Em conjunto com a proposta de modernização do GPS, o GALILEO traz novas perspectivas para os usuários

A decisão do governo americano em não autorizar outras nações a participarem conjuntamente do controle de uma configuração básica do GPS levou a União Européia (UE) a desenvolver uma solução própria para o GNSS (Global Navigation Satellite System), quer seja em conjunto com outras nações, ou sozinha. Em fevereiro de 1999 a UE fez uma recomendação para que os Europeus desenvolvessem uma nova constelação de satélites para navegação. Isso foi resultado de muita pesquisa, desenvolvida no período de julho de
1998 a fevereiro de 1999 (Wolfrum et al., 1999).

Em junho de 1999, baseado nos trabalhos anteriores realizado pelo Fórum Europeu do GNSS, o Ministério dos Transportes Europeu concordou com a fase de definição desse sistema, denominado GALILEO, que se trata da contribuição Européia para o GNSS-2. Será um sistema aberto e global, com controle civil, completamente compatível com o GPS (e provavelmente com o GLONASS), mas independente.

A fase de definição compreendeu o período de 1999 a 2002, na qual fizeram parte os requisitos iniciais e a arquitetura do sistema. Dois estudos principais foram realizados: o estudo denominado GALA do Conselho Europeu (EC) sobre a arquitetura do sistema e o estudo da ESA (European Space Agency), denominado GalileoSat, relacionado com o segmento espacial. Tratou-se de uma fase crucial, pois dependia dela a continuidade ou não do sistema. Em seguida, com aprovação da continuidade do GALILEO em 26 de março de 2003, iniciou a fase de desenvolvimento do sistema (2002-2006), onde comparece o planejamento e a validação do GALILEO. Essa fase deverá consolidar os requisitos iniciais, o desenvolvimento dos satélites e as componentes de terreno, bem como a validação dos satélites em órbita. Um primeiro satélite experimental deverá ser lançado por volta do segundo semestre de 2005, sendo que até quatro satélites operacionais serão lançados em 2005 e 2006 para validação final de ambos segmentos: espacial e terrestre. Os demais satélites operacionais serão lançados na fase de implementação do sistema, no período de 2006 a 2007, quando deverá alcançar a capacidade operacional. A fase operacional, na qual os serviços são oferecidos e a manutenção do sistema é iniciada, deve estar completa em 2008.

O financiamento do sistema deverá ser garantido pelo orçamento da EU, notavelmente através da ESA e da rede de transporte européia (Trans-European Networks). Além disto deverá comparecer fundos adicionais resultantes do envolvimento de outras agências ou instituições da EU, de cooperação internacional com outras nações, tais como Rússia, Canadá, China Israel e Japão. Entre esses países, China e Israel iniciaram negociações. Ainda está prevista a adoção de uma parceria publica – privada (Public-Private Partnership) para obter financiamento complementar.

O GALILEO será um sistema de arquitetura global, visando atrair outras nações para participar do projeto. Trata-se de uma estratégia diferente da adotada com o GNSS-1, onde os objetivos do EGNOS (European Geostationary Navigation Overlay Service) atendiam apenas os países Europeus. Apresenta-se a seguir o que se conhece sobre o sistema até o momento. Modificações poderão ocorrer, pois o sistema ainda está em fase de planejamento e validação. Para acompanhar o que vem ocorrendo com o sistema, o interessado poderá consultar a pagina do GALILEO, a qual pode ser acessada em www.europa.eu.int/comm/dgs/energy_transport/galileo/

Descrição

Segmento de Controle – A estrutura já montada para o EGNOS será aproveitada ao máximo, mas algumas estações terrestres serão acrescentadas para que se tenha abrangência global. Ao todo, 30 estações distribuídas globalmente, (GALILEO Sensor Stations – GSS) darão suporte a determinação de órbitas e sincronização de tempo. Elas proporcionarão os dados para os dois GCCs (GALILEO Control Centers). Um desses centros será responsável pela geração das mensagens de navegação e sistema de tempo, enquanto o outro fica responsável pelo controle da integridade. Esse segmento será interconectado por uma rede de comunicação, com duas cadeias independentes, com operação quase autônoma. Isso garantirá controle da integridade interna e operações de alta qualidade. Segmento Espacial – O segmento espacial será baseado em 30 satélites de órbita média (MEOs – Médium Earth Orbits) tal como o GPS e GLONASS, com 27 operacionais e mais 3 de reserva, mas ativo, distribuídos em três órbitas circulares. A altitude será da ordem de 23600 km com inclinação de 56 graus com respeito ao plano equatorial. O período orbital será de aproximadamente 14 horas e 4 minutos. Com essa constelação e disposição dos satélites, os sinais do GALILEO proporcionarão uma boa cobertura, mesmo em latitudes acima de 750.

Estrutura do Sinal

A estrutura do sinal do GALILEO ainda não está totalmente definida. Provavelmente, ela não mudará muito do que foi estabelecido durante a WRC 2000 (Word Radio Conference – 2000) e confirmado durante a WRC 2003. A Tabela 1, extraída de ION 2003, mostra o que foi estabelecido na WRC 2000. Observe que as portadoras L5 e L1 correspondem ao que foi designado para o GPS. Isso mostra que poderá ocorrer interferência entre o GPS e GALILEO, o que deverá ser reduzido mediante técnicas de modulação do sinal (Seeber, 2003).

Serviços e Performance

Quatro diferentes tipos de serviços serão oferecidos pelo GALILEO, muito embora apenas três eram previstos inicialmente (Seeber 2003; ION 2003):
 Serviço de Acesso Aberto (OAS – Open Access Service), que será o serviço básico de posicionamento, navegação e tempo a ser oferecido ao público, sem custos diretos, pelo menos até que o SPS (Standard Positioning Service) do GPS também o seja;
 Serviço de Acesso Comercial (Commercial Access Service – CAS), que se trata de um serviço comercial, para usuários que exigem um serviço garantido e com contrato de responsabilidade. Para tanto, deverá prover serviço local ampliado e integração com redes de comunicação. Sobre esse serviço será cobrada uma taxa dos usuários que vierem a utilizá-lo;
 Serviço com segurança de vida (Safety of Life Service – SAS), para aplicações críticas em segurança, tais como aviação civil, navegação marítima, etc, exigindo para tal integridade e disponibilidade;
 Serviço Público Regulamentado (Public Regulated Service – PRS), dedicado para aplicações de segurança nacional, tais como polícia, bombeiros, alfândega, etc.

No que concerne à performance, o GALILEO deverá proporcionar pelo menos a mesma a ser alcançada com a modernização do GPS (futuros satélites do Bloco IIF). Alguns parâmetros previstos para a performance de usuários autônomos, isto é, realizando posicionamento por ponto em tempo real utilizando apenas observáveis resultantes do código (pseudodistâncias), constam da Tabela 2. Esses parâmetros referem-se principalmente a aplicações terrestres, mas algumas exceções poderão ocorrer em regiões oceânicas. Pode-se observar uma melhoria considerável em relação ao GPS.

Benefícios e Aplicações
Há pouco tempo atrás, face ao grande sucesso do GPS, poucos acreditavam que uma outra nação pudesse iniciar o desenvolvimento de um sistema similar, com exceção da Rússia com o GLONASS, que teve sua implementação independente e paralela. Quando o GLONASS foi declarado operacional em 1996, fato inesperado para muitos, parecia que surgia um rival em potencial para o GPS. Mas não foi o caso, pois o sistema não teve a devida manutenção, estando atualmente com poucos satélites apropriados para uso. Mesmo assim, vários trabalhos foram desenvolvidos no sentido de propor metodologias para a integração dos dois sistemas, fato positivo para o domínio da tecnologia de integração de sistemas. Se a modernização do GLONASS efetivamente ocorrer, já se dispõe de metodologias apropriadas para a integração GLONASS e GPS.

O desenvolvimento do GALILEO, em conjunto com a proposição de modernização do GPS, traz novas perspectivas para os usuários que dependem de posicionamento em suas atividades. Por um lado, os dois sistemas competem entre si, no que se refere à agenda estabelecida para o desenvolvimento e modernização. Por outro, o GALILEO será compatível e factível de integração com o GPS, trazendo grande benefícios para os usuários dos Estados Unidos, Europa e demais países. Desta forma, eles podem ser utilizados alternativamente ou em combinação, melhorando a performance global. As figuras 1 e 2 ilustram a acurácia posicional horizontal para o GALILEO aumentado pelo EGNOS e a combinação GPS, GALILEO e EGNOS respectivamente. Essas figuras foram extraídas de http://www.europa.eu.int/comm/dgs/energy_transport/galileo/intro/future_en.htm Neste caso está se considerando posicionamento por ponto utilizando somente as pseudodistâncias, mas nas duas portadoras. É surpreendente a melhoria em acurácia que proporcionará os dois sistemas em conjunto.

Da forma como está previsto o sistema espacial do GALILEO, grandes benefícios serão repassados para os usuários. O mesmo se diz a respeito da modernização do GPS. Nesse caso, a combinação das portadoras L1 e L5 propiciará uma melhor redução dos efeitos ionosféricos. Situação similar ocorrerá com o GALILEO, pois as portadoras são similares as do GPS.

No que concerne a solução da ambigüidade (Machado e Monico, 1999), considerando o caso da modernização do GPS (consideração similar pode ser realizada para o GALILEO), os usuários também serão beneficiados com a nova estrutura do sinal. Além das bem conhecidas combinações lineares de observáveis denominadas Wide Lane (86 cm) e Narrow Lan (11,5 cm), (Seeber, 1993), será possível formar a Extra Wide Lane (EWL) e a Medium Wide Lane (Jung, 1999), de aproximadamente 5,8m e 0,75 m respectivamente. Essas combinações, em conjunto com as observáveis das pseudodistâncias nas portadoras L1 (código C/A) e L5 (código L5), auxiliará na solução instantânea da ambigüidade.


Figura1. Acurácia horizontal (m) do GALILEO aumentado pelo EGNOS
(95% DE PROBABILIDADE).


Figura 2. Acurácia horizontal (m) com GPS, GALILEO e EGNOS
(95% de probalidade)

Trabalho desenvolvido na Universidade Técnica de Delft (Tiberius et al., 2002) mostrou que a solução instantânea da ambigüidade de um sistema integrado envolvendo GPS e GALILEO terá razão de sucesso de quase 100%, o que não acontece com o GPS quando estão envolvidas apenas as freqüências L1 e L2. Isso abre grande perspectivas de utilização do posicionamento preciso (fase da onda portadora) em aplicações críticas em segurança.

Em resumo, no que se refere às aplicações, fica evidente que todas aquelas que até então estão beneficiando-se do uso do GPS e GLONASS, também serão atendidas dentro do GALILEO, podendo os resultados ser melhores e mais confiáveis. Em termos de novas aplicações, destacam-se aquelas não contempladas com o GPS e GLONASS, devido à necessidade de informações de integridade, além de garantia de disponibilidade. Trata-se de aplicações requerendo alto grau de segurança, como a aviação civil.

Cnclusões
Considerando atualmente a grande utilidade dos sistemas de navegação, quer seja em termos de melhoria de qualidade nas atividades em que são utilizados, quer seja em termos de recursos financeiros que traz para a nação detentora do sistema, há uma alta probabilidade que GPS e GALILEO irão competir entre si. Como os Estados Unidos da América mantém quase que um monopólio neste campo, a entrada dos Europeus com o GALILEO, deverá trazer benefícios para todos os usuários. Os benefícios não serão apenas na melhoria da qualidade, mas também em termos de redução de custos dos equipamentos e serviços. Temos ainda que esperar para comprovar, mas nos parece não estar tão distante!

Referências Bibliográficas:

ION (2003) Present And Future Aspects: GLONASS, GPS and GALILEO: a multi-expert Interview, The ION Newsletter, Spring 2003.

JUNG J (1999) High Integrity Carrier Phase Navigation for Future LAAS Using Multiple Civilan GPS Signals. Procceding of the 12 th Int. Technical Meeting of the Satellite Division of the U.S Of Navigation GPS ION99, Nashville, TN, USA.

MACHADO W. C.: MONICO J. f. G. (1999) Solução rápida da Ambigüidade GPS. Utilizando o Software GPSeq. Anais do XIX Congresso Brasileiro de Cartografia, CDROM, Recife, PE.

SEEBER G. (2003) Satelite Geodesy: Foundations, Methods, and Applications, 2nd Edition, Walter de Gruyter, Berlin, Germany, 589 pp.

TIBERIUS c., PANY T., EISSFELLER B. (2002) 0.99999999 confidence ambiguity resolution with GPS e GALILEO, GPS Solution 6:96-99

João Francisco Galera Mônico
Departamento de Cartografia da FCT/UNESP
galera@prudente.unesp.br