Por Martha Gorman
Antes de 29 de julho de 1.998, a maior companhia de telecomunicações da América Latina era também uma das mais homogêneas e usava um sistema de operações destinado à gerência da rede externa baseado em GIS (SAGRE) para servir mais de 21 milhões de clientes. Agora que a Telebrás (Telecomunicações Brasileiras S.A.) foi dividida em 12 e vendida a companhias tão diversas e com práticas de administração tão diferentes quanto a Telefónica de España e Andrade Gutierrez, será que o SAGRE continuará a servir como uma força unificadora? Depois de um ano e uma desvalorização da moeda que se seguiram a esta ruptura histórica, o que é que aconteceu com o SAGRE?
A pessoa a quem devemos fazer todas estas perguntas é Geovane Magalhães. Ele é o atual Gerente da Divisão de Sistemas de Gerência da Planta Externa da Fundação Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), uma fundação sem fins lucrativos formada como parte da privatização e a última encarnação da Diretoria de Pesquisas e Desenvolvimento da holding Telebrás, onde o SAGRE foi desenvolvido durante o começo dos anos 90. Um dos mais avançados e sofisticados sistemas de GIS na América Latina, o SAGRE teve início "na década de 1980, quando as empresas operadoras da Telebrás vislumbraram a necessidade de um sistema de informações para a gerência da planta externa", lembra Magalhães.
Apenas em meados de 1.991, contudo, a Telebrás incumbiu o CPqD do desenvolvimento do SAGRE. "No CPqD em Campinas foi montado um grupo composto de engenheiros/analistas do CPqD e das empresas operadoras e, como primeiro passo, passou-se a escolher um sistema de informações geográficas (GIS)", conta Magalhães. "Em julho de 1.992 o grupo estava montado, um GIS escolhido e o ambiente de desenvolvimento estava pronto. Começou então o desenvolvimento dos primeiros módulos do SAGRE".
Embora isto possa parecer fácil, este processo de seleção é conhecido como um dos mais rigorosos de GIS na América Latina e continua a servir como modelo para outras companhias em diversos setores. "Inicialmente houve uma Requisição de Informações (RDI) e depois uma Requisição de Propostas (RDP) seguida de uma avaliação técnica utilizando os GIS candidatos", diz Magalhães, que coordenou este processo de decisão de 10 meses. O produto da SHL VISION* Solutions "ofereceu as melhores condições técnicas e de preço dentro das condições da RDP", diz Magalhães, que afirma não se arrepender da seleção desta solução durante os últimos sete anos.
"Em outubro de 1.993, colocamos em testes a nossa primeira versão. No final de 1.994, fizemos uma concorrência para realizarmos uma conversão de dados piloto colocando no SAGRE o mapeamento urbano e a rede de telecomunicações de Valinhos", diz Magalhães. "Na época, conversão de dados de sistemas de AM/FM era um segmento quase inexistente no Brasil. De forma a dar condições de competição às empresas brasileiras, reduzir custos e melhorar a qualidade da conversão, desenvolvemos técnicas e métodos adequados às nossas exigências e ao mercado brasileiro. Neste processo foi definido o Formato SAGRE de Conversão, hoje já dominado por muitas empresas brasileiras".
"O SAGRE hoje tem vários módulos que ajudam uma empresa de telecomunicações a planejar e projetar novas redes, manter a rede existente e operar o dia-a-dia da ocupação da rede. Tudo isto traz como benefícios principais a melhoria da qualidade dos serviços, o aumento da utilização da rede, a antecipação da receita, contribuindo fortemente para a satisfação dos clientes", afirma Magalhães, soando tanto um pai coruja quanto um gerente competente.
Mas será que isso é bom o suficiente para a Telefónica de España, Iberdrola, Telecom Italia, Globo, Bradesco Bank, Portugal Telecom, Telesystem International, Splice do Brasil, Banco Opportunity, Andrade Gutierrez e MCI – os diversos novos donos das pequenas nacionais de telecomunicações? A resposta é afirmativa, pelo menos para a maioria dos novos donos e pelo momento.
"As empresas que já usavam o SAGRE antes da privatização assinaram contratos de manutenção (a licença foi herdada sem ônus da Telebrás) de duração de três anos", diz Magalhães. "Desta forma, as empresas que possuem soluções equivalentes no exterior comparam o custo de modificações de suas soluções para o mercado brasileiro com o custo de manter nossas soluções que já estão tropicalizadas. Na prática eles comparam funcionalidades e o SAGRE está muito bem situado no mercado internacional". O desafio agora é converter esta relação inicial em uma parceria de longa duração, que manterá o SAGRE no seu lugar, mas também permitirá a diversificação e melhoramento desta base – e parece que isto está acontecendo.
"Já estamos com dois novos clientes pós-privatização", informa Magalhães. "O primeiro é a empresa municipal Sercomtel (Londrina) e o outro é a Embratel, que foi adquirida pela MCI. O uso do SAGRE pela Embratel é mais voltado para redes ópticas de comunicação de dados". Isto é bom para o futuro do SAGRE considerando o tumulto desde a privatização. "Geovane foi muito ativo na promoção do SAGRE após a privatização", diz Alan Smale, Gerente de Projetos Técnicos da SHL VISION* Solutions e Construtel, o parceiro estratégico da SHL VISION* Solutions no Brasil.
"O SAGRE já foi analisado e referendado por todas as empresas que o adquiriram. Estamos todos procurando antecipar resultados colocando sob o SAGRE a maior quantidade de rede possível". Esta é uma expectativa razoável por causa do desenho de GIS, diz Magalhães. "O SAGRE é um sistema muito flexível. Com um mesmo modelo de informações, já atendia 27 empresas do Sistema Telebrás. Com a privatização deve ficar até mais fácil manter este núcleo". Para entender esta conclusão, é preciso considerar que embora a privatização tenha parecido bastante com a destruição de uma entidade única, ela resultou na realidade na consolidação da telefonia fixa no Brasil. Ao invés das 27 companhias que formavam a holding Telebrás, agora há somente três. Outras três competidoras, chamadas de empresas espelhos, estão sendo escolhidas.
Muito se falou sobre novos serviços como redirecionamento de chamadas, serviços de duas linhas e chamadas gratuitas, mas na realidade estes serviços já estavam disponíveis antes da ruptura. A expectativa real é que um aumento no número de novas linhas ocorra. De acordo com um artigo publicado no site time.com, na edição internacional de agosto de 1.998, na época da privatização, 15 milhões de brasileiros estavam em listas de espera para telefones comuns e mais 5 milhões para serviços celulares e somente a metade das companhias comerciais do país tinham acesso a telefone. Era costumeiro pagar em torno de 2 mil reais num mercado paralelo às empresas para obter uma linha. Muitas pessoas esperam que a competição e a privatização abaixem os custos. Magalhães, claro, diz que "o SAGRE pode ajudar bastante na realização destas promessas". Mas, por que e como?
Mercado Brasileiro
"Os sistemas do tipo do SAGRE, dos quais temos notícia, se preocupam muito com a manutenção dos mapas das redes de telecomunicações, isto é, com o processo de modificação das redes para suportar um crescimento vegetativo. No Brasil, o crescimento da planta tem que ser em taxas bem maiores assim também como a ocupação da rede tem que ser bem elevada. Assim, o SAGRE se preocupa com o processo das grandes expansões, com a manutenção das plantas, mas também com a operação da ocupação da rede. O banco de dados do SAGRE está preparado para atender os engenheiros projetistas que fazem trabalhos grandes num prazo longo bem como os operadores que fazem freqüentes intervenções quase que instantâneas. Para atender estes requisitos o SAGRE olha a empresa como um todo, integrando os processos que tradicionalmente são tratados separadamente".
Estas características do SAGRE fazem dele uma boa idéia para outras nações latino-americanas que enfrentam muitos dos mesmos desafios vistos no Brasil – embora em uma escala um pouco menor. E de fato as companhias operacionais não são as únicas a entrar na onda comercial iniciada pelo capitalismo e mercados abertos. O CPqD deve agora competir para obter clientes e não somente pelas companhias nacionais.
"Com a privatização, quase de um dia para o outro passamos a competir com empresas internacionais", nota Magalhães, que claramente achou isso um pouco assustador. "Não tem sido fácil, mas nossa competência tem demonstrado que podemos manter nosso espaço e contribuir ainda mais com o crescimento da nossa sociedade". E o SAGRE não é o único produto que o CPqD tem a oferecer. Magalhães e seus 900 colegas do CPqD estão desenvolvendo e oferecendo mais de uma dúzia de soluções. De fato, o SAGRE é somente um dos oito Sistemas de Operações desenvolvidos pelo CPqD e o Centro oferece três sistemas de comunicações sem fio, cinco de soluções tecnológicas em Integração de Sistemas e Circuitos com tecnologias de micro-eletrônica, e InfoAccess, um serviço de acesso à Internet através de redes de TV a Cabo. O CPqD está também começando a se preparar para atingir o mercado internacional. De acordo com Juan Plaza, gerente de contas na América Latina da SHL VISION* Solutions, que está trabalhando com o CPqD nesta campanha para entrar em outros mercados latino-americanos, "o SAGRE já está sendo oferecido na América Latina, especificamente na Bolívia, no Chile e na Venezuela".
Geovane Magalhães, do CPqD.
Por causa da expansão recente da magnitude da missão do CPqD, a desvalorização do real provou ser uma faca de dois gumes. "Por um lado, nossos contratos em dólares ficaram mais pesados-não podemos repassar este aumento para os clientes", diz Magalhães. "Por outro lado, nossos serviços ficaram bem mais baratos que aqueles oferecidos por empresas estrangeiras".
O que o futuro nos traz? Hoje, a mesma base de dados do SAGRE pode ser acessada tanto via clientes PC, nos Módulos de Operação e Visualização da Rede, como via clientes UNIX para a parte de engenharia. "É de alta prioridade colocar toda funcionalidade de engenharia no modo nativo de PC", diz Magalhães. "A integração do AutoCAD com a VISION* está agora em fase de protótipo junto ao SAGRE", comenta Smale. Soluções integradas que funcionam pela companhia como um todo estão também sendo desenvolvidas. E o CPqD participa ativamente dos fóruns de padronização e é utilizado pela ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações).
Por último, aposta-se que a maioria, se não todas as companhias em operação, irão acabar optando pelo uso do SAGRE. É provável que a legendária homogeneidade e os excelentes geodados por trás das companhias de telecomunicações no Brasil continuem a manter o Brasil à frente da telefonia na América Latina.