Como é que podemos relacionar as realidades municipais, seus governos, administração e atendimento ao cidadão?

São quase 6 anos desde que me mudei do Brasil para os Estados Unidos e durante esse período, tive a oportunidade de residir em 3 municípios completamente diferentes em tamanho, geografia e estilo de vida. Inicialmente, pensei que me encontrava num lugar diferente, tão desenvolvido, etc., após esse período, creio que tudo é bastante similar, com as três diferenças principais: fala-se inglês, a situação econômica é estável e a moeda é o dólar. Concentrando-se então nas similaridades, como é que podemos relacionar as realidades municipais, seus governos, administração e atendimento ao cidadão?

Como, apesar de passar a residir neste país, eu nunca deixei de trabalhar com municipalidades, para mim foi uma lição enorme ver que a realidade brasileira não é tão diferente. Municípios grandes ou pequenos, com muitos ou com poucos recursos, muito ou pouco endividados, todos tem que lidar com propriedades (e proprietários), arruamentos, mobiliário urbano, parques e praças, escolas, hospitais, impostos. Direta ou indiretamente estaremos atuando com os problemas de água e esgoto, iluminação pública e telefonia , através de coordenação geral. Integração com outras entidades e política pública são atividades vitais para nossa sobrevivência em qualquer lugar do planeta.

Mas como fazer quando não contamos com ferramentas de informações eficientes para administrar? As alternativas de soluções são várias, realmente infinitas, desde as mais simplificadas até as mais complexas e poderosas. E porque não mencionar falta de recursos financeiros e algumas vezes até técnico-administrativos? Ainda fica a necessidade de saber o que existe implantado no campo, estado de conservação, localização da população carente, deste ou daquele equipamento, etc. Também necessitamos ter um completo controle dos serviços oferecidos pela prefeitura, qualidade e acesso. Será que essas informações não deveriam ser de mais fácil acesso à população (pelo menos saber para onde se dirigir em caso de necessidade) e também aos nossos próprios funcionários? Será que necessitamos mencionar a "velocidade" com que alguns processos são conduzidos devido a falta (ou dificuldade) de acesso à informação?

Na semana passada estive visitando três prefeituras que me fizeram lembrar (com detalhes) as várias situações comuns no Brasil assim como as encontrei aqui: departamentos que concordam que algo deve ser feito (e rápido), pois essa é uma exigência dos tempos modernos e da necessidade de se produzir resultados em um tempo aceitável; departamentos que concordam com o que descrevi anteriormente, mas que não vêem possibilidade de "trabalharem juntos", como uma equipe, na busca de uma solução corporativa e outros que sequer vêem a necessidade de fazer nada, pois consideram que tudo vai muito bem da maneira que está (e todos dependendo de "mim").

O que fazer diante dessas circunstâncias? Bem, posso dizer com tranqüilidade que em qualquer municipalidade, grande ou pequena, mais ou menos desenvolvida, nós vamos encontrar o "champion", aquele indivíduo que não consegue se conformar com as coisas como estão, que lê jornais e revistas, que assiste o noticiário e acompanha o desenvolvimento tecnológico. Aquela pessoa que gostaria de aplicar todas essas ferramentas no seu trabalho, que não consegue aceitar o fato de que pode demorar até duas semanas para se obter uma informação que, ao seu ver, é corriqueira e deveria ser de domínio geral numa prefeitura. São essas pessoas que vão produzir a energia necessária para buscar uma solução. É sabido que existem barreiras financeiras, mas barreiras técnicas certamente não deveriam ser o problema; a vontade de se encontrar resultados é bem mais importante. Soluções mais genéricas, menos custosas para começar, iniciando a transformação. Com o passar do tempo e o processo de reeducação do funcionalismo, o novo dia-a-dia tomando conta e gerando uma nova rotina, farão com que a inércia seja vencida e o entusiasmo prevaleça. Neste ponto, estaremos prontos para iniciar uma nova fase da implementação de um novo futuro. Isto não significa que um projeto de integração já não deva estar em andamento. Alias, a visão global e integrada de onde se pretende chegar é fundamental. Afortunadamente, de um modo geral, os novos prefeitos estão se interessando mais e mais por ferramentas que lhe permitirão executar melhor o seu mandato e deixar o seu nome marcado positivamente no futuro daquela cidade.

Um outro ponto que eu gostaria de destacar aqui é sutil mas fundamental mudança que o conceito de GIS Geographic Information Systems (ou SIG Sistemas de Informações Geográficas) sofreu ao longo dos últimos tempos. Quando iniciou, o GIS passou a ser propagandeado como, de repente, o centro do universo: "uma imagem vale mais do que mil palavras". Isso ainda é realidade para a parte gráfica, mas não mais quando se tratam de negócios e fluxos de trabalho. E é isso que uma prefeitura é, uma entidade pública que administra esta grande empresa cujos acionários majoritários são a população. Agora, o GIS perdeu o status de "tecnologia especial" para passar a ser uma ferramenta de apoio que deve adotar os padrões estabelecidos para as funções de negócios assim como quaisquer outras aplicações e não ao contrário, sem mencionar que ele deve ser parte de uma aplicação que fará uso dele sempre que necessário e somente quando necessário.
As soluções para cada município são potencialmente diferentes, considerando que cada um possui as suas particularidades. Porém, elas têm muito em comum, pois os problemas gerais são os mesmos. O mais importante mesmo é a participação geral coordenada, porém sem que se gere uma expectativa muito grande, e antes da hora. Também é muito importante não perder de vista os tipos de usuários que iremos encontrar durante a nossa empreitada: nem todos são totalmente técnicos, boa parte dos funcionários públicos tem algum conhecimento técnico porém necessitam de informações que podem ou não ser técnicas; e um terceiro grupo que só gostaria de consultar informações que hoje, são privilégios de alguns. Sei que parece utopia, mas posso dizer que não é. Hoje é possível visitar cidades pelo mundo com esse tipo de perfil e até outros tipos de negócios no Brasil, que não se enquadram como "prefeituras" pois tem outro tipo de atuação, mas que gerenciam seus negócios com muita eficiência e apoio tecnológico.

Existe mais um último ponto para o qual eu gostaria de chamar a atenção neste primeiro contato, que seria a organização da informação. Segundo o Grupo Gartner (e eu tenho a dizer que concordo), "Cerca de 65% do desafio da implementação de um Sistema de Gerenciamento de Documentos Integrados está associado a pessoas, práticas de gerenciamento, processos de negócios e fluxo de processos e informações 35% é integração tecnológica". Não se assustem pelas palavras acima, pode ser mais um problema de má tradução (minhas desculpas), mas o fato permanece: é cada vez mais importante que se entenda o negocio e as práticas de gerenciamento que estão em funcionamento para se obter um claro entendimento de onde são necessárias mudanças. Também é fundamental o desenvolvimento de uma estratégia geral e a criação de um programa para o mapeamento das práticas, revisitando e reorganizando os negócios e fluxos de informação. Após essa reclassificação, então o desenvolvimento de novas regras de negócios, através de políticas e padrões, eliminando-se, assim, todas as redundâncias. Ao lerem este artigo, muitos de vocês estarão pensando em quantas coisas e fatos são parecidos, em como as realidades não são tão diferentes, ao final das contas. Existem vários nomes para um mesmo fato, mas ninguém poderá jamais tirar o mérito contido no "conhecimento" da nossa realidade: reengenharia, reclassificação, reorganização, eliminação de redundâncias, tenha o nome que tiver, o importante é atualizar os processos e principalmente, o encaminhamento destes. Ainda posso lembrar da quantidade de processos que vinham as nossas mãos porque há 25 anos as coisas eram assim… Já é tempo de mudar algumas coisas. Se a automatização não é possível no momento por "n" motivos, pelo menos o "conhecimento" sobre a organização o é, e admitir que o bom andamento de processos estejam atrelados a pessoas ou procedimentos antigos. Cabe aqui uma correção de última hora, onde eu deveria dizer que o clássico ditado popular "o que funciona deve permanecer como está" muitas vezes pode ser o caso, então não vamos simplesmente jogar tudo para cima porque a única coisa que seguramente se irá alcançar será o caos. O melhor mesmo é agir com cautela, escolher alguns dos processos principais, iniciando por um ou dois departamentos e seguindo-os até o final. O modelo se expandirá para outros processos e a médio prazo. Documentar de maneira clara é fundamental também…
… e não fiquem preocupados, para aqueles que pensam que eu perdi "o fio da meada" em termos de GIS, mas a verdade é que "tem mais sucesso aquele que sabe o que tem, aonde está, como está e para que serve", nem que seja em papel. Este é o passo fundamental e a integração estará a um passo daqui. Vocês ficarão surpresos em ver como tudo está relacionado e o grau de interligação (ou não) que cada uma das atividades tem com o espaço geográfico. Como disse anteriormente, serão os fluxos de negócios que gerarão a necessidade de visualização geográfica e não o contrário. Passou o tempo, mudou-se a visão e tenho certeza de que não foi só aqui.

Mara Arno é Engenheira Cartógrafa, Mestre em Geodésia e Especialista em Sistemas de Informações e GIS. Já trabalhou no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, foi consultora do BID na América Latina e atualmente trabalha para a Autodesk Inc., em Boston, USA. marno@mediaone.net