Por Mary Jo Wagner
Publicado originalmente no boletim informativo Offshore
Companhias de petróleo estão utilizando imagens de radar para encontrar jazidas no oceano. As informações obtidas com o satélite, somadas a outros dados, dão mais confiança para a atuação em águas profundas
Exploração de petróleo depende basicamente de confiança. Confiança de que certos blocos de perfuração foram escolhidos corretamente. E confiança de que foram escolhidos corretamente porque durante as investigações todas as evidências apontavam para estruturas com cargas de hidrocarbonetos.
Contudo, certeza em exploração em alto mar, particularmente em águas profundas, é difícil de se obter. A partir do momento em que as empresas começam a operar em profundidades de 2.000m, as convicções dos técnicos em estratégias sólidas e operações efetivas de perfuração começam a desaparecer lentamente. Mas, com a ajuda de dados de satélites, empresas de petróleo conseguiram readquirir o nível de confiança suficiente para jogarem o jogo das águas profundas.
Através da combinação de imagens de radar do satélite canadense Radarsat-1 com outras fontes de dados como gravimetria e batimetria obtidas a partir de satélites, companhias têm conseguido detectar claramente e mapear manchas naturais de óleo na superfície do oceano, e relacioná-las com estruturas subsuperficiais. Trata-se de um método de levantamento em alto mar que vem provando ser bastante efetivo em lugares como Angola, Nigéria, Brasil e Golfo do México.
"Qualquer metodologia ou informação complementar que ajude a minimizar nosso risco de exploração, especialmente em alto mar, é de grande valor", comenta Fernando Pellon de Miranda, geólogo senior do Centro de Excelência em Geoquímica da Petrobrás (CEGEQ). "Amostragem do tipo malha regular é dispendiosa e quase impossível de se trabalhar eficientemente em grandes bacias em alto mar. Tendo conhecimento prévio e indicações claras de exsudações naturais, permite-nos escolher estrategicamente áreas para amostragens de campo".
A era do radar
A indústria de óleo e gás baseou-se durante muito tempo em dados de satélites meteorológicos e ópticos, até que o início dos anos 90 trouxe os dados radar para a indústria e a lançou numa nova era de operação em explorações.
A eficácia da Banda C do Radar de Abertura Sintética (SAR) como uma ferramenta viável para localizar manchas de óleo na superfície tem sido provada em estudos desde 1992, quando a Agência Espacial Européia lançou o ERS-1 (Satélite de Sensoriamento Remoto Europeu). A funcionalidade dos sensores radar foi ampliada com o lançamento em 1995, pela Agência Espacial Canadense, do RADARSAT-1.
Além da disponibilidade da Banda C do Radar de Abertura Sintética (SAR), o Radarsat-1 oferece as companhias de petróleo vários ângulos de incidência (de 10 a 60 graus), tamanhos de cenas (2.500 a 250.000 km2) e resoluções de 8 a 100 metros. Além disso, a presença de um gravador de bordo permite cobertura total da superfície terrestre. A Radarsat Internacional, localizada em Richmond, no Canadá, é a distribuidora das imagens. No Brasil, a Threetek Ltda. é a única distribuidora e representante de produtos e serviços da Radarsat International.
Desde o início dos anos 70, imagens de satélites com sensores ópticos vinham sendo a principal fonte de dados para localização, identificação e mapeamento de estruturas geológicas costeiras. Mas os sensores ópticos provaram não ser uma ferramenta muito eficiente na identificação de manchas de óleo naturais por causa da impossibilidade de se adquirir imagens em condições de nebulosidade e a dificuldade de distinguir texturas da superfície oceânica.
Diferente dos sensores ópticos que usam comprimentos de onda no visível e infravermelho para coletar energia refletida da superfície terrestre, sensores tipo radar usam freqüências na região das microondas. Dessa maneira, não dependem dos raios solares e podem adquirir imagens com nebulosidade, nuvens e chuva, durante o dia ou à noite.
Os sensores radar transmitem um sinal de microondas para a superfície terrestre e medem o montante de energia que retorna para o satélite. O radar é muito sensível à rugosidade da superfície e pode distinguir diferenças texturais tanto em terra como na água pela medida da variação no sinal que retorna ao satélite.
No caso de manchas de óleo, a capilaridade das ondas do oceano é suprimida, criando uma superfície mais lisa quando comparada com a água ao redor. Superfícies lisas ou suaves tendem a refletir a energia de microondas em outras direções, fazendo com que o retorno ao sensor do satélite seja praticamente nulo.
O montante de redução do sinal de retorno varia com as propriedades físicas da mancha, particularmente viscosidade e elasticidade, sendo que este retorno fraco do sinal refletido pela mancha faz com que esta região apareça escura ou negra na imagem do radar.
Embora manchas de óleo possam ser apenas claramente identificadas em imagens de radar obtidas em condições atmosféricas (velocidade do vento) particulares, dados de radares a bordo de satélites vêm sendo a melhor ferramenta para aplicações em detecção de exsudação natural de óleo, comenta Nigel Press, presidente da Nigel Press Associates Limited (NPA), uma empresa especializada em aplicações de imagens de satélites há 25 anos.
"É fundamental o uso de imagens de radar para mapear manchas de óleo com sucesso", afirma Nigel. "Usando o Radarsat-1, que orbita a uma altitude de 798 km, nós temos identificado manchas menores que 100 metros de diâmetro em diversas condições climáticas como no frio e tempestuoso Atlântico Sul, e no quente e poluído Mar Mediterrâneo.
Nas Ilhas Falkland exemplos claros de afloramentos de hidrocarbonetos naturais com menos de 100 metros vêm sendo mapeados com imagens de radar. Estes trabalhos bem sucedidos aumentaram a confiança das companhias que começaram a investir em exploração em áreas onde antes haviam dúvidas sobre a presença de petróleo."
Foto-montagem apresentando o satélite e suas imagens.
Técnica de Determinação de Bacias em alto mar – Offshore Basin Screening (OBS)
Uma vez que uma área de interesse de uma companhia de óleo e gás é selecionada, os arquivos da Radarsat são pesquisados para determinar a disponibilidade de imagens para o local. Se não houver cenas adequadas disponíveis, o satélite é programado para adquirir o dado. Arquivos de dados geológicos estruturais, meteorológicos e gravimétricos são consultados para melhor escolher as datas de aquisição.
Tipicamente, duas a três aquisições de RADARSAT Wide 1 (W1), um modo de operação com 30m de resolução e cobertura nominal de 150km x 150km, são requeridos. As datas selecionadas são então checadas com dados de condições meteorológicas para garantir a conformidade da velocidade do vento para cada cena.
Depois de obtida, a imagem é processada para realçar contrastes do oceano e identificar anomalias. Baseados na forma, características do sinal de retorno e orientação das feições, cruzadas com temperatura da água, profundidade, velocidade do vento e localização geográfica, peritos em oceanografia classificam e padronizam cada feição, distinguindo manchas naturais de derramamentos de navios, poluição ou superfície lisa natural. As manchas são mapeadas mostrando sua localização e classificação.
Simultaneamente ao processo de interpretação de imagens, geólogos usam dados de batimetria do redor da área de interesse para confirmar e corrigir localmente os dados de gravimetria. O modelo de gravimetria local é utilizado em conjunto com outros dados geológicos auxiliares para criar uma representação em 3D da estrutura da bacia.
O mapa de distribuição das manchas classificadas é então sobreposto ao modelo de gravimetria para produzir o mapa detalhado da bacia, indicando as estruturas geológicas, o número de manchas naturais presentes e a localização das cargas de hidrocarbonetos.
Até o momento, o processo tem sido utilizado para fornecer a companhias de petróleo, em todo o mundo, condições plenas de detecção de exsudações naturais de óleo em diversas regiões tais como: Reino Unido, Vietnã, Austrália, Mar Cáspio, Golfo Pérsico, África do Sul, Brasil, Nigéria, Gabão, Zaire e Angola. Embora não exista diferença fundamental entre aplicar esta técnica perto da costa ou em águas profundas, Press diz que este método fornece informação competitiva a preços competitivos.
"Outra maneira de coletar informações geológicas em profundidades maiores do que 2.000m é através de um aerolevantamento. Geralmente neste tipo de levantamento, cada quilômetro linear voado custa cerca de US$ 20, e o resultado fornece apenas faixas descontínuas e estreitas de dados. Utilizando imagens Radarsat, a técnica OBS custa menos que US$ 1 por km². Além disso, o satélite fornece cobertura contínua e ampla. O satélite permite a obtenção de um conjunto realmente único de dados e um nível satisfatoriamente alto de confiança na precisão destes dados."
"Em Angola, por exemplo, onde estamos atualmente usando imagens Radarsat e técnica OBS para cobrir todas as regiões de águas profundas, podemos enxergar exsudações de hidrocarbonetos em profundidades de 4.000m", continua Press. "Não existe nenhuma maneira de companhias de petróleo obterem informação geológica ampla e consistente daquela área com métodos tradicionais. A perfuração com amostragem é muito difícil e somente a perfuração certamente não é a opção por causa dos elevados custos de operação. Assim, é necessário o estudo e análise da superfície da água. Hoje, podemos indicar às companhias de petróleo áreas do oceano onde elas têm uma grande chance de obter amostragens de campo (a bordo de barcos) das exsudações e serem capazes de identificar o tipo de hidrocarbonetos através de cromatografia de gases."
Sobreposição de dados para criar uma representação em 3D da estrutura da bacia.
A experiência brasileira
Os altos custos e a dificuldade de se estudar adequadamente o fundo de uma bacia de águas profundas através de meios convencionais foram os fatores que motivaram a Petrobrás a desenvolver uma metodologia própria utilizando imagens de satélite para localizar áreas potenciais de exsudações naturais de hidrocarbonetos, comenta Miranda.
"Tradicionalmente, companhias de petróleo usam dados sísmicos para descobrir informações sobre a estrutura geológica de uma bacia. Porém, estudos de dados sísmicos não mostram nem as condições superficiais nem os componentes do fundo do mar. Além disso, em alto mar, o uso apenas da malha (grid) regular para amostragem geoquímica do fundo da bacia simplesmente não é possível em função dos altos custos. Imagens Radarsat ajudam a fornecer dados confiáveis e de baixo custo sobre a superfície oceânica, podendo auxiliar na localização de exsudações naturais de óleo", afirma Miranda.
Apesar de possuir experiência em aplicações de sensoriamento remoto em suas operações de exploração em terra, a Petrobrás está agora ampliando esta aplicação para exploração em alto mar. A cobaia é a foz do Rio Amazonas, especificamente no alto mar dos estados do Pará e Amapá na região norte do Brasil. Como o processamento e a interpretação das imagens de radar é um dos elementos chave para identificar com sucesso a presença ou ausência de uma fonte ativa de petróleo, Miranda e sua equipe desenvolveram uma metodologia operacional de interpretação de imagens, que lhes permite localizar superfícies oceânicas de texturas lisas e determinar as potenciais manchas naturais de óleo.
Para investigar a porção oceânica do Pará e Amapá, uma combinação de imagens Radarsat Scansar Wide 1 e Scansar Narrow 1 um modo de imageamento que cobre uma área nominal de 300km x 300km, com uma resolução de 50m foi adquirida durante um período de um ano. A abordagem multitemporal é necessária para estudar os padrões de distribuição de anomalias e para determinar se uma feição é realmente uma mancha de óleo produzida por uma carga natural de hidrocarbonetos.
A equipe da Petrobrás processou as imagens de radar com um algoritmo de classificação textural semi-variogramétrico para destacar as feições da superfície do oceano. O algoritmo é um classificador determinístico que fornece a opção de combinar as informações texturais com as radiométricas para delinear automaticamente áreas superficiais de texturas lisas, rugosas ou intermediárias. As anomalias de superfícies lisas foram então selecionadas e isoladas para posterior interpretação. As imagens interpretadas foram comparadas com dados geológicos e geofísicos auxiliares para integrar os elementos texturais no contexto tectônico e estratigráfico de bacias sedimentares. Esta informação detalhada serve de auxílio para amostragens geoquímicas posteriores.
"A metodologia provou ser eficiente", diz Miranda. Centenas de áreas relacionadas a texturas lisas/suaves foram detectadas no litoral do Pará e Amapá. Cerca de 12 destas áreas foram mais tarde determinadas como potenciais fontes naturais de óleo.
"Os resultados do estudo são extremamente valiosos," conclui Miranda. "Não apenas provaram que a metodologia funciona, mas nos forneceram meios para planejar nossas estratégias de amostragem com mais eficiência. Interpretando antecipadamente uma imagem, nós podemos otimizar nossa atividade de coleta de dados, em função da imagem indicar onde devemos centrar nossos esforços de exploração. Não precisamos mais entrar em bacias de alto-mar às cegas."
Realmente, dados de satélites com radares podem ajudar companhias de petróleo a ver o mais importante elemento no processo de exploração: a estrutura geológica da bacia. Somados a dados sísmicos, de gravimetria e batimetria, imagens de radar oferecem um valioso suporte para tomadores de decisão na área de exploração para planejar estratégias de operação mais eficientes. E com o crescimento astronômico do poder da informática, avanços tecnológicos dos satélites na obtenção de dados altimétricos e gradiente gravimétrico, além das demais capacidades dos dados de satélites com radares, companhias de petróleo podem encontrar as ferramentas e a confiança necessária para vencer o jogo das águas profundas.
Mary Jo Wagner é jornalista especializada em sensoriamento remoto, GPS e GIS.
O distribuidor Radarsat no Brasil é a Threetek.
Fone: (21) 524-0207, e-mail: tteksuporte@threetek.com.br