Por Reinaldo Escada Chohfi

Uma grande euforia se instalou quando foi anunciado o lançamento de satélites com sensores de alta resolução. Áreas urbanas, que nunca tiveram suas características espaciais, espectrais e temporais adequadamente atendidas por satélites como Landsat e Spot, finalmente poderiam ser mapeados com sensoriamento remoto orbital.

Tamanho entusiasmo não é à toa: a descrição da nova geração de satélites realmente impressiona. Resoluções espaciais submétricas no modo pancromático e de 4 m no modo multiespectral, além de imagens hiperespectrais feitas com até 280 bandas são alguns dos principais atrativos que estes sensores oferecerão.

Paralelamente, sistemas de fotografias aéreas digitais capazes de adquirir imagens com resolução espacial entre 0,5 m e 3m, com resolução espectral de quatro a 102 bandas já estão em uso.

Mas, será que isso vai realmente resolver definitivamente todos os problemas de mapeamento de áreas urbanas? Muito tem sido escrito sobre as vantagens que estes sensores de alta resolução vão oferecer, mas muito pouco é mencionado sobre os vários problemas desta nova tecnologia.


Imagem colorida com 1 m de resolução espacial


Imagem colorida de 0,5 metros de resolução espacial

Algumas Oportunidades
Vejamos algumas das vantagens que o mapeamento por imagens de satélites de alta resolução trará. A primeira delas é o custo. O mercado de mapeamento urbano hoje é quase inteiramente feito por fotografias aéreas, que têm custo por Km² bem maior do que terão as imagens destes satélites.

A divisão entre as bandas do vermelho visível e infravermelho de imagens multiespectrais de alta resolução é útil para extrair a cobertura da vegetação urbana. O processamento dos dados da banda do infravermelho térmico permite análises da eficiência energética de edificações, indicando aquelas que estão com maior ou menor perda de calor mediante mapeamento da temperatura radiante.

Operações de álgebra entre bandas de imagens multiespectrais com resoluções espaciais maiores do que 5 m, com posterior processamento estatístico, agrupamento e conversão raster-to-vector, são capazes de localizar e delimitar áreas de edificações residenciais e comerciais sem digitalização manual. Esta técnica tem aplicações em instalação e expansão de redes de fibra ótica, telefone, televisão a cabo, eletricidade, água, gás, etc. em regiões urbanas, permitindo um cálculo do número de edificações a serem servidas e a extensão do material a ser usado na instalação da infra-estrutura. Imagens multiespectrais de alta resolução também permitirão mapeamento da cobertura e uso do solo urbano de maneira detalhada usando métodos apropriados de classificação computadorizada. Por exemplo, será possível classificar logradouros de acordo com o tipo de pavimento (terra, calçamento, asfalto, etc.), e detalhar as condições do pavimento dos mesmos.

As imagens pancromáticas de 1 m serão muito úteis no mapeamento urbano tradicional, como quadras, eixo de logradouros, uso do solo, áreas construídas, etc.

Muitas outras aplicações também serão possíveis, como desenho, paisagismo e planejamento urbano, crescimento urbano, operações imobiliárias, localização de novos empreendimentos imobiliários, desenho de condomínios, shopping centers e centros empresariais e educacionais, planejamento e gerenciamento de infra-estruturas urbanas, simulação da interação do uso do solo com transporte urbano, marketing em áreas urbanas, apoio à sistemas de emergência e policial, poluição ambiental, etc. A verdadeira explosão de novas aplicações ocorrerá quando as imagens de alta resolução estiverem nas mãos e sujeitas a criatividade de arquitetos, engenheiros, urbanistas e planejadores que trabalham com sistemas e assuntos urbanos.

Possíveis Problemas
Até aqui, tudo parece bem. Mas, quais serão os possíveis entraves que impedirão que o uso destes sensores se transforme em uma solução realmente atrativa para mapeamento urbano?

Primeiramente, existem problemas relacionados com a tecnologia de construção desses satélites, que é difícil e requer conhecimentos de muitas disciplinas. Entre os problemas tecnológicos, pode-se citar a precisão do sistema de aquisição de imagens, o tamanho dos arquivos digitais e a capacidade dos gravadores de bordo, faixa de transmissão para transferir terabytes de dados regularmente e sistemas e aplicações para catalogar, armazenar, processar e manipular grandes volumes de dados. Além disso, problemas técnicos de difícil correção podem ocorrer depois que os satélites estão em órbita. Veja-se o caso do EarlyBird 1, totalmente inutilizado poucos dias depois de seu lançamento.

Alta resolução também traz alta complexidade de interpretação e classificação computadorizada. Intérpretes acostumados a trabalhar com imagens multiespectrais do Landsat e Spot terã
o que ser treinados para interpretar uma multidão de novas feições e texturas urbanas.

Outro fator importante na interpretação serão as sombras, principalmente em áreas urbanas densas. Edificações altas e árvores, por exemplo, farão sombras em zonas residenciais que poderão impedir a interpretação correta da imagem. Pior: as imagens de resolução espacial mais alta (1 m ou maiores) serão pancromáticas, limitando o uso de técnicas de realce que poderiam ser aplicadas em imagens multiespectrais. As características espaciais e espectrais do uso do solo urbano requerem imagens de alta resolução espacial e espectral capazes de gravar alta freqüência e detalhes com contraste baixo para um mapeamento urbano adequado usando satélites orbitais.


Imagem pancromática de 10 m com adição de imagem colorida de 1 m de resolução espacial

Os algoritmos de classificação terão que ser redesenhados para trabalhar com dados de alta resolução espacial e espectral (hiperespectrais). Muitos pensam que sensoriamento hiperespectral consiste de dados multiespectrais com mais bandas. Porém, extração automática de informação em áreas urbanas requer que os sistemas de processamento de imagens multiespectrais sejam capazes de processar e analisar muitas características da reflectância espectométrica de materiais que têm assinaturas com distribuição homogênea através as bandas, sendo que certos materiais são mais receptivos para mapeamento urbano digital que outros. A visualização estatística das classes e resultados de classificação também terá que ser repensada para poder manipular um grande volume de dados.

Deve-se ressaltar que a alta resolução espacial só será obtida em nadir (o ponto na terra verticalmente embaixo do centro de perspectiva do sensor). Fora desse ponto, a resolução pode cair em até 0,5 m. Essa variação ocorrerá quando os satélites estejam adquirindo imagens antes do tempo de revisita passando um pouco ao oeste ou leste do ponto em nadir. A mudança no ângulo de aquisição da imagem altera a geometria da projeção do sensor na terra. Isso significa que uma imagem com 1 m GSD (Ground Sample Distance) obtida em um dia poderá ter 1,5 m GSD dois dias depois.

Finalmente, temos o fator de segurança nacional. Apesar de o tratado das Nações Unidas declarar que não existe soberania espacial, sendo o uso gratuito do espaço aberto a todos os países e companhias para fins passivos, existem países que não apóiam a idéia de que imagens de alta resolução de seus territórios sejam acessíveis e distribuídas rapidamente. Israel, por exemplo, já assinou acordo com o governo americano para que qualquer imagem de seu território distribuída comercialmente tenha limite de 2 m de resolução espacial. Isso obrigará as companhias distribuidoras a degradarem a qualidade espacial de suas imagens de alta resolução. O caso de Israel pode estabelecer um precedente para outros países. Qual será a posição do governo brasileiro com respeito à segurança nacional? Talvez esse ponto seja o grande empecilho que nos levará a nunca ver alguma das tão esperadas imagens orbitais de 1 ou 0,82 m de resolução espacial, deixando muito mapeamento urbano em escalas 1:10.000 a 1:5.000 como está sendo feito no momento no Brasil, usando fotografias aéreas convencionais ou digitais orto-retificadas.

Reinaldo Escada Chohfi teve formação acadêmica na University of California, Los Angeles (UCLA). É engenheiro ambiental/geógrafo, mestre em arquitetura e arqueologia, Ph.D em urbanismo. Diretor Presidente da Geodesign International, sediada em Lorena (SP). E-mail: rchohfi@easygold.com.br