Conceitos, status e perspectivas nas aplicações

A grande mídia tem dedicado atenção especial ao potencial esperado de uso de radares imageadores nas aplicações na Amazônia, particularmente com a proximidade de operação do SIVAM. O tema tem sido tratado com pouco rigor (imagens de radar produzidas por emissão de calor, etc.) e uma gama de aplicações tem sido aventada para justificar o uso da tecnologia (detecção de aviões, barcos suspeitos, laboratórios de atividades ilícitas, minérios escondidos no subsolo, etc., fonte: Revista Veja, agosto de 2001). Como a tecnologia é recente, uma reflexão é oportuna sobre o estado atual e perspectivas reais de uso em aplicações no país.

Fundamentação
Um radar imageador funciona como uma câmera fotográfica com flash, no sentido em que ele fornece a própria energia para iluminar a cena, e adquire a imagem só que no espectro das microondas, i. é, comprimentos de onda () próximos ou entre 1cm a 1m ou freqüências de 300 MHz a 30 GHz. Apesar da analogia, imagens de radar são bem diferentes das ópticas. A primeira diferença está ligada à escala da interação da radiação eletromagnética (REM) com o alvo. Um radar de abertura sintética ou SAR (Synthetic Aperture Radar) fornece informações geométricas (variações decamétricas a centimétricas do relevo, forma) e elétricas (pela constante dielétrica relativa, fortemente influenciada pela umidade) dos alvos, pela detecção de energia retroespalhada em microondas ativas (escala centimétrica de interação energia-matéria). Na REM refletida e/ou emitida (óptico) estão contidas informações da composição química e estrutura física de alvos (escala de interação micrométrica).

Outra diferença está ligada à geometria de imageamento. Por operar em visada lateral e com fonte de emissão e recepção da energia na mesma posição, imagens SAR apresentam distorções geométricas únicas (maiores no sentido do sensor, i. é, do far para near-range, presença de foreshortening, layover e sombra de radar). Esta geometria é distinta do imageamento óptico, com sensor normalmente no nadir, fonte solar e sensor em posições diferentes e distorções aumentando radialmente. Isto requer correções geométricas rigorosas com imagens SAR, normalmente com uso de DEMs (orto-retificações). Por último, imagens SAR exibem speckle, um ruído específico devido à natureza coerente da radiação usada, o que implica em filtragens específicas (adaptativos) no tratamento digital das imagens.

As maiores vantagens competitivas em relação ao imageamento óptico são: (1) capacidade de penetrar nuvens, brumas, fumaça, e em grande extensão chuvas (dependente do utilizado), (2) grande resolução temporal devido ao imageamento ativo (fonte própria de energia) e independente de fonte solar (dia e noite), (3) excelente realce do relevo (macro e micro-topografia) e (4) maior penetrabilidade nos alvos. A interação óptica restringe-se aos mícrons superiores dos alvos. Nas microondas a penetração é bem maior, porém depende do sensor (incidência, polarização) e do alvo (umidade, estruturação, densidade e forma).

Importantes características do sinal de radar são: ou freqüência, amplitude, fase e polarização. O ? corresponde à distância que a onda trafega no tempo requerido para gerar um ciclo (distância entre dois pontos de referência consecutivos). A freqüência indica o número de recorrências da onda por unidade de tempo. As bandas mais utilizadas são: X ( entre 2,40 a 3,75 cm ou freqüências de 8000 a 12500 MHz), C (3,75 a 7,5 cm ou 4000 a 8000 MHz), L (15 a 30 cm ou 1000 a 2000 MHz) e P (77 a 136 cm ou 220 a 390 MHz). A amplitude refere-se ao máximo desvio em altura da onda. A fase descreve a posição das cristas e vales com relação a um datum ou posição de referência e varia entre 0 a 2.

Uma importante fonte de informação de alvos é a polarização. A energia em microondas tem um componente polarizado definido pelo vetor campo elétrico (E) da REM, freqüentemente linear, i. é, horizontal (H) ou vertical (V). Outros possíveis estados de polarização incluem as polarizações circulares e elípticas, que descrevem todas orientações angulares de E e variação no tempo. Imageamentos com radares polarizados linearmente são os mais comuns, operando com microondas polarizadas horizontalmente (H) ou verticalmente (V) e registrando a amplitude das ondas recebidas (componentes V e/ou H). Conseqüentemente, o sinal detectado pode ter quatro diferentes modos: HH (transmite H, recebe H), VV (transmite V, recebe V), HV (transmite H, recebe V) e VH (transmite V, recebe H). Tais radares não tem capacidade de medir as propriedades totais de polarização dos alvos, sintetizadas somente através de radares polarimétricos, que transmitem ondas em ambas polarizações (H e V) e registram a amplitude e a fase dos componentes recebidos (figura 1). Neste sentido, informação adicional relativa aos alvos está contida, por exemplo, na diferença de fase HH-VV e na correlação HH-VV (Boerner et al. 1998).


Figura1 – Diagrama de operação de radar convencional e polarimétrico (fonte: Van der Sanden 1997)

As particularidades discutidas são importantes e devem ser levadas em consideração no uso da tecnologia. Embora um usuário com experiência em imagens ópticas possa extrair informações com imagens SAR, sem um melhor conhecimento, a abordagem será limitada. A maximização da informação extraída passa pelo conhecimento da tecnologia na escolha da melhor configuração de imageamento, pelo domínio da aplicação e pela disponibilidade de software adequado para o processamento das imagens.

Disponibilidade de Dados
Aeroportados
Pelas características fisiográficas (território vasto com relevo em grande parte arrasado, presença de floresta equatorial, extensa região costeira), econômicas (informação limitada de recursos naturais, demanda populacional crescente, recursos financeiros escassos) e ambientais (cobertura de nuvens, chuvas, queimadas, atividades antropogênicas como o desflorestamento, com efeitos no solo, água, clima, etc.), o uso de radares imageadores é uma opção natural para o Brasil. Desde o advento do RADAMBRASIL, no início da década de 70, quando foi utilizado um SAR em banda X-HH da Goodyear Aerospace Corporation, o país tem sido recoberto por radares aeroportados. Pela importância, merecem menção as campanhas: (1) SAREX (South American Radar Experiment) em 1992, com um SAR em banda C quad-polarizada (HH, VV, HV, VH), a bordo do Convair 580 do CCRS (Canada Centre for Remote Sensing), em projeto científico INPE-CCRS-ESA (European Space Agency) com sobrevôos de várias áreas na Amazônia simulando dados RADARSAT-1 e ERS-1, (2) da empresa canadense Intera Information Technologies Ltd. (atual Intermap Technologies Ltd.) para a DOCEGEO (Grupo CVRD), com o STAR-1, um SAR na banda X-HH gerando imagens estereoscópicas de áreas na Amazônia (Província de Carajás) e Nordeste, (3) da empresa alemã Aerosensing Radar Systeme, em aplicações cartográficas no Projeto de transposição do rio São Francisco com banda X-HH, e para o DSG, nas bandas X-HH e P (polarimétrico), para fins cartográficos e estudos de biomassa vegetal na Floresta Nacional de Tapajós. A disponibilidade tenderá a aumentar com as operações das três aeronaves Embraer ERJ-145 do SIVAM (R-99B), com radares nas bandas X e L.

Orbitais

As duas últimas décadas têm mostrado um grande avanço tecnológico com a proliferação de SAR orbitais. O SIR-C/X-SAR (Spaceborne Imaging Radar-C, X-Band Synthetic Aperture Radar) foi o primeiro SAR em multifreqüência e multipolarização lançado no espaço através do ônibus espacial Endeavour da NASA (imageamentos em abril e outubro de 1994). O SIR-C é um SAR que adquiriu simultaneamente dados polarimétricos nas bandas C (5,8 cm) e L (23,5 cm). O X-SAR operou em banda X-HH (3,1 cm) . Na continuidade das missões Shuttle merece menção o SRTM (Shuttle Radar Topography Misson) de fevereiro de 2000, com imageamentos interferométricos nas bandas C e X para a geração de modelos digitais de elevação de grande parte das áreas emersas do planeta. As campanhas com o Shuttle foram de recobrimento não-repetitivo e de curta duração.

O lançamento do ERS-1 em julho de 1991 marcou o início de uma era de disponibilidade ininterrupta de SAR orbitais. O ERS-1 e seus sucessores, JERS-1, ERS-2 e RADARSAT-1, tem em comum, a transmissão e a recepção de sinal em uma única freqüência e polarização (figura 2). Em curto prazo, o avanço tecnológico vai permitir o aumento de capacidade em resolução espacial e oferta de dados polarizados e polarimétricos. Para novembro deste ano está previsto o lançamento do Envisat-1 ASAR (Advanced Synthetic Aperture Radar) da ESA. O Envisat-1 ASAR vai operar em banda C, resolução espacial variável (de 30m a 1Km), resolução temporal de 35 dias e sob duas configurações: SSP (Selective Single Polarization) e SDP (Selective Dual Polarization). No modo SSP as imagens serão adquiridas em HH ou VV. No modo SDP as imagens serão adquiridas simultaneamente em duas polarizações, i. e´, HH&VV, HH & HV ou VV & VH.


Figura2 – Produto Integrado JERS-1/Gamaes pectrometria (CT), Projeto Renca (Amapá/Pará). JERS-1: copyright CPRM/PLAA (mosaico digital produzido no LabSAR da Geoambiente SR).

O grande impacto na oferta de dados deverá ocorrer, contudo, a partir de 2003 com o advento dos imageamentos orbitais polarizados e polarimétricos de elevada resolução nas bandas C e L. Comparado com o Envisat-1 ASAR, o RADARSAT-2, terá ainda a capacidade adicional de adquirir imagens em banda C polarizadas HV ou VH no seu modo SSP, como também imagens quad-polarizadas no modo QP. Neste último modo, microondas H e V polarizadas serão transmitidas e recebidas em todas possíveis combinações com a aquisição de dados polarimétricos. A melhor resolução espacial das imagens do RADARSAT-2 será de 3 metros em polarização única (figura 3). Também em 2003 está previsto o lançamento do ALOS (Advanced Land Observing Satellite) da NASDA (National Space Development Agency of Japan) com o PALSAR (Phased Array type L-band Synthetic Aperture Radar) com imageamentos polarizados e polarimétrico experimental em banda L (figura 4). A melhor resolução do PALSAR será de 7 metros em polarização única. Importante salientar que a versatilidade de variação de incidência destes imageamentos permitirá a obtenção de imagens SAR estereoscópicas. O Envisat-1 ASAR e o PALSAR também terão a capacidade de imageamentos ópticos na mesma plataforma. Planos para outros SAR orbitais têm sido propostos. Na Europa, por exemplo, existem planos para um novo sistema quad-polarizado em banda L (LandSAR) e para um SAR quad-polarizado em banda X e L (TerraSAR). De modo similar, os Estados Unidos e a Argentina tem planos para um SAR em banda L. Discussões preliminares foram iniciadas entre o INPE e a DLR (Alemanha) enfocando a proposta de um SAR de freqüência dual (C, L), polarimétrico, elevada resolução e dedicado para mapeamentos na Amazônia.


Figura3 – Características das imagens RADARSAT-2 (fonte: MacDonald DETTWILER).


Figura4 – Características das imagens PALSAR (fonte: NASDA/ALOS).

Requisitos e Potencial em Aplicações

De modo geral, o potencial de aplicações de um SAR particular depende não somente de e polarização, mas também de outras variáveis, incluindo a versatilidade em incidência, resolução espacial, cobertura em área, resolução temporal, disponibilidade de estereoscopia, prazo de entrega do dado coletado e obviamente, o custo da imagem. Assim, a discussão a seguir serve apenas como uma referência geral dos requisitos de uso da tecnologia para aplicações com maior potencial em ambientes tropicais, fruto de informações de literatura (Schmullius & Evans 1997) e da experiência do autor em programas com SAR orbitais.

Florestas e Agricultura
 Mapeamento e monitoramento florestal requer a combinação de bandas de menores (X ou C) com bandas de maiores (L ou P);
 Discriminação Floresta/Não Floresta ideal com bandas de maiores (L ou P);
Modelamento de biomassa requer bandas de maiores (L ou P) e polarizações cruzadas (HV, VH);  Mapeamento de áreas inundadas requer bandas de maiores (L ou P) e polarização HH;
 Discriminação de culturas requer bandas X, C, e L ;
 Banda L é a mais importante para estudos em agricultura.

Hidrologia e Solos
 Banda L (HH, HV) com maior potencial para mapeamento da rugosidade superficial e de salinidade em solos;
 Bandas P e L são as melhores opções para o mapeamento de umidade e textura de solos devido à penetração na vegetação;
 Bandas L ou P (HH) são mais adequadas para o mapeamento de interface água-terra (áreas inundadas).

Geologia
 Multifreqüência (X,C, L, P) e polarização cruzada (HV,VH) são requeridas em discriminação litológica;
 Bandas com menor (X ou C) são mais adequadas para rugosidade superficial;
 Banda P mais adequada para mapeamento de sub-superfície (paleodrenagens);
 Bandas de menor (X ou C) mais adequadas que bandas de maior (L ou P) para interpretações em áreas de interface vegetação-desflorestamento.

Oceanografia e Zonas Costeiras
 Multifreqüência (X, C, L, P) e polarizações paralelas (VV, HH) são necessárias para modelagem com ondas e correntes;
 Bandas de menor (X ou C) e polarização VV são mais adequadas para detecção de microexudação e derramamento de óleo, detecção de navios;
 Banda L (HH) é a mais adequada para o mapeamento da interface água-terra em estudos de zonas costeiras;
 Bandas de maior (L ou P) são necessárias para estudos batimétricos.

Cartografia
 Disponibilidade de dados altimétricos (em escala de detalhe) restrita aos sensores aeroportados (interferometria com bandas X e P);
 Radargrametria (estereoscopia) orbital restrita às escalas de semidetalhe (RADARSAT-1);
 Bandas de maior (L e P) são adequadas para modelar a informação altimétrica devido à penetrabilidade na cobertura vegetal;
 Mapeamento e monitoramento de cobertura vegetal e feições planimétricas requer a combinação de bandas de menor (X ou C) com maior (L ou P).


Figura5 – RADARSAT Fine 2 descendente, Manaus (31/maio/01). RADARSAT copyright CSA, cortesia CCRS.

Conclusões

As décadas de 80 e 90 foram marcadas pelos imageamentos ópticos multiespectrais e advento da tecnologia GIS. A metade da década passada e este início do milênio consolidam um panorama promissor de grande disponibilidade de dados SAR orbitais. O sucesso operacional do RADARSAT-1 pode ser medido pelo resultado comercial, com a RSI (RADARSAT International) já dominando 15 % do mercado global de sensoriamento remoto (fonte: Canadian Space Agency Annual Review 2000/2001). Dois programas orbitais em banda C e um em banda L, gerando imagens inéditas multipolarizadas, estão com lançamentos previstos para os próximos dois anos. Radares orbitais multifreqüência devem estar disponíveis após 2005. Aplicações que demandam informações de grandes áreas em tempo real (inundações, catástrofes, derramamento de óleo, etc.) irão se beneficiar da melhor capacidade temporal do RADARSAT-2 de adquirir imagens à direita e à esquerda da trajetória da órbita. Além disso, a dramática melhoria em resolução espacial vai possibilitar o uso do SAR canadense em aplicações antes restritas aos sensores ópticos como as urbanas (figura 5). Também áreas tradicionais como a geológica e a cartográfica serão estimuladas pela estereoscopia de detalhe, mas isto fica para um novo artigo. Por outro lado, o advento do PALSAR consolidará aplicações ainda críticas na abordagem óptica, como estimativas de desflorestamento em florestas tropicais e estudos costeiros (interface água-terra). Finalmente, a análise polarimétrica abrirá novos campos nas aplicações, não tradicionais, como a agricultura. A flexibilidade de prover dados de modo sistemático e repetitivo, sob condições atmosféricas adversas (dia e noite), em escalas variadas de observação e a custos bem menores que os imageamentos aeroportados, tende a consolidar a opção orbital com radares multipolarizados e polarimétricos, como prioritária nas aplicações com sensores remotos no país. Para que este avanço tecnológico possa ser utilizado com retorno social, uma política clara de apoio à geração de conhecimento (pesquisa), formação de recursos humanos especializados e estímulo a industria nacional (serviços e parceira com o Estado em P&D) deve ser tópico relevante na agenda do programa espacial brasileiro.
Agradecimentos: Dr. Robert Landry (CCRS) pela imagem Fine de Manaus, Dr. L. R. Bizzi (CPRM) pelo dado aerogeofísico e Jezer Ferris (Geoambiente SR) pelas artes gráficas.

Referências:
1)Boerner, W. et al. 1998 "Polarimetry in Radar Remote Sensing: Basic and Applied Conceps". In: Principles & Applications of Imaging Radar, Manual of R.S, A.S.P.R.S, Cap. 5, pp: 271-357.
2) Van der Sanden, J.J. 1997. "Radar remote sensing to support tropical forest management". Tese de doutoramento, Tropenbos-Guyana Series, 330 pgs.
3) Schmullius, C., Evans, D.L. 1997. "Synthetic aperture radar (SAR) frequency and polarization for applications in ecology, geology, hydrology, and oceanography: a tabular status quo after SIR-C/X-SAR". Int. Jour. of R. S. , 18 (13): 2713-2722.

Waldir Renato Paradella é geólogo e pesquisador do INPE e CNPq, doutor pelo IGUSP, pós-doutorado no CCRS (Otawa, Canadá). Investigador-principal nos programas SPOT-1 (PEPS), SAREX´92, RADARSAT-1 (ADRO, GlobeSAR-2) e atualmente no ALOS/PALSAR. (http://www.ltid.inpe.br/dsr/paradella)