Em 1.981 a ESRI, fundada 12 anos antes pelo casal Jack e Laura Dangermond, entrava para a história do GIS. A empresa conseguiu um golpe de mestre ao lançar um sistema de informações geográficas revolucionário, que podia ser usado em PCs e que durante muito tempo foi considerado como sinônimo de GIS: o ArcInfo. Hoje, quase vinte anos depois, a ESRI passa por uma nova transformação e promete novamente revolucionar o mundo do GIS com o lançamento da nova versão de seu mais famoso produto. O ArcInfo 8.0 traz uma interface nova, trabalha com orientação a objetos e pela primeira vez adota bancos de dados relacionais em sua estrutura. Um dos principais responsáveis por estas mudanças é o Diretor de Planejamento de Produtos da empresa, David Maguire. Ph.D. em geografia pela Universidade de Bristol, Maguire é autor de um dos mais importantes livros sobre GIS já escritos, "Computers in Geography". Desde 1.990 Maguire trabalha para a ESRI, sendo que há dois anos ele se tornou o principal responsável pelos produtos da empresa. Para saber mais sobre a ESRI e sobre a influência que as novas mudanças nos produtos da empresa terão no mercado, infoGEO fez uma entrevista exclusiva com David Maguire. E para tornar a entrevista ainda mais especial para os leitores, a revista convidou dois de seus colaboradores na área de GIS (Gilberto Câmara, do INPE e Clodoveu Davis, da Prodabel) para participar da entrevista fazendo perguntas a Maguire sobre a renovação do ArcInfo e sobre a manutenção da extensa família de softwares geográficos da ESRI.
David Maguire
InfoGEO – O ArcInfo se tornou um produto popular baseado principalmente em suas estruturas topológicas de dados, uma grande novidade na época. Mais tarde, a ESRI e o ArcInfo pareciam estar envolvidos em um dilema: manter seu grande número de usuários ou modernizar o produto, com uma tecnologia de banco de dados mais eficiente substituindo o velho modelo de "coverages". Levando isto em conta, pode-se dizer que foi muito difícil para os departamentos de desenvolvimento e marketing da ESRI tomar a decisão de adotar bancos de dados relacionais (Oracle, IBM, DB2, Sybase, Informix e SQL Server) como o principal gerenciador de bancos de dados da família de produtos ESRI, através do SDE? A ESRI pretende dar mais ênfase ao SDE como sua principal solução de banco de dados? O futuro da empresa será baseado em ArcView e SDE?
Maguire – Eu não compartilho da visão de que estruturas topológicas de dados, baseadas no sistema de arquivos, como são as "coverages", sejam velhas ou menos úteis do que estruturas de bancos de dados relacionais. Acho que ambas têm um papel a desempenhar em organizações grandes e heterogêneas. Arquivos são melhor usados quando desempenho, simplicidade e custo são as questões decisivas; bancos de dados relacionais são úteis quando se tem grandes volumes de dados acessados por muitos usuários simultaneamente, e em organizações que desejam ter uma estratégia unificada para gerenciar todas as suas informações, geográficas ou não. Os mais recentes produtos da ESRI (como por exemplo o ArcInfo 8) trabalham tanto com "overages" quanto com bancos de dados relacionais. No futuro, posso seguramente prever que mais usuários vão escolher armazenar seus dados em um gerenciador relacional. A adoção de uma tecnologia de banco de dados relacional foi tímida até há pouco tempo. Nós acreditamos que no ArcInfo 8 vai haver muito mais interesse em utilizar bancos de dados para armazenar informação geográfica. O futuro da ESRI estará baseado em muitos produtos, incluindo ArcInfo, ArcView, ArcSDE, ArcIMS (Internet Map Server) e MapObjects.
InfoGEO – A versão 8 do ArcInfo introduziu um modelo de dados completamente novo, baseado em conceitos de orientação a objetos. Como você espera que os usuários atuais do ArcInfo vão reagir? Como eles migrarão para um ambiente mais complexo?
Maguire – O ArcInfo 8 trabalha tanto com o modelo de "coverages" já existente quanto com o novo modelo de banco de dados geográficos orientado a objetos. Mesmo os usuários das versões anteriores reagiram muito positivamente à introdução de um novo modelo de dados que aceita regras e relacionamentos, tipos de dados avançados (como curvas de verdade, elementos 3D e referências lineares) e customização fácil a partir de uma plataforma extensível. Existem ferramentas no software para migrar de um modelo para o outro. Alguns usuários vão continuar a trabalhar com o modelo de dados existente por muitos anos, outros vão migrar relativamente rápido, enquanto muitos novos usuários vão começar diretamente a trabalhar com o novo modelo.
InfoGEO – Atualmente, a ESRI tem um número muito grande de produtos, com uma porção relativamente grande de superposição (ArcView, ArcInfo, MapObjects, Atlas, ArcExplorer, SDE). Com o lançamento do ArcInfo 8, qual é o caminho para os produtos da ESRI? O que o usuário da ESRI pode esperar?
Maguire – A ESRI tem trabalhado nos últimos três anos na construção de uma nova arquitetura tecnológica baseada em objetos e componentes. Estes componentes serão usados para construir a próxima geração dos principais produtos da ESRI. O ArcInfo 8 e o ArcSDE 8, lançados simultaneamente em 1999, são os primeiros produtos construídos a partir desta arquitetura. Outros produtos construídos a partir desta arquitetura estarão sendo lançados em 2000. O que eu imagino para o futuro é que os usuários poderão fazer uma divisão consistente de trabalho entre todos os nossos principais produtos. No futuro você pode esperar ver mais produtos orientados a soluções e muitas ferramentas novas.
InfoGEO – No ArcInfo 8, a ESRI introduziu um módulo de geo-estatística. Quais são os seus planos nesta área? Que tipos de usuários vocês pretendem atingir? Vocês têm planos de introduzir ferramentas de análise como Estatística Espacial em versões futuras do ArcInfo?
Maguire – Muitos dos nosso usuários estão mudando seu foco de criação de banco de dados para análise e apoio à decisão. É natural, portanto, que eles estejam interessados em ferramentas para análise espacial e modelagem geo-estatística. Muitos anos atrás nós introduzimos ferramentas para análise espacial e modelagem 3D. Mais recentemente, lançamos o GeoStatistical Analyst com capacidade de análise exploratória de dados espaciais, análise de padrões de pontos e interpolação de superfícies usando geoestatística. Nós planejamos continuar a aperfeiçoar e estender as capacidades destas extensões no futuro. Existem muitos usuários destas ferramentas: de gerenciamento de recursos naturais, até exploração geológica, até geo-demografia para negócios e análise de padrões aplicada a crimes.
InfoGEO – O web server da ESRI atualmente é baseado em tecnologia raster (isto é, os dados selecionados são transformados em uma imagem GIF e são então enviados pela Web). Por outro lado, empresas como a Intergraph estão usando transferência de dados baseada em vetores (usando ferramentas como o ActiveCGM). Alguns usuários argumentam que a solução da ESRI resulta em tempos maiores de "downloading". O que a ESRI planeja fazer para melhorar a performance e a funcionalidade dos seus web servers?
Maguire – Um dos mitos do GIS na Internet é que soluções baseadas em vetores têm performances melhores do que soluções baseadas em imagens. Nossas análises mostram que na verdade em muitos casos a transferência de imagens é mais eficiente, especialmente no caso de mapas mais complexos. Sendo assim, eu acho que tanto imagens quanto vetores têm papéis a desempenhar. A solução para Internet da próxima geração de produtos ESRI, o ArcIMS 3, usa igualmente transferências de imagens e vetores filtradas através de um cliente Java inteligente. A transferência de imagens se encaixa bem em aplicações simples de Internet, com menores necessidades dos usuários e redes de largura de banda limitada. Por outro lado, a transferência de vetores muitas vezes é a solução escolhida para aplicações em Intranets com redes mais rápidas e usuários que precisam de ferramentas para redlining, edição, produção de mapas temáticos e análise. O ArcIMS 3 incorpora tecnologia desenvolvida especificamente para a Internet, de modo a aproveitar integralmente a capacidade de servidores multi-thread e arquiteturas baseadas na web. Seus protocolos eficientes para transferência de dados compactados vão maximizar o uso da largura de banda disponível.
InfoGEO – O uso de imagens tornou-se recentemente um "assunto do momento" em GIS, especialmente com o lançamento de satélites com sensores de alta-resolução. Como a ESRI vai reagir a essa tendência? Podemos esperar uma futura fusão entre ARC/INFO e ERDAS Imagine?
Maguire – O uso de imagens realmente tem importância crescente para usuários de GIS e sensoriamento remoto. O ArcInfo 8 e o ArcSDE 8 trabalham sem nenhum problema com vários formatos de imagens. Isto inclui o armazenamento de imagens em um banco de dados, projeção on-the-fly, transparência, e também um conjunto abrangente de ferramentas de análise. Muitas destas capacidades foram desenvolvidas em conjunto pela ESRI e pela ERDAS, nossos parceiros em análise de imagens. No futuro nós pretendemos trabalhar mais em conjunto para novos desenvolvimentos, mas cada empresa deve manter seu foco de ação como é hoje: ESRI = GIS; ERDAS = processamento de imagens.
InfoGEO – Em 97, no congresso GIS/LIS, Jack Dangermond disse que o mercado de GIS estava crescendo 25-40% a cada ano, com faturamento total de mais de um bilhão de dólares. E disse que, se o crescimento fosse como se esperava, mais de um milhão de pessoas estaria usando tecnologia GIS no ano 2.000. Você confirmaria estes números?
Maguire – Embora não haja dados oficiais sobre o tamanho do mercado de GIS em 1.999, pesquisas internas da ESRI indicam que há cerca de um milhão e meio de usuários hoje. O crescimento além do previsto em 1.997 se deve ao grande crescimento na Internet, que naquele ano era difícil de prever. Taxas ainda maiores de crescimento podem ser esperadas nos próximos anos à medida que os custos continuem a baixar, que os sistemas se tornem mais fáceis de usar, e que mais pessoas percebam o valor de se pensar geograficamente.
InfoGEO – Como a ESRI vê o mercado brasileiro? Quais são os seus planos para o Brasil?
Maguire – O mercado brasileiro é importante para a ESRI por causa do papel que a tecnologia pode desempenhar no gerenciamento de recursos naturais e na resolução de problemas sociais e econômicos importantes. Nos últimos anos uma sólida base de usuários e infra-estrutura de GIS foi construída no país. Com um espírito de compartilhamento e uma visão cooperativa, o GIS pode se difundir ainda mais. A ESRI continuará a investir no mercado brasileiro e a apoiar seus muitos clientes e amigos.
InfoGEO – Vários líderes do mercado de GIS (incluindo a ESRI) estão participando da iniciativa do OpenGIS para obtenção de padrões de interoperabilidade em GIS. Como a ESRI vê a iniciativa do OpenGIS? Existem planos na ESRI para apoiar as especificações do OpenGIS? Se sim, quando deverão estar disponíveis estes produtos?
Maguire – O OpenGIS é apenas uma dentre muitas iniciativas de estabelecimento de padrões de interoperabilidade em que a ESRI está envolvida atualmente. A ESRI é uma participante ativa das atividades do Open GIS Consortium (OGC) e foi o primeiro membro a desenvolver tecnologia compatível com os padrões da OGC. A versão com suporte aos padrões OGC do ArcSDE começou a ser vendida no começo de 1.999. À medida que novos padrões forem surgindo e que os usuários comecem a experimentá-los nós pretendemos continuar ampliando o suporte a padrões.
InfoGEO – A cartografia básica de uma cidade, com dados topográficos e cadastrais, deveria estar disponível gratuitamente para toda a população? Como isto funciona nos Estados Unidos?
Maguire – O tema da cobrança pelo acesso é complexo e está fora da área de atuação geral da ESRI. Nos Estados Unidos a Lei de Liberdade de Informação (Freedom of Information Act) exige que todos possam ter acesso a qualquer registro e informação (incluindo informação geográfica em um GIS). A regra geral é que dados do governo devem ser distribuídos apenas pelo custo da mídia. Isto contrasta bastante com a realidade de países europeus (principalmente na Grã-Bretanha), onde o governo tem uma política de cobrar pelo custo integral das informações fornecidas. Existem vantagens nos dois métodos: não é coincidência, por exemplo, que a Grã-Bretanha é o país mais bem mapeado do mundo.
InfoGEO – O que você diria para os usuários brasileiros que têm que conviver com uma grande falta de dados cartográficos e com uma cultura de informações espaciais como instrumento de planejamento muito frágil?
Maguire – Sejam pacientes e pró-ativos! Tentem aprender com a experiência da América do Norte, Europa, Austrália e Ásia, onde vários enfoques foram tentados e muitas lições foram aprendidas. Não cometam os mesmos erros que outros cometeram antes de vocês. A longo prazo, uma infra-estrutura de dados espaciais será muito importante para muitas das questões que a população brasileira enfrenta agora e terá que enfrentar no futuro. Enquanto isso, existem informações globais e regionais disponíveis, ainda que em quantidade relativamente pequena, que podem ser usadas para análises abrangentes, especialmente quando complementadas por informações locais.
InfoGEO – Qual é o futuro do GIS como um sistema independente?
Maguire – Sem dúvida, o GIS se tornou muito mais forte como resultado de uma integração maior com tecnologias e idéias que pertencem ao eixo principal do desenvolvimento tecnológico. O uso de ambientes padrão de desenvolvimento (por exemplo o Microsoft Visual Basic), padrões de componentes de software (por exemplo, Microsoft COM e JavaSoft Java Beans) e bancos de dados objeto-relacionais (por exemplo, Oracle, Informix, and DB2) revolucionou o GIS. Alguns comentaristas sugeriram que o GIS como uma entidade separada pode desaparecer. Eu não acredito que isso vá acontecer. O GIS como uma disciplina, uma tecnologia e uma ciência continua a ficar cada vez mais vivo. O GIS vai estar presente em mais tecnologias, de forma cada vez mais integrada, mas também vai crescer por si só. Existem paralelos interessantes entre sistemas de análises estatísticas e sistemas de gerenciamento de bancos de dados, sendo que ambos mantiveram sua independência por vários anos.
InfoGEO – Qual o passo mais importante para o GIS hoje: ficar mais fácil de usar, mais barato ou mais poderoso?
Maguire – Todas as três coisas são importantes para o futuro do GIS e felizmente elas não excluem uma a outra. O grande desafio agora é aumentar a facilidade de uso. Em certo sentido, isso torna o GIS mais acessível e mais poderoso. À medida em que o número de usuários continuar crescendo, o preço deve cair sensivelmente.
InfoGEO – O que a entrada da Microsoft no mercado de softwares de mapeamento, com o MapPoint 2000 representa para as empresas de GIS?
Maguire – O MapPoint 2000 é uma grande contribuição para o mercado de mapeamento, mas não é um GIS no sentido estrito do termo. Empresas como a Microsoft ainda usam GIS para construir e manter os bancos de dados incorporados em produtos como o MapPoint 2000. As iniciativas da Microsoft certamente vão estimular maior interesse pela informação geográfica e muitos usuários vão querer passar depois para sistemas mais poderosos.
InfoGEO – Você poderia citar os principais concorrentes da ESRI hoje? Quem pode "roubar" seus consumidores?
Maguire – A ESRI tem muitos concorrentes globais e locais. De maneira geral, nós gostamos de concorrência, porque ela exige de nós um contínuo esforço de inovação e nos força a pensar sempre no cliente. A lista de nossos principais concorrentes inclui a Intergraph na área militar e em mapeamento, a Smallworld em utilities, a MapInfo na área de desktop e a Autodesk no setor de engenharia.
Site da ESRI: www.esri.com
Colaboraram:
Gilberto Câmara (DPI/INPE) – Perguntas
Clodoveu Davis (Prodabel) – Perguntas e tradução