Novos prazos para georrefe-renciamento de imóveis rurais estabelecidos pelas recentes alterações da Lei 10.267 causam confusão em todo o país

Com móveis o advento da Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001, que criou o Cadastro Nacional de I-Rurais (CNIR) (lê-se kinir e não cenir) e efetuou alterações em várias leis, em especial na Lei dos Registros Públi-cos (Lei nº 6.015/73), a forma como os imóveis rurais são tratados sofreu grande alteração.

A partir de então surgiu o termo geor-referenciamento, um neologismo que está causando um enorme rebuliço no meio rural e ainda é alvo de muitas dúvidas e questionamentos.
De acordo com o § 3º do artigo 176 da Lei dos Registros Públicos, nos casos de desmembramento, parcelamento ou re-membramento, a identificação do imóvel rural deve atender a nova regra do geor-referenciamento.

O § 4º do mesmo artigo determina que o georreferenciamento será obrigatório para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados pelo Poder Executivo.

Tais prazos foram regulamentados pelo artigo 10 do Decreto nº 4.449, publicado em 31 de outubro de 2002. Portanto, desde essa data, todos os proprietários rurais souberam, pelo Diário Oficial da União, que teriam um prazo para georreferenciar seu imóvel, sob pena de limitação ao seu direito constitucional de disposição de seus bens. Aqueles que possuíam imóveis com área igual ou superior a 5.000 hectares tinham, portanto, apenas 90 dias para se adaptar à nova legislação.

Mas, a partir daí, começaram a surgir as dúvidas: qual é a precisão posicional que a lei disse que seria fixada pelo Incra? Quais são as regras para se obter a certificação do Incra nos termos do § 1º do artigo 9º do decreto regulamentador?

As respostas só vieram em 20 de novembro de 2003, quando o Governo publicou um pacote de atos normativos sobre o georreferenciamento (Instruções Normativas nº 12 e nº 13; e Portarias nº 1.101 e nº 1.102). Tais atos explicitaram, com a devida miúça, as regras para se obter a certificação de que o imóvel rural está adaptado às novas regras e portanto re-admitido novamente à esfera da livre disponibilidade de seu titular.

Mas, como ficam os prazos estipulados um ano antes pelo decreto? Como os proprietários rurais poderiam cumprir a lei sem antes saber quais as regras que estariam valendo? Há, portanto, um anacronismo injusto que merece reparo.

Em virtude desta situação, formada pelo decreto regulamentador (que estipulou os prazos em 31 de outubro de 2002) e pelos atos normativos do Incra (que estipularam as regras do jogo apenas em 20 de outubro de 2003), não há outra solução senão considerar o termo a quo desses prazos, ou seja, a data de publicação das regras do georreferenciamento que é 20 de novembro de 2003.

Dessa forma, a melhor interpretação do artigo 10 do Decreto nº 4.449/2002, com base nos atos normativos publicados em 20 de novembro de 2003, seria a seguinte, em comparação com os prazos atualmente em vigor:

Pela letra fria da lei, tais prazos não beneficiam os proprietários que desejam alienar parcela de seu imóvel mediante seu desmembramento, mas tão-somente nas situações de alienação integral do bem imóvel. Ou seja, deveria antes cumprir as regras da nova legislação do georreferenciamento, efetuar qualquer alteração física nos imóveis.

A Portaria do Incra nº 1.032, de 2 de dezembro de 2002, admitindo problemas de operacionalização dos procedimentos estabelecidos pela nova legislação, re-solveu estender as hipóteses abrangidas pelos prazos, até então restritas à alie-nação do imóvel, aos casos de desmembramento, parcelamento e remembramento de imóveis rurais.

Apesar da discutível constitucionalidade e legalidade desse ato normativo, o que importa destacar é que o Incra admitiu a existência de sérios problemas na lei que aos poucos estão sendo identificados pelos proprietários de imóveis rurais.Os principais problemas no tocante aos prazos são os seguintes: sua exigüidade, abrangência restrita a poucas hipóteses e flagrante desrespeito à gratuidade legal.

Ainda hoje, muitos imóveis encontram-se descritos em velhas transcrições e não nas matrículas que foram criadas pela Lei nº 6.015, em vigor desde 1º de janeiro de 1976.

Passadas quase três décadas da vigência da Lei dos Registros Públicos, ainda é comum a consulta dos "velhos livrões" para a emissão de certidões de imóveis ainda não matriculados por esse não mais novo sistema.

A transposição dos "livrões" para as matrículas foi um ato mecânico quase automático, pois se tratava de mera atividade administrativa a ser desempenhada com exclusividade pelo oficial de registro. O georreferenciamento não! A atividade sofreu uma mudança muito mais drástica. Trata-se de novas medições, contratação de profissionais competentes cadastrados no Incra e utilização de equipamentos de última geração disponível a poucos. Trata-se, portanto, de um sistema sofisticado, ultramoderno, que para ser implantado requer grandes mudanças de paradigmas.

Portanto, concluo que os prazos concedidos pelo decreto regulamentador da Lei nº 10.267/2001 são por demais exíguos e audaciosos, pois o Governo pretende, num espaço de tempo muito curto e as custas do proprietário rural, que o Brasil resolva de vez seus problemas relativos ao cadastramento de terras.

Passadas quase três décadas da vigência da Lei dos Registros Públicos, ainda é comum a consulta dos "velhos livrões" para a emissão de certidões de imóveis ainda não matriculados por esse não mais novo sistema.

O ideal mesmo seria a total redefinição dos prazos (aumentando-os consideravelmente) e fixar como termo a quo a data da publicação dos atos normativos que estipularam claramente as regras do jogo.

Outro aspecto que merece destaque é a concessão dos prazos a apenas algumas hipóteses, o que coloca o proprietário rural em situação difícil nas situações não abrangidas pela lei.

A primeira omissão, já corrigida pela Portaria do Incra, refere-se aos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóvel rural. Mas, há outras hipóteses que mereciam o mesmo tratamento e ficaram de fora. São elas: retificação judicial de área, usucapião e desapropriação.

Interpretando-se de forma restritiva a lei, o pequeno proprietário rural que retificasse judicialmente sua área não mais poderia averbar a nova descrição que constasse no mandado se esta não atendesse às rígidas regras do georreferenciamento. Injusto? Ilegal? Imoral?

Os prazos devem abarcar todas as hipóteses: alienações (conforme a lei e o decreto), os parcelamentos (conforme a Portaria do Incra) e as ações judiciais (conforme a lógica).

Outra grave omissão está no trato com a gratuidade prevista em lei para os proprietários de imóveis rurais com área inferior a 4 módulos fiscais. Após o último prazo (31/10/2005), nenhum imóvel rural poderá ser alienado sem que sua descrição esteja georreferenciada. Ou seja, estaria ele obrigado a georreferenciar seu imóvel apesar de, pela mesma lei, ser ele titular do direito de total isenção pelos trabalhos técnicos. Tal incoerência não procede e deve ser dirimida o quanto antes. Se tem-se direito à gratuidade, por que então exigir o georreferenciamento às suas custas?

Por pura coerência, devem ser desonerados do georreferenciamento todas as propriedades rurais com área não ex-cedente a quatro módulos fiscais (em Conchas-SP, 4 MF = 120 ha.), as quais deveriam ser paulatinamente atualizadas pelo Incra de acordo com sua disponibilidade operacional.

O Direito é uma ciência social e sua interpretação deve, sempre que possível, atender aos anseios da sociedade, com coerência e justiça. A radicalização não é o melhor caminho para o progresso. O georreferenciamento é excelente e tudo indica ser tal sistema a solução de uma série de problemas. Mas, sua implantação deve ser racional e deve respeitar as limitações existentes em nosso País. O excesso de formalismo poderá institucionalizar de vez a informalidade e a conseqüente insegurança jurídica nas operações imobiliárias.

A solução, portanto, está em flexibilizar as regras, tornando viável o programa. E, para isso, todos os setores da sociedade devem participar, cada um em sua área, com a sua especialidade, com a sua disposição. Vamos juntos procurar soluções para que esse projeto do georreferenciamento tenha sucesso e colabore de verdade para o desenvolvimento de nosso

Eduardo Agostinho Arruda Augusto
Diretor de assuntos agrários do IRIB – Instituto de Registro
Imobiliário do Brasil
Oficial de registro de imóveis de Conchas-SP
geo.irib@irib.org.br

Será palestrante do ExpoGPS 2005