Um dos participantes do GEOBrasil 2004 opina, destaca e critica as tendências apresentadas no maior evento de geoinformação da América Latina.
O GeoBrasil é um evento anual que tem por objetivo apresentar as tendências do mercado de Geotecnologias a nível nacional e mundial. Isso é feito por meio de palestras, debates e da Feira de Geotecnologias, a qual conta com a presença dos principais envolvidos na área, incluindo os fabricantes e representantes dos principais softwares do mercado.
No evento deste ano foram apresentadas diversas palestras que tinham temas diversificados, buscando atingir os vários tipos de especialidades da comunidade envolvida com Geotecnologia. Os participantes puderam assistir àquilo que se enquadrava em seu nicho de atuação, mantendo assim o foco da atenção apenas naquilo em que poderiam se destacar.
Dentre os temas-chave podemos destacar a Tecnologia GPS – novos produtos e adequação à Legislação do INCRA (Lei 10.267); Imagens de satélite – Aplicações, sensores, benefícios e comparações frente à Aerolevantamentos; Geomarketing – Conceituação, estudos de casos, etc; Agronegócios – Geotecnologias aplicadas ao meio rural (Agricultura de precisão); Software Livre – alcance no mercado e aplicações e WEBGIS – utilização da Internet como ferramenta de manipulação de dados espaciais.
Um evento desse porte geralmente tem dois objetivos básicos. O primeiro é o de apresentar as principais empresas do mercado e o segundo, e tão importante quanto o primeiro, é promover debates e palestras, pois é aí que serão discutidas e apresentas as opiniões sobre o que se tem feito e pensado nas mais diversas segmentações da área. Isto torna o lugar ideal para
que os usuários comuns busquem orientações, tirem suas conclusões e encontrem soluções
para seus problemas.
Para os usuários mais experientes e/ou para aqueles que já alcançaram o estágio de desenvolvedores/consultores no setor, ir ao GEOBrasil significa não somente aprender mais, mas também respirar aquilo que ele faz no seu dia-a-dia. Em outras palavras: é estar em contato com pessoas que falam a mesma língua, ver o que os concorrentes estão fazendo e poder estabelecer contato com novos clientes ou parceiros.
Diante do que foi apresentado no GEOBrasil 2004 pôde-se tirar as seguintes conclusões, em relação ao que o mercado tem a oferecer e quais são os anseios dos usuários de geotecnologias.
Primeiramente os softwares apresentados estão cada vez mais modulares, ou seja, se antes apresentavam aplicativos que poderiam oferecer ao usuário ferramentas de entrada de dados, edição vetorial, manuseio de arquivos raster (análise espacial), classificação de imagens de satélite e ainda modelagem 3D, agora o foco é oferecer soluções especificas ao negócio do possível cliente, sendo então reforçada a idéia de que é melhor vender alguma coisa do que não vender nada. Esse é um forte caminho a ser seguido pelas grandes empresas do setor. Comprova-se essa idéia com base na observação tanto dos stands dessas empresas e seus respectivos representantes no país, quanto ao se assistir depoimentos de grandes corporações e de órgãos ligados ao Governo, como Petrobrás, Embrapa e IBGE, que contam suas experiências no uso das geotecnologias para auxiliar nos processos de tomada de decisão e de controle de áreas estratégicas das mesmas, além das empresas privadas que também fazem uso dessas ferramentas.
E depois de assistir a várias palestras e debates percebe-se que a palavra de ordem é integração: se torna menos importante ter um aplicativo que englobe uma gama de funções de um GIS sendo que apenas algumas partes serão usadas por conta das especificidades de cada negócio. O necessário agora é ter um instrumento que consiga ao menor custo e de forma mais rápida estabelecer o máximo de integração de qualquer informação espacial ao negócio da instituição. A ferramenta GIS tem que fazer parte do cotidiano dos diversos interessados.
Isso só foi possível graças ao surgimento dos Bancos de Dados Espaciais (incluindo soluções free), que trouxeram inúmeras possibilidades de integração e automatização de processos de elaboração de cartografia sistemática, permitindo assim que o GIS começasse a participar mais ativamente no nível gerencial, saindo daquela situação de "ilha tecnológica" muito encontrada há até pouco tempo.
O advento de ferramentas não proprietárias de GIS e o surgimento dos Bancos de Dados Geográficos livres trouxeram ainda para o debate a temática de confrontação com as ferramentas pagas, apresentando-se como uma solução barata e que pode, a médio prazo com um pouco mais de maturidade, ser uma dor de cabeça para os principais fabricantes, já que não deixam a desejar a ninguém, pois oferecem as mesmas funcionalidades de seus companheiros mais caros.
De tudo o que foi visto no evento, presumo que uma tendência tenha destacado-se mais, tanto pela novidade quanto pelas possibilidades que se abrem com seu uso. Falo das ferramentas de WebGIS (Servidores de Mapas via Internet), que de uma certa forma foram os produtos mais apresentados durante todo o período da feira. Tanto expositores quanto palestrantes de grandes instituições, de alguma forma estavam fazendo uso da possibilidade de publicação de mapas na Internet.
Talvez o que seja mais interessante no uso dessa ferramenta, não seja exatamente o fato do usuário poder exibir pro mundo todo suas habilidades em criar mapas, mas sim o leque de opções que se abrem para as instituições e empresas que desejam disseminar o conhecimento cartográfico específico de sua atividade. Empresas públicas que tenham interesse em estabelecer com os internautas uma relação interativa, permitindo o acesso às bases de dados espaciais que possuem utilidade pública por meio de "portais de informação geográfica", podem, por meio dessas ferramentas, estimular e difundir o uso de informações espaciais nas tarefas de utilização de serviços públicos.
A nível corporativo, o uso de ferramentas WebGIS faz da intranet uma forte aliada, pois expande as fronteiras das demandas de produtos cartográficos para além do lugar onde são produzidos, assim se alcança aqueles usuários que possuem interesse em manipular dados espaciais de forma simplificada sem ter que aprender a utilizar os aplicativos mais complexos, tendo em mãos um instrumento customizado de acordo com suas necessidades.
O advento de soluções desse tipo tem propor-se cionado não somente economia, pois evitam a compra de uma grande quantidade de licenças, mas também servem como uma porta de entrada para difusão daquilo que alguns comumente chamam de "cultura GIS". Isto a longo prazo proporciona não somente uma valorização do uso de geotecnologias em diversos processos da empresa (mesmo porque seu uso por si só não agrega nenhum valor ao negócio), mas pode servir como um grande diferencial em relação aos concorrentes e também beneficiar sua própria evolução na forma como a empresa interage com o ambiente em que está inserida.
Um referencial no mercado
O evento GeoBrasil funciona como um termômetro no mercado de Geotecnologias. Assistir às palestras e visitar a feira permite formar uma idéia do que as empresas fornecedoras de software estão tentando vender, quais os "produtos cartográficos" estão sendo oferecidos, quais são os mais utilizados e por fim quais as soluções que têm proporcionado maior ganho de performance no dia-dia de quem faz uso dessas ferramentas.
O interessante disso tudo é perceber o grau de importância dada às geotecnologias no Brasil. A princípio esse conhecimento estava restrito às pesquisas acadêmicas e a algumas multinacionais que têm contanto com tecnologia de ponta. Agora já se vêem prefeituras de diversos portes fazendo uso dessas ferramentas e também gerada em lugares diferentes, empresários menores em busca de soluções integradas e de baixo custo. Daí o sucesso do software livre na feira.
A difusão das geotecnologias no país representa não somente uma boa oportunidade para quem deseja vender soluções, já que o Brasil é um imenso mercado – exemplo disso é a visita dos vice-presidentes das maiores empresas do setor -, mas também a certeza de que as pessoas comuns utilizarão as mesmas e talvez nem perceberão isso.
Toda essa efervescência em torno do uso de geotecnologias significa que mais e mais pessoas estarão fazendo uso não só de aplicativos, mas também de conceitos que até então não passavam dos portões das faculdades, ou que há muito estavam esquecidos, desde a época daquelas aulas de geografia nos primeiros anos de estudo da maioria dos brasileiros. Entretanto cabe avaliar de que forma esses conceitos estão sendo aplicados e que repercussões terão na vida daqueles que por ventura venham a ser atingidos por decisões tomadas com base em algum resultado oferecido por um simples programa de computador, sem antes passar por uma análise crítica.
Em destaque
Durante o GeoBrasil ocorreram três grandes palestras que considero fundamentais para expressar grandeza do acontecimento. Elas tiveram a participação dos representantes das maiores empresas do setor: ESRI, Autodesk e Sisgraph, que expuseram os rumos do setor de geotecnologias. Destaco aqui duas dessas palestras, que apesar de apresentarem temáticas diferenciadas, acabaram convergindo num ponto comum: a integração de grandes "produtores" e "consumidores" de informação espacial.
O Vice-Presidente da ESRI, David Maguire, expôs em sua palestra o chamado "compartilhamento de conhecimento geográfico". Ela tratou do futuro do GIS, apontando que ele está não somente na capacidade de "integração isolada" de cada empresa ou instituição, mas em um tipo de integração coletiva no qual as instituições e empresas estarão conectadas a um grande servidor de informação espacial. Este servidor será capaz de receber e enviar essa informação para todos os integrantes dessa "rede" e também disponibilizar para qualquer cidadão boa parte desses dados, organizados e com um nível de padronização próximo à perfeição.
Maguire chamou de E-GOV (Governo Eletrônico) o marco inicial para que sejam feitas as primeiras investidas nessa área. O E-GOV funcionaria como um portal onde estariam agrupadas todas as categorias de relevância para o cidadão comum, sendo que o dado espacial seria algo inerente à busca de informações.
Para alcançar esse objetivo, algumas medidas precisam ser tomadas, como o uso de padrões únicos na criação de "Spatial Data Infra-structure" (SDI), ou seja, o modo como os dados são criados devem seguir regras que o tornem capaz de agregar-se a qualquer outro tipo de informação gerada em lugares diferentes, fazendo parte de uma base unificada. Além disso, todos devem seguir os padrões de interoperabilidade dos dados, onde independente do aplicativo utilizado, os mesmos poderão ser convertidos para um padrão comum, valendo assim os objetivos do consórcio OpenGIS, onde fazem parte instituições públicas, centros de pesquisa e a iniciativa
privada, incluindo a própria ESRI.
Indo na mesma linha de pensamento, o vicepresidente da Sisgraph, David D. Holmes,ressaltou que a integração de dados espaciais em grandes portais de conhecimento geográfico, possibilitará a disseminação do saber geográfico a um grande número de pessoas, repercutindo em ações coletivas locais que provocarão mudanças globais. Ele ainda destacou que "tecnologicamente o caminho natural do GIS é a Internet e que as ferramentas de comunicação sem-fio serão uma extensão disso".
Luis Amadeu Coutinho
Geógrafo da UFES
Atualmente trabalha na Inflor Consultoria e Sistemas em Vitória – ES.
e-mail: amadeu@inflor.com.br