Mais tradicional evento na área de Geotecnologias no mundo se preocupa com a democratização da Geoinformação
Por Dirley Schimidlin
De 16 a 23 de julho deste ano, tive a oportunidade de participar do XIX Congresso da ISPRS (International Society of Photogrametry and Remote Sensing), evento realizado de 4 em 4 anos, considerado a "Copa do Mundo" da área de Fotogrametria e Sensoriamento Remoto. Este ano o congresso ocorreu no Centro de Convenções RAI, em Amsterdam, Holanda, e foi organizado pela NSEOG (Netherlands Society for Earth Observation and Geoinformatics). O próximo será em Istambul – Turquia, em 2004.
Tradicionalmente o evento estendia-se durante duas semanas, o que foi alterado este ano para concentrar em uma só semana as mais de 1000 apresentações (orais e painéis) de trabalhos práticos e científicos e a exposição (ISPRS 2000 Exhibition). A idéia de um evento mais compacto surgiu da necessidade de um maior contato pessoal entre participantes e expositores e também da vantagem de estarem todos no mesmo local e no mesmo período.
Nas boas vindas do comitê de organização (publicado no jornal diário do evento – ISPRS daily – GITC bv) Klaas Jan Beek, Diretor do Congresso, comentou de forma peculiar o tema do desse evento "Geoinformation for All" (Geoinformação para Todos): "o que nós realmente gostaríamos de discutir: num futuro próximo queremos viver num só mundo ou em vários, onde os benefícios de uma nova era de informações e tecnologias não poderão ser igualmente compartilhados pelas mesmas razões as quais levaram às muitas desigualdades existentes atualmente? Podem as novas tecnologias de informações contribuírem para soluções rápidas em países menos desenvolvidos no sentido de superar alguns dos obstáculos que países mais ricos já eliminaram à custos consideráveis, supondo que as informações geoespaciais desempenham um papel crucial em todos os processos de desenvolvimento?"
A sessão plenária de abertura contou com a participação de Ismael Serageldin, que como Vice Presidente do Banco Mundial para Programas Especiais presidiu o CGIAR (Grupo de Consultores Internacionais para Pesquisa Agrícola) e hoje preside a Cooperação Mundial da Água e a Comissão Mundial sobre Água para o Século 21.
Ainda na sessão de abertura, K. Kasturirangan, diretor da ISRO – Indian Space Research Organization, Jack Dangermond, presidente da ESRI e He Changchui, responsável pela unidade de Sensoriamento Remoto da FAO, comentaram sobre o tema do congresso.
As três autoridades no assunto geoinformação, discorreram a partir de seus diferentes ângulos profissionais, enfocando a disponibilidade, acessibilidade, benefícios, entendimento, utilidade e viabilidade econômica da geoinformação nos próximos anos.
O Congresso abordou um número considerável de tópicos que variaram desde assuntos mais voltados às aplicações da tecnologia como Manejo Sustentado de Recursos Hidrológicos e Monitoramento de Áreas Urbanas até temas ligados à desenvolvimento tecnológico de ponta como Perspectivas de Plataformas e Sensores para Necessidades de Geoinformação, Sensores Hiperspectrais e Automação em Sistemas Digitais para Fotogrametria e Sensoriamento Remoto.
O grande crescimento verificado em novas áreas focadas em informações espaciais para aplicações não geográficas foi marcante no congresso. Este campo vem atraindo um número crescente de profissionais e áreas de aplicações novas para a ISPRS. Estas novas técnicas envolvem animação e realidade virtual somadas às aplicações emergentes de fotogrametria que abrangem temas como medicina, arquitetura e arqueologia.
A Exposição (ISPRS 2000 Exhibition) contou com a participação de cerca de 70 empresas e instituições de 20 países, que dividiram uma área de 2000 m2.
Sem dúvida, a automação de processos em fotogrametria e sensoriamento remoto é o campo mais explorado nos desenvolvimentos tecnológicos relacionados à área. Automação hoje está voltada basicamente para extração automática de feições e interpretação de imagens a partir de reconhecimento automático de padrões. Inclusive a empresa Delphi2 Creative Technologies (Alemanha) apresentou um software muito avançado chamado eCognition, voltado para classificação digital de imagens levando em consideração os objetos e suas relações naturais.
Porém, os processos de automação possuem como requisito básico a disponibilidade de imagens digitais. Hoje quando pensamos no sensoriamento remoto, onde a geração dos dados é inteiramente em ambiente digital, imaginamos os satélites de alta resolução, como o Ikonos, os novos satélites de recursos naturais como Landsat ETM 7, Spot 4 e brevemente o 5 ou Radarsat, prevendo o lançamento do segundo satélite, agora com duas bandas. E quando pensamos fotogrametria temos as câmeras aéreas analógicas e os scanners fotogramétricos usados na conversão dos dados para o formato digital. O grande avanço tecnológico nesta área está relacionado ao desenvolvimento das câmeras fotogramétricas digitais que começaram a ser divulgadas ao público neste congresso, pelas duas principais empresas nesse campo hoje: LH Systems e Z/I Imaging. Outros assuntos emergentes em fotogrametria e sensoriamento remoto que apresentaram resultados surpreendentes no congresso foram os sistemas Laser e Radares.
Discorrendo sobre o assunto "sistemas automatizados" no ISPRS daily (GITC bv), Christian Heipke, da Universidade de Hanover, coloca o seguinte: "A VISÃO é que seu mosaico ortorretificado de imagens estará pronto na hora em que a aeronave estiver pousando a salvo no aeroporto". Ele comenta ainda que "todos sabemos da diferença que existe entre uma visão e a realidade, mas os próximos anos da aquisição e processamento de dados serão extremamente excitantes".
Imagens orbitais de alta resolução
Mudanças na legislação norte-americana em 1992 e 1994 possibilitaram ao setor privado iniciar a construção e operação de sistemas orbitais de sensoriamento remoto equipados com sensores de alta resolução.
Após as frustrações com as falhas dos satélites Earlybird (EarthWatch) e Ikonos-1 (SpaceImaging), o primeiro sensor está em pleno funcionamento a bordo do Ikonos-2, lançado com sucesso em setembro de 1999, fornecendo imagens com 1 metro de resolução espacial. Pode-se imaginar o quanto estas imagens estavam em alta nas "passarelas e bastidores" do congresso.
No entanto, o que se percebe é que a "corrida" está apenas começando. Outros grupos de empresas já possuem inclusive lançamentos programados. É o caso das empresas OrbImage e EarthWatch, programadas para lançarem os satélites OrbView-3 e Quickbird (ambos de alta resolução) ainda este ano. Além disso, a West Indian Space está em fase final de construção e testes dos satélites da série Eros e na Europa empresas como a Matra Marconi Space (França) e RapidEye (Alemanha) também estão planejando desenvolver seus sistemas.
Estação móvel recebe dados do satélite nos fundos do pavilhão do evento.
Além das características próprias dos sensores tais como alta resolução espacial, geração de imagens pancromáticas e multiespectrais simultaneamente e possibilidade de geração de modelos digitais de terreno, um aspecto relevante e bastante comentado foi a disponibilização dos dados. Como cada programa possui mais de um satélite planejado para orbitar ao redor da Terra, espera-se um alto índice no período de revisita, a ponto de possibilitar uma tentativa de imageamento de uma área específica a cada dois ou três dias.
Em termos de mercado o que espera-se é o crescimento exponencial das aplicações destes produtos, o aumento da oferta e qualidade dos dados, facilidades na comercialização e disponibilização das imagens utilizando a Internet. Estes fatos proporcionarão a crescente popularização da tecnologia levando ao aumento da demanda e diminuição nos custos do dado bruto.
Ortofotos digitais em detalhe
Fato interessante ocorrido durante o congresso foi a captura de uma imagem do Spot 4 utilizando a Estação de Recepção Móvel (Mobile Ground Station) desenvolvida e colocada em operação pela NLR – Dutch National Air & Space Laboratory e denominada RAPIDS (Real-time Acquisition and Processing Integrated Data System). A Estação montada sobre um trailer foi colocada nos fundos do Centro de Convenções RAI para receber dados do satélite e transmitir diretamente para uma unidade de processamento instalada num veículo ao lado. Apesar das condições climáticas desfavoráveis para imageamento, praticamente durante todo o evento, a demonstração foi válida pela simplicidade e operacionalidade do sistema, principalmente por terem todos os procedimentos sido baseados em plataformas PC. Certamente pode ser uma idéia a ser adotada por empresas que manipulam grandes volumes de dados anualmente em processos de monitoramento.
Pelo que pude sentir durante minha participação neste evento, tenho certeza que os maiores desenvolvimentos tecnológicos atualmente giram em torno de ortofotocartas digitais. Um exemplo disto foram os avanços na automação de processos como geração de Modelos Digitais de Terreno e Orto-retificação de Imagens apresentados por diversos sistemas Desktop, baseados em micro-computadores PC. Novidades interessantes apresentadas por vários países foram relativas à diversidade de novos produtos e aplicações tais como: integração e sobreposição de temas sobre ortofotos, visualização de imagens orto-retificadas em 3D e geração de ortofotos livres do efeito de inclinação (True Orthophotos) causado pela altura das edificações.
Posso afirmar ainda que estamos tão desenvolvidos quanto qualquer outro país no que diz respeito à ortofotocartas digitais. Tenho utilizado esta ferramenta em diversos projetos, em várias escalas e para finalidades distintas. Tanto a qualidade técnica como visual das ortofotocartas produzidas no Brasil (por empresas idôneas é claro) pode ser comparada com qualquer produto semelhante apresentado na Exposição – ISPRS 2000.
Participação na ISPRS
No evento apresentei trabalho na sessão pôster denominado "The Use of Remote Sensing in Determination of the Impermeable Soil Growth in the Belém River Basin Area". O assunto deste trabalho está relacionado à determinação do crescimento da impermeabilização do solo urbano com aplicação de análises multitemporais utilizando-se técnicas de sensoriamento remoto, visando dar subsídios à prevenção de enchentes.
Dirley apresentou um painel sobre a utilização de sensoriamento remoto no combate à enchente.
Dirley Schmidlin é engenheiro agrônomo, mestre em Interpretação de Imagens e Cartografia de Solos pela UFPR, responsável pelo Sensoriamento Remoto Orbital na Engefoto Engenharia e Aerolevantamentos (PR). e-mail: engefoto@sul.com.br