Em 28 de agosto de 2001, foi sancionada a nova legislação que instituiu o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR). Entre os principais pontos da lei, está o estabelecimento de uma base de dados comuns, com troca de informações entre os cartórios e os órgãos da administração pública. A identificação do imóvel rural, de acordo com a nova legislação em vigor, deve ser feita mediante identificação de suas características e confrontações, localização e área, obtidas a partir de planta georreferenciada. Para falar sobre este assunto, que é de suma importância àqueles que serão os responsáveis pela medição dos imóveis rurais da forma como preconiza o CNIR, ou seja, os profissionais que trabalham com dados georreferenciados, a revista infoGEO convidou o engenheiro cartógrafo Edaldo Gomes (e-mail:edaldo@incra.gov.br), especialista em Análise de Sistemas, que é responsável pelo setor de agrimensura por satélite (GPS) no INCRA e gestor da Rede INCRA de Bases Comunitárias do GPS RIBaC.
infoGEO – Antes da nova lei, como era feita a identificação de um imóvel rural?
Edaldo Gomes – Não havia nenhuma regra. Cada proprietário descrevia os limites do seu imóvel da forma que lhe parecia mais adequada. Como nem todos os proprietários possuem conhecimento de técnicas cartográficas, o resultado, através dos anos, foi a construção de um "quebra-cabeça" impossível de se montar.
infoGEO – Quais os benefícios que a nova lei trará à sociedade?
Edaldo Gomes – São inúmeros os benefícios, mas alguns merecem destaque: a possibilidade de se obter a forma, dimensão e exata localização dos imóveis rurais, de maneira inequívoca, através das coordenadas dos seus vértices, vinculadas a um sistema de referência único – o Sistema Geodésico Brasileiro; a adoção de um "código de identificação único" para todo imóvel rural, adotado tanto pelo INCRA, como pela Receita Federal, e a obrigatoriedade de sua averbação nas respectivas matrículas, certamente irá contribuir para o desaparecimento do "imóvel fantasma"; a obrigatoriedade de encaminhamento, ao INCRA, de toda e qualquer alteração cadastral acontecida junto aos Serviços de Registro de Imóveis fará com que a base do atualizada, sem (ou quase nenhum) custo para o poder público.
infoGEO – Os cartórios estão preparados para cumprir a legislação?
Edaldo Gomes – Acredito que sim. A rigor, não será exigido, dos cartórios, nada muito diferente daquilo que eles sempre fizeram. Nenhuma nova tecnologia será incorporada, apenas novos procedimentos. Até a exigência da peça técnica ficou restrita ao Memorial Descritivo, que é elaborado numa linguagem bastante familiar aos Notários: a descrição do perímetro, que é a mesma linguagem adotada nas Escrituras e Certidões. É preciso ressaltar que a planta de um imóvel é apenas a representação gráfica de um Memorial Descritivo bem elaborado. Ao se exigir a responsabilidade técnica de um profissional habilitado na sua construção, a Lei pretendeu assegurar essa qualidade no documento.
infoGEO – Como serão compartilhadas as informações do CNIR com instituições como a Receita Federal e outras usuárias e produtoras de informações sobre o meio rural no país?
Edaldo Gomes – Essa questão está sendo objeto de discussão de um grupo de trabalho que está redigindo o Decreto que vai regulamentar a Lei. Este grupo de trabalho é constituído por técnicos do MDA INCRA, da Receita Federal, do IBAMA, do SPU, do IRIB, da ANOREG e dos Órgão Estaduais de Terras através de sua associação ANOTER.
infoGEO – O que deverá mudar no mercado de levantamentos topográficos com a nova lei?
Edaldo Gomes – Ainda é cedo para avaliarmos os reflexos da Lei 10.267 no mercado de trabalho. Tudo dependerá da regulamentação que será feita. É possível, entretanto, esperar um aquecimento no mercado de levantamentos topográficos, independentemente da precisão que será exigida.
infoGEO – Qual é a precisão exigida nos levantamentos?
Edaldo Gomes – Como já disse, essa resposta será dada ao final dos trabalhos do grupo que está elaborando a regulamentação.
infoGEO – O mercado está preparado para implementar as precisões exigidas pelos levantamentos?
Edaldo Gomes – Embora não se saiba ainda a precisão (ou precisões) que será adotada, não vejo como se possa estabelecer nada que o mercado não esteja reparado para atender. A medição de um imóvel rural foi bastante simplificada a partir do advento dos rastreadores de sinais do GPS. É verdade que em algumas situações, em decorrência de grande cobertura vegetal ou acentuada movimentação do terreno, o uso dessa tecnologia sofrerá restrição mas em boa parte do país será possível adotá-la. Onde não for possível outras técnicas sempre estarão disponíveis (topografia clássica, aerofotogrametria etc).
infoGEO – As propriedades terão que ser materializadas no campo através de marcos?
Edaldo Gomes – Novamente caímos no vazio de uma Lei que ainda não foi regulamentada. Do ponto de vista técnico não há necessidade de se materializar os vértices da propriedade. É perfeitamente possível reconstituir a localização de todos os vértices a partir de suas coordenadas verdadeiras. A sua materialização, entretanto, facilita a identificação embora encareça os serviços de medição e demarcação.
infoGEO – Como será a fiscalização desse trabalho?
Edaldo Gomes – Estou me tornando repetitivo mas enquanto a Lei não for regulamentada muito pouco se poderá afirmar. É verdade, entretanto, que os trabalhos de medição dos imóveis rurais serão executados por técnicos da iniciativa privada e, dessa forma, é necessário que este profissional preencha adequadamente os requisitos para a perfeita execução dos serviços de medição e demarcação de imóveis rurais. O poder público, certamente terá muita dificuldade para fiscalizar, sozinho, essa atividade uma vez que os seus quadros nessa área são bastante diminutos e é aí que entra em cena um profissional que não existe no Brasil : o profissional juramentado de medição de imóveis . É um profissional que não tem vínculo com o poder público mas é credenciado por ele, para exercer, sob a sua chancela, esse tipo de trabalho. O perfil desse profissional também não está claramente definido . Acho também que o mercado não oferece esse profissional "pronto" para trabalhar com eficácia. Será necessário criarmos meios de formação desse profissional, através da complementação do seu estudo.
infoGEO – Quais os principais ítens que serão discutidos para a estruturação do CNIR na busca da unificação dos diversos cadastros de imóveis rurais?
Edaldo Gomes – Novamente caímos no grupo da regulamentação. Vamos ter que aguardar a evolução dos trabalhos. A Lei não é clara na definição do conteúdo do CNIR. O que podemos afirmar, entretanto, é que o INCRA possui um ambiente onde é possível hospedar dados de diversas características : é o SNCR-geo. É um Sistema de Informações modelado sobre os dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural, que já existe há quase trinta anos e que foi modernizado recentemente.