por Jansle Vieira Rocha e Rubens Augusto Camargo Lamparelli
As transformações, as dificuldades e o amadurecimento do uso de Geo no setor agrícola
Como diversos outros temas de momento, e que envolvem novos conceitos e/ou tecnologias, a agricultura de precisão também passou por algumas fases, que variam da euforia inicial à constatação de que muito ainda deve ser estudado sobre o assunto.
No Brasil é possível detectar algumas destas fases. Inicialmente a vedete do assunto era o GPS, e muita gente imediatamente associava a agricultura de precisão ao GPS. Felizmente essa fase durou pouco. A fase seguinte foi a dos mapas de variabilidade espacial da produtividade, surgiram dezenas de mapas deste tipo, cada um querendo ser o primeiro ou estar entre os primeiros feitos no Brasil. Esta fase durou um pouco mais, até se constatar que, embora forneça dados e indicadores importantes, a variabilidade espacial da produtividade, por si só, não pode ser chamada de agricultura de precisão. Passamos à fase seguinte, a da coleta frenética de qualquer dado/informação que pudesse, de alguma maneira, estar associado à variabilidade da produtividade. Montaram-se experimentos, "grids" de amostragem de solos, mapeou-se com GPS toda e qualquer alteração observável no campo, desde infestação por plantas daninhas até o rastro de coelhos (sério, isso não aconteceu no Brasil, mas na Inglaterra), que pudesse influenciar na produção. Esta fase ainda se encontra em andamento, mas uma nova fase já teve início: o que fazer com tantos dados/informações e mapas???
Ironias à parte, diversas empresas, produtores e grupos de pesquisa investiram recursos e esforços para saber mais sobre a variabilidade espacial dos muitos parâmetros que podem influenciar a produção de uma cultura. Diferentes áreas e culturas têm sido monitoradas nos últimos anos, uma quantidade enorme de dados foi coletada e se encontra em análise. Entender e modelar a variabilidade espacial da produtividade das culturas, das propriedades do solo e de qualquer outro parâmetro que possa estar correlacionado com a produtividade é uma das etapas mais importantes para se estabelecer um processo de gerenciamento localizado de insumos. É a hora da geoestatística, da formação de bancos de dados, da integração destes dados e da geração de informações que permitam algum tipo de manejo otimizado, seja local ou por áreas uniformes, das culturas estudadas. É a hora de aliar o conhecimento acumulado sobre a relação solo-planta-atmosfera ao uso de geotecnologias.
O uso de GPS em colhedoras de grãos já é comum no hemisfério norte e também já está disponível em algumas máquinas comercializadas no país. Softwares para aquisição e processamento de mapas de variabilidade da produtividade acompanham o pacote oferecido pelos fabricantes destas máquinas, embora muitos deles não tenham a mesma capacidade de processamento e análise que um sistema de informações georreferenciadas (SIG). No entanto o Brasil tem culturas perenes (café, citrus) semi-perenes (cana-de-açúcar) que são economicamente importantes e para as quais não estão disponíveis, comercialmente, sistemas semelhantes para o mapeamento da sua variabilidade espacial, embora existam projetos em andamento que visam o seu desenvolvimento. Nestes casos, o sensoriamento remoto tem sido estudado como uma alternativa para se obter mapas de variabilidade espacial.
A possibilidade de contar, num futuro não muito distante, com sensores de alta resolução espacial espectral, radiométrica e maior periodicidade, fará com que o sensoriamento remoto tenha um papel importante no mapeamento e monitoramento da variabilidade espacial das culturas agrícolas. A agricultura, e mais especificamente a agricultura de precisão, tem motivado o desenvolvimento de novos sensores voltados para estas aplicações, como os que vêm sendo desenvolvidos pela Boeing (americana), ou pela RapidEye AG (alemã). Enquanto esses novos sensores não estão disponíveis, outras alternativas vêm sendo estudadas, como o uso de imagens Landsat (Satélite Americano)/Spot (Satélite Francês)/CBERS (Satélite Brasileiro/Chinês), IKONOS (Satélite de um consórcio de empresas americanas), fotografias aéreas digitais na faixa do infravermelho e, mais recentemente, a videografia multiespectral.
A maioria dos produtos de sensoriamento remoto oferece recursos para uma análise qualitativa da variabilidade espacial da biomassa de uma cultura. A análise quantitativa depende de muitas coletas de dados no campo, além de um bom conhecimento das características do sensor, para se trabalhar com grandezas radiométricas e índices baseados em dados de reflectância que possam ser associadas aos dados de biomassa.
As imagens de satélites do tipo Landsat (Figura 1)/Spot/CBERS, apesar das limitações de resolução espacial e periodicidade, são úteis no mapeamento da variabilidade espacial da biomassa das culturas que ocupam áreas mais extensas. As imagens do satélite Ikonos, apesar de ainda terem custo elevado, têm a vantagem da resolução espacial e periodicidade favoráveis, embora exista a necessidade constante de correções das imagens, pois o ângulo de visada varia a cada passagem e a periodicidade para imagens nadir (visada em um ângulo de 90 graus) é muito baixa, o que implica na dependência de se obter os parâmetros para estas correções.
Figura 1 – Imagem Landsat
7/ETM+ (RGB453) de uma área com cana-de-açúcar.
Fotografias aéreas digitais (Figura 2), com a utilização de filtros que abrangem a faixa infravermelho próximo, têm sido utilizadas nos Estados Unidos e Europa, para se mapear variabilidade espacial de culturas. No Brasil algumas empresas também oferecem serviços semelhantes. A limitação, neste caso, está em saber, exatamente, qual é o intervalo de comprimento de onda que os filtros atuam. Na maioria dos casos esta informação não está disponível por quem oferece o serviço. Dessa forma, o produto oferece a possibilidade de se fazer apenas uma análise qualitativa da variabilidade espacial, embora isso já seja um bom ponto de partida para muitas das aplicações.
Figura 2 – Imagem aérea com filtro infravermelho de uma área com cana-de-açúcar.
A videografia multiespectral tem sido uma opção adotada por algumas instituições (Unicamp, Esalq/USP, IAC) que trabalham no mapeamento da variabilidade espacial da biomassa de culturas. A sua vantagem está em poder ter um controle sobre a resolução espacial da imagem e em se conhecer as características espectrais de cada uma de suas bandas. As imagens de cada banda são adquiridas ao mesmo tempo pela câmera, não havendo necessidade da troca de filtros e novo sobrevôo ou o uso simultâneo de duas câmeras, como em alguns casos de fotografia aérea. A desvantagem fica por conta da necessidade de correções da imagem e nas dificuldades naturais da montagem de mosaicos.
A Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp também vem estudando o uso de sensoriamento remoto, em diversos níveis (radiometria de campo, videografia multiespectral e imagens de satélite) no mapeamento da variabilidade espacial da biomassa da cana-de-açúcar, visando a sua associação com a produção, em projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e apoio da Usina São João – Açúcar e Álcool S/A. Os resultados até o momento têm sido promissores, mesmo para as imagens Landsat 7/ETM+(Figura 3) mas, para não fugir muito da regra, coletamos uma enorme quantidade de dados nos últimos 2 anos, e também estamos na fase do processamento, integração, modelagem e (por que não???), do entendimento do processo como um todo.
Artigo escrito por Jansle Vieira Rocha e Rubens Augusto Camargo Lamparelli:
Jansle Vieira Rocha: Engenheiro Agrícola (UNICAMP); Mestre em Engenharia Agrícola, UNICAMP PhD em Sensoriamento Remoto, Cranfield Institute of Technology, Inglaterra Livre-docente em geo-processamento, UNICAMP Docente da Faculdade de Engenharia Agrícola/UNICAMP
Rubens Augusto Camargo Lamparelli: Engenheiro Agrícola (UNICAMP); Mestre em Sensoriamento Remoto (INPE); Doutor em Geoprocessamento (USP); Pesquisador do Centro de Ensino e Pesquisa em Agricultura (CEPAGRI)/UNICAMP.