar sua qualidade de vida. São cerca de 200 famílias que participam da restauração florestal, de atividades econômicas sustentáveis e de outras iniciativas priorizadas pela própria comunidade.

Conflitos

Naturalmente, nenhuma ação afirmativa pode, isoladamente, desviar a atenção e minimizar as preocupações dos especialistas com relação à violência que ainda impera nos campos brasileiros. Um dos episódios mais dramáticos foi o recente conflito por terras no Maranhão, que deixou 13 índios feridos, como consequência do que o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) classificou como um ataque de fazendeiros. Segundo o Cimi, dois dos indígenas teriam terminado o confronto com as mãos decepadas.

Para os envolvidos na questão fundiária, foi uma prova cabal de como a ineficiência da gestão de terras no Brasil agrava perigosamente os problemas rurais e urbanos. E a chave para o enfrentamento dessa crise está justamente no aperfeiçoamento da governança de terras.

Fonte: Segs