Aristóteles (384-322 a.C.), em seu papiro “Sobre os Céus”, afirmava que a forma da Terra deveria ser esférica. Eratóstones (276-194 a.C.), um século mais tarde, resolveu confirmar. Ele era bibliotecário-chefe da famosa biblioteca de Alexandria e foi lá que encontrou, no velho papiro de Aristóteles, indicações de que ao meio-dia de cada 21 de junho na cidade de Syene, 800 quilômetros ao sul de Alexandria, um gnômon (relógio solar), que nada mais era do que uma simples vareta fincada verticalmente no solo, não produzia sombra. Ele percebeu que o mesmo fenômeno não ocorria no mesmo dia e horário em Alexandria. Resolveu montar, também, um gnômon e, ao meio-dia em Alexandria, quando o Sol estava no seu ponto mais alto, ele mediu o ângulo da sombra que a vara projetava. Comparou com a distância entre as duas cidades e chegou à conclusão de que a Terra era – realmente – redonda. E mais, conseguiu calcular, com uma precisão muito boa, o diâmetro da Terra.

Sendo a superfície do planeta redonda, é necessário tomar alguns cuidados ao se trabalhar com imageamento terrestre. As imagens orbitais e as fotografias aéreas são obtidas a uma altura que, quando se projeta esses produtos numa superfície plana (para se confeccionar um mapa), surgem distorções, os famosos erros de paralaxe. E o que fazer?


Câmeras aerofotográficas ou aerofotogramétricas?

Considerando um imageamento realizado por uma plataforma aérea, muitas pessoas se confundem quando querem solicitar um sobrevoo de uma área. Quando planejar algo assim, primeiro defina seu objetivo: qual a escala que pretendo trabalhar? Quero confeccionar um mapa temático ou uma carta topográfica? Responder a estas duas questões é muito importante pois permitirá que se defina o produto a ser solicitado e posteriormente o custo do projeto.

Uma câmera aerofotográfica é um sensor a bordo de uma aeronave que tira fotografias aéreas, mas não possui precisão métrica. Ou seja, apenas permite medições para confecção de mapas temáticos, de escalas pequenas. Já uma câmera aerofotogramétrica possui um sistema de estabilização, rigorosa calibração e uma precisão muito acurada, que permite a confecção de cartas topográficas detalhadas, em escalas grandes.


Restituição aerofotogramétrica

Após definido o sensor, o que fazer para corrigir as distorções decorrentes da curvatura da Terra? Aplicar o processo de restituição aerofotogramétrica.

Pode-se definir aerofotogrametria como a ciência e a tecnologia de obter informações seguras acerca de objetos físicos e do meio, através de processos de registro, medição e interpretação de imagens aerofotográficas. E restituição?

Restituição, na sua origem, significa a “reconstrução” do terreno. Chama-se restituição aerofotogramétrica ao processo de transferência dos elementos da imagem fotográfica para um original de restituição sob a forma de vetores. Isso é feito a partir de fotografias aéreas métricas e de dados de campo de controle geodésico.


Par estereoscópico

Para que se possa realizar a restituição aerofotogramétrica, é necessário que fotografias aéreas sejam obtidas de forma sequencial e com superposição longitudinal e lateral, de forma que se permita uma visão estereoscópica em toda a região de interesse imageada.

Antes do advento das imagens digitais e procedimentos computacionais por meio de softwares, para se realizar a restituição aerofotogramétrica era necessária a utilização de aparelhos restituidores, que permitiam ao técnico em aerofotogrametria enxergar a fusão das duas fotografias superpostas (longitudinal ou lateralmente) e, por meio da fotointerpretação topográfica, desenhar as formas do relevo em um pedaço de papel, dando início, assim, aos contornos das cartas topográficas.

Hoje, com suporte da tecnologia, a aerofotogrametria é realizada por meio de softwares específicos que permitem a visão estereoscópica e a vetorização planimétrica e altimétrica do terreno, digitalmente.


Restituidores

A Aerofotogrametria e o Exército Brasileiro

O Exército Brasileiro, pioneiro na confecção de mapas no Brasil, realiza trabalhos cartográficos utilizando-se de aerofotogrametria há muito tempo. Na década de 1920, com a chegada da Missão Cartográfica Austríaca, contratada para organizar o Serviço Geográfico do Exército, o país começou a trabalhar com técnicas fotogramétricas, de desenho cartográfico e de impressão off-set.

Porém, antes disso, em 1903 foi criada a Comissão da Carta Geral do Brasil, em
Porto Alegre (RS), para dar início ao projeto “A Carta do Brasil”, apresentado em 1900 pelo Estado-Maior do Exército como o primeiro projeto de caráter sistemático para a cartografia terrestre.

Em 1932 foi realizada a fusão do Serviço Geográfico Militar, sediado no Rio de
Janeiro, e a Comissão da Carta Geral do Brasil, sediada em Porto Alegre, constituindo o novo Serviço Geográfico do Exército.

Em 1936 foi instalado o Instituto Nacional de Estatística (futuro IBGE), dando início ao processo de fusão das atividades estatísticas e cartográficas no país. Afinal, o sucesso dos levantamentos estatísticos dependia da existência de documentos cartográficos confiáveis.

Duas décadas após a missão austríaca, entre 1942 e 1943, foi realizado o primeiro levantamento aerofotogramétrico no Brasil, pela Força Aérea dos Estados Unidos, com a tecnologia Trimetrogon, em parceria com o Exército. O produto dessa missão foi utilizado pelo IBGE (então Conselho Nacional de Geografia) para mapeamento, por compilação, na escala 1:1.000.000.

Hoje o Exército, por meio da Diretoria do Serviço Geográfico (DSG), tem seu processo de confecção de cartas topográficas completamente automatizado e digitalizado e, ao lado do IBGE, é o grande responsável pela base cartográfica nacional.

A DSG é o órgão de apoio do Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) do Exército, para os assuntos ligados à cartografia. À DSG são subordinados o Centro de Imagens e Informações Geográficas do Exército (CIGEx), localizado em Brasília (DF), e quatro Divisões de Levantamento (DL), quais sejam, 1ª DL em Porto Alegre (RS), 3ª DL em Olinda (PE), 4ª DL em Manaus (AM) e 5ª DL no Rio de Janeiro (RJ).

Esses órgãos têm a atribuição de elaborar e suprir as Organizações Militares do Exército com produtos cartográficos e apoiar os sistemas de guerra eletrônica, armas inteligentes, jogos de guerra e simuladores, com dados digitais atualizados do terreno. Podem realizar, ainda, a medição de áreas patrimoniais da união jurisdicionadas ao Exército, e a demarcação de áreas de interesse, aí incluídas terras indígenas e as destinadas ao assentamento de famílias na reforma agrária, mediante convênio com os demais ministérios.

O CIGEx e as Divisões de Levantamento fazem, ainda, a atualização de cartas, valendo-se de imagens de sensores remotos orbitais (Landsat, Spot, Ikonos, QuickBird, etc.) e aerotransportados, empregando equipamentos atualizados e moderna tecnologia, incluindo a aerofotogrametria.

Verifica-se que a DSG vem participando da cartografia do país há mais de um século, sendo responsável pelo mapeamento sistemático terrestre nas escalas de 1:250.000 e maiores, e o IBGE nas escalas 1:500.000 e menores.

Cartografia no Exército <

A Terra é redonda!

“A Terra é azul!”, disse o russo Yuri Gagarin quando contemplou, em 1961, o globo de que saíra sua pequena cápsula, tornando-se o primeiro homem a fazer um voo orbital. E que frase! Tão simples e perfeita. Mas bem que ele poderia ter dito “a Terra é redonda!”.

Certamente os cientistas e as pessoas informadas já tinham ideia de que a Terra, vista do espaço, era azul. Assim como sabiam que era redonda. Mas era preciso mais. Era preciso a testemunha ocular. E Yuri testemunhou. De fato, ela era azul e redonda, mesmo não tendo dito!


Para saber mais

• Livro “Fotografias Aéreas Inclinadas”, de Attilio Disperati.
• Livro “Elementos Básicos da Fotogrametria e sua Utilização Prática”, de Carlos Loch e Édis Lapolli.
• Livro “Geoprocessamento: Tecnologia Transdisciplinar”, de Cézar Rocha.
• Manual “Noções Básicas de Cartografia”. Manuais técnicos em geociências, número 8, do IBGE.


Ivan Carlos Soares de Oliveira
Tenente-Coronel do Exército
ivan@unb.br