por Deise Roza e Rogerio Galindo

O Brasil deve lançar até outubro o seu primeiro satélite de sensoriamento remoto, o CBERS-1. Com o início das atividades do sensor, o país entra no seleto grupo dos produtores de imagens orbitais. Conheça na reportagem a seguir as principais características do projeto mais ousado da indústria espacial brasileira até hoje.

O Brasil está prestes a dar um passo decisivo na área de sensoriamento remoto. Há 25 anos dependendo de sistemas estrangeiros para adquirir dados sobre seu próprio território, o país pretende lançar até o mês de outubro o CBERS1, primeiro produto de um acordo de cooperação entre Brasil e China. O nome do projeto, que prevê o lançamento de um segundo satélite até 2.001, vem da abreviação de China-Brazil Earth Resources Satellite (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). Em todo o mundo, existem apenas 7 sistemas de geração de imagens em órbita. E o acesso a alguns deles, como no caso do IRS (satélite indiano que consegue mostrar objetos maiores do que 5,8 metros), ainda é difícil para os brasileiros.

Na última década, por exemplo, o maior fornecedor do Brasil tem sido o Landast-5, do governo norte-americano. A desvantagem de depender de outro país é a questão da prioridade. Nem sempre as necessidades brasileiras estão em primeiro lugar.

A disponibilidade do satélite e suas características permitirão uma oferta maior de imagens para projetos como o PRODES (de monitoramento da Amazônia) e o Proarco (de vigilância do arco do desflorestamento), ambos do INPE. Além disso, os sensores do CBERS serão úteis para trabalhos de planejamento urbano, cartografia, hidrologia, geologia, e agricultura.
O primeiro satélite da série CBERS já está pronto. Agora, basta que o lançamento – programado para acontecer entre vinte de setembro e dez de outubro – na cidade chinesa de Shanxi, seja bem-sucedido. "As chances de sucesso são grandes, já que as estatísticas do foguete chinês que será usado são muito boas", diz Paulo Serra, chefe do Centro Espacial do INPE em Cachoeira Paulista até o começo deste ano. A única barreira que pode impedir o satélite de entrar em órbita é temporal. Caso não possa ser lançado até outubro, será necessário esperar até o próximo ano para evitar problemas causados pelo intenso frio do inverno chinês.

O projeto foi orçado originalmente em 150 milhões de dólares, dos quais o Brasil deveria participar com 45 milhões. A demora excessiva do programa, que já tem 11 anos de duração, e a inclusão de novas peças nos satélites, aumentou a participação do lado brasileiro para cerca de 150 milhões de dólares. Ao passo que o investimento chinês aumentou em aproximadamente 70%. Somente o lançamento dos dois satélites, através de veículos da série Longa Marcha 4, tem custo estimado em 50 milhões. A escolha dos foguetes é devida ao grande porte dos satélites, que impede que eles sejam lançados pelo VLS brasileiro (Veículo Lançador de Satélites). O mesmo fator impediu a utilização da base de lançamento de Alcântara, no Maranhão.

Histórico
O acordo de cooperação entre Brasil e China, que deu origem ao CBERS, foi assinado em 1.988. Nele, foi definido que as instituições responsáveis pelo projeto seriam o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), no Brasil e a CAST (Academia Chinesa de Tecnologia Espacial), na China. Segundo o responsável pela parte brasileira do projeto, Carlos Santana, a China até teria condições técnicas de produzir sozinha um satélite mas, preferiu as vantagens da cooperação. "Ela pôde assim dividir custos e atribuições", afirma. Outro fator importante foi a semelhança de nível tecnológico entre os dois países, uma vez que ambos tinham um programa espacial mas ainda não haviam participado de um projeto desse porte. A China, por um lado, tinha tecnologia para a confecção das lentes das câmeras de alta resolução e para controlar o apontamento dos sensores.

O Brasil, por outro lado, tinha tradição e competência na área eletrônica, em estruturas mecânicas, e no uso de metodologias avançadas de sensoriamento remoto e meteorologia por satélites, além de um parque industrial mais moderno. Porém, não conseguiria produzir um satélite sem colaboração de outro país e sem importação de peças. Assim, na divisão de tarefas os brasileiros ficaram responsáveis pela fabricação de uma das câmeras de captação de imagens (a WFI), pelos equipamentos de geração de energia elétrica, pelos sistemas de coleta de dados e de telecomunicações de bordo.

Satélite SACI-1 em teste de Compatibilidade Magnética na Câmara Anecóica, no Laboratório de Integração e Testes (LIT), do INPE no dia 07/03/99.

Os chineses responsabilizaram-se pelo fornecimento das demais partes, contratando junto a empresas brasileiras a fabricação de computadores de bordo e transmissores de microondas. A extensão territorial, o grande número de áreas despovoadas e de difícil acesso e a vocação agrícola de ambos os países fazem com que eles tenham necessidades de imageamento semelhantes, o que contribuiu para a concretização da parceria.

Um outro fator importante para a formação da sociedade foi de ordem política. A China, de governo socialista, não tem apoio da comunidade ocidental para execução de projetos espaciais. Para ter acesso a alguns produtos considerados sensíveis, era necessário encontrar um parceiro que tivesse melhores relações com os países mais desenvolvidos tecnologicamente. Mas até mesmo o Brasil enfrentou problemas para comprar certos equipamentos. O fato de se tratar de um projeto em parceria com a China e de nenhum dos países ter assinado até então o tratado de não-proliferação de armas nucleares gerava inquietação na comunidade internacional.

Além das vantagens de ter um satélite próprio de imageamento em órbita, o Brasil conquistou outros benefícios com o projeto CBERS. A experiência adquirida pelos técnicos do INPE foi reconhecida pela comunidade internacional, que convidou o Brasil para participar da construção da Estação Espacial Internacional. Hoje, de acordo com José Raimundo Coelho, do INPE, "o Instituto e a indústria aeroespacial brasileira estão capacitados para comandar um projeto como o do CBERS. A partir desse projeto, nos sentimos capazes de nos incumbir de tarefas mais ousadas, como o desenvolvimento de satélites de grande porte". Contudo, a fabricação de alguns itens ainda depende de importações ou subcontratos internacionais.

A experiência brasileira deve ser ampliada ainda mais durante a construção do segundo satélite. A fase de integração e testes do modelo de vôo do CBERS2 será realizada no INPE, alguns meses após o lançamento do CBERS1.O entusiasmo com o sucesso da experiência fez com que os governos da China e do Brasil assinassem em 1.995 um documento que demonstrava interesse no desenvolvimento de mais dois satélites da série CBERS. Desta vez com participações iguais dos dois parceiros.

O satélite por dentro e por fora

O CBERS pesa quase uma tonelada e meia (1.450Kg), distribuída em 1,8 metros de comprimento, por 2 de altura e 2,2 de largura, e deve orbitar em volta da Terra a 778Km de altitude. Dentro dele acomodam-se dois módulos. Um, chamado de módulo de carga útil, acomoda os sistemas ópticos e eletrônicos usados para observação da Terra e coleta de dados.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso recebe a maquete do CBERS, em sua visita à Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST), em Pequim.

O outro, de serviço, contém os equipamentos que asseguram o suprimento de energia, os controles, as telecomunicações e demais funções necessárias à operação do satélite. Os 1.100 W de potência elétrica constante necessários para o funcionamento dos equipamentos de bordo são obtidos através de painéis solares que se abrem quando o satélite entra em órbita e se mantêm o tempo todo voltados para o Sol.

O CBERS possui três instrumentos sensores, captando imagens com diferentes resoluções espaciais e coletando dados com freqüência variável. Um é o WFI, um imageador de largo campo de visada, que imageia uma faixa de 890Km de largura, possibilitando uma cobertura completa do globo em cinco dias, em duas faixas espectrais, verde e infravermelho. Sua capacidade de resolução (menor área visível no terreno) é de 260 metros.

O outro é a câmera CCD, que fornece imagens de uma faixa de 113Km de largura, com alta resolução: é capaz de distinguir objetos de até 20 metros. Possibilita a obtenção de imagens em terceira dimensão (imagens estereoscópicas) de determinada região, imageando uma mesma área por diferentes ângulos. São necessários 26 dias para uma cobertura completa da Terra com ela. Distingue uma grande gama de cores, pois opera em cinco faixas espectrais, incluindo uma faixa pancromática. Além disso, qualquer fenômeno detectado pelo WFI pode ser focalizado pela câmera CCD dentro de no máximo três dias e visualizado com maior precisão.

As duas faixas espectrais do WFI são também empregadas na câmera CCD para permitir a combinação dos dados obtidos pelos dois instrumentos. Há também a câmera de varredura IR-MSS. Ela tem 4 faixas espectrais e estende a capacidade de percepção do CBERS até o infravermelho termal. Produz imagens de uma faixa de 120 Km de largura com uma resolução de 80 metros (160 metros no canal termal). Também leva 26 dias para fornecer uma cobertura completa da Terra, que pode ser correlacionada com aquela obtida através da câmara CCD.

Além disso, os satélites sino-brasileiros terão ainda a capacidade de coletar dados ambientais a partir de plataformas terrestres. O sistema é o mesmo que funciona na série de satélites brasileira SCD, em atividade desde 1.993. As plataformas (PCDs) captam informações meteorológicas como temperatura e umidade do ar, que são retransmitidas pelo satélite para o segmento de terra em tempo real. O satélite, que a cada duas horas completará uma volta em torno da Terra, será controlado durante o primeiro ano pela CAST, e no segundo ano pelo INPE. As fotos, no entanto, não dependem desse controle.