Entenda conceitos e desvende aplicações das redes geodésicas de monitoramento contínuo

Desde as eras mais remotas da espécie humana os indivíduos migram em busca de mais recursos. Mesmo após os grupos se fixarem a uma região esse fenômeno persistiu. Tal fenômeno associado às novas atividades desenvolvidas, coexiste a necessidade de se saber a localização, quer do homem ou das demais coisas, sejam elas objetos ou informações, contidos no espaço terrestre ou fora dele.

A Geodésia está intimamente ligada a essa necessidade da nossa espécie. Ela foi capital em muitos processos de desenvolvimento e continua sendo na atualidade; pelo que podemos observar, cada vez mais. Foi importante, por exemplo, nos descobrimentos portugueses, no desenvolvimento do cadastro, na corrida espacial e é hoje importante nas telecomunicações, na agricultura e nas questões ambientais. No caso brasileiro ela é uma peça chave mais uma vez: na questão do gerenciamento do território e no encaminhamento para uma solução dos problemas fundiários que assolam este País por centenas de anos.

Com o desenvolvimento da Geodésia vieram os sistemas de posicionamento por satélite, entre os quais temos hoje, como o mais conhecido e empregado, o Sistema de Posicionamento Global ou GPS. Sobreveio também um novo conceito de se produzir Geodésia, mais difundida no cotidiano das pessoas, por conta principalmente desses sistemas de posicionamento hora em expansão.

Já não falamos mais em termos de GPS ou do GLONASS somente, falamos em GALILEO também, que em um futuro próximo se integrará ao conceito de Global Navigation Satellite System (GNSS).

Para termos uma simples noção da difusão dos sistemas de posicionamento na era da globalização basta uma pesquisa com a sigla GPS pela internet. Essa utilidade geodésica norte americana se entranhou de tal forma nas atividades humanas que, se alguém "desligar a chave" poderá causar sérios problemas em todo o planeta, pois ela é referência de posição e tempo para boa parte da navegação, das telecomunicações, das operações logísticas militares e civis entre muitas outras atividades.

Mudaram também os conceitos de se produzir Geodésia, no sentido das redes de pontos de referência, ou dos vértices geodésicos. Há aproximadamente 15 anos vemos o desenvolvimento de uma nova forma de se determinar pontos geodésicos com a tecnologia de posicionamento por satélites. Temos um novo conceito conhecido como redes ativas.

"A Geodésia está intimamente ligada à necessidade inerente de localização da espécie humana."

O que é uma rede ativa?

Basicamente, uma rede ativa é um conjunto de pontos de coordenadas precisamente determinadas em um sistema de referência geodésico. Instalados sobre esses pontos conhecidos, operam receptores de sinais de satélite de posicionamento com sistemas de comunicação de dados. A operação pode se dar por um período ou continuamente, gerenciada por um centro operacional responsável por manter o sistema e divulgar os dados via rede.

Existem as redes ativas que produzem dados para pós processamento, ou seja, o usuário realiza a sua coleta de dados e depois obtém os dados da rede ativa e processa os seus em conjunto. Há ainda redes com capacidade para tempo real (RTK), ou seja, numa determinada área de ação, menor que a anterior, o usuário com receptor integrado ao sistema de telemetria, recebe dados do sistema ativo e obtém um posicionamento em tempo real mais preciso do que aquele conseguido pelo método absoluto.

Algumas – conforme o objetivo, podem também divulgar correções DGPS para navegação mais precisa em tempo real.

As que se destinam a proporcionar precisão a uma gama mais ampla de usuários, devem ser realizadas com monumentos estáveis, geralmente pilares próprios com fundação, construídos em locais mais protegidos e com adequada visibilidade para a constelação.

Os pontos destas devem ser monitorados para que seja assegurado que o vértice não alterou a sua posição ou para acompanhar as alterações desta.

Para exemplificar tal necessidade podemos tomar o caso de num dos vértices da rede do Ordnance Survey do Reino Unido que, instalado em um farol e após um período de chuvas intensas veio a sofrer um deslocamento devido à movimentação da encosta. Devido à monitorização diária dos dados este evento foi detectado e os usuários informados.

Os receptores instalados devem possuir pelo menos a capacidade de armazenar dados com dupla freqüência, para que possam proporcionar melhor aproveitamento e um raio de ação mais amplo.

Existem redes mantidas por instituição pública ou por privada, rede regional ou mundial, tal como é o caso da rede do International GNSS Service IGS.


Fig. 1: Rede International GNSS Service IGS.Fonte www.igscb.jpl.nasa.gov.


Fig. 2: Rede do National Geodetic Survey NGS.
Fonte www.ngs.noaa.gov

Podemos verificar pela legenda da figura 2 que a rede do NGS é composta por sub-redes de várias instituições, conferindo maior abrangência e racionalização de recursos. Para que isso seja mais eficiente as estações devem possuir uma padronização mínima.

Também contamos com uma estrutura geodésica deste gênero no Brasil, que vem sendo mantida e ampliada pelo IBGE, desde 1994, em parceria com diversas instituições brasileiras, inclusive a Universidade de São Paulo. A Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo (RBMC) tem sido empregada desde então para diversos fins de posicionamento. Embora muitos usuários ainda não tenham se habituado ao seu uso, ele vem aumentando e tende a crescer cada vez mais.


Fig. 3: Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo.
Fonte www.ibge.gov.br

Paralelamente à RBMC, temos outras redes ativas mantidas por Órgãos Públicos como o INCRA e a Marinha ou por entidades particulares, tal como empresas que comercializam equipamentos. As características dessas redes podem diferir daquela da RBMC, por exemplo, a do INCRA, denominada Rede INCRA de Bases Comunitárias RIBaC, emprega receptores com uma freqüência, mas o órgão pretende melhor adequá-la aos conceitos necessários.

Uma das características fundamentais para uma rede ativa de uso público é que o vértice estabelecido para a estação ativa, deva fazer parte do Sistema Geodésico Brasileiro (SGB). Sem este princípio básico a utilização é limitada e os valores determinados exclusivamente a partir dela não possuem as características necessárias a atividade como por o georreferenciamento de imóveis rurais, por exemplo.

"Desde 1994 o IBGE mantém a RBMC, utilizada pelos usuários para diversos fins. As estações da RBMC e de outras redes homologadas estruturam o georreferenciamento no Brasil."

Portanto, as entidades que mantêm estações ativas vêm procurando homologá-las junto ao IBGE, o que requer que seja realizado um projeto adequado. Para tanto, o instituto disponibiliza normas em seu site.

Homologada a estação geodésica, esta se equipara a uma obra pública, nos termos do Decreto Lei 243 de 28 de fevereiro de 1967, capítulo VII: Dos Marcos, Pilares e Sinais Geodésicos; artigo 13º, devendo ser de livre acesso e estando "protegido por Lei (Código Penal e demais leis civis de proteção aos bens do patrimônio público)."

Os dados da RBMC podem ser obtidos através do site do IBGE www.ibge.gov.br/geodésia, onde estão os acessos aos diversos serviços e dados, dentre eles o banco de dados da RBMC. Basta cadastrar um e-mail para ter acesso gratuito.

Os dados são dispostos em um formato padrão que é aceito pelos programas de processamento de várias marcas do mercado e são compostos por arquivos no formato RINEX, com duração de aproximadamente 24 horas e taxa de aquisição de 15 segundos. Além disso, podem ser facilmente escolhidos por estação e por dia. Como existem problemas com uma ou outra estação, quando isso ocorre são emitidos avisos, para que o usuário possa ter previamente melhor capacidade de programação.

As estações ativas homologadas pelo IBGE apresentam procedimentos semelhantes quanto ao descarregamento dos dados. Uma diferença, contudo, consiste na disposição de dados por períodos de uma hora o que requer a concatenação de arquivos para as observações que envolvem vetores com distâncias maiores ou mais precisas, bem como o acesso aos dados em algum caso.

"Uma das características fundamentais para uma rede ativa de uso público é que o vértice para a estação ativa deve fazer parte do Sistema Geodésico Brasileiro."

A RBMC constitui uma estrutura geodésica eficiente e abragente cuja utilidade não se resume somente ao posicionamento. Os dados produzidos por suas estações são importantes em outras áreas do conhecimento, como, por exemplo, em estudos relativos a atmosfera.

No momento atual do Brasil, o seu papel é chave, frente a vigência da lei 10.267 de 28 de agosto de 2001 e demais documentos legais pertinentes. Embora possamos contar com as Redes Geodésicas Estaduais, as estações ativas da RBMC e demais estações homologadas proporcionam um importante arcabouço para o georreferenciamento.

Alguns representantes dos setores que envolvem a questão do cadastro no Brasil chegam a alegar que não estamos preparados para desenvolvê-lo, pois teríamos ainda deficiência no aspecto de uma disponibilidade suficiente de pontos geodésicos em todo o território nacional. Realmente temos ainda necessidade de desenvolver o SGB em termos de uma realização mais abrangente e na escala adequada ao tamanho do País. Basta ver o exemplo dos Estados Unidos na figura 2. O país tem dimensões próximas ao Brasil em termos de território, porém com um desenvolvimento mais antigo em Geodésia e com maior organização e aporte de recursos; possui, portanto, maior quantidade de pontos de referência, isto só para falar em termos de rede ativa.

Entretanto, afirmar que a viabilidade de nosso cadastro de imóveis rurais é comprometida pela falta de apoio geodésico não reflete a nossa realidade, pois temos uma rede ativa que – embora ainda pequena – é, minimamente, suficiente para viabilizar este georreferenciamento.

Faz-se necessário, entretanto, proporcionar aos profissionais melhor acesso aos equipamentos adequados e, sobretudo, à melhor capacitação frente à alteração do paradigma que nos trouxeram a evolução da ciência e das leis; mesmo porque não é simplesmente o acesso ao equipamento que o capacita para a elaboração do georreferenciamento de imóveis rurais.

O acesso aos equipamentos pode ser dado através de linhas especiais de crédito e os bens adquiridos serão pagos pelos serviços prestados pelo profissional.

Uma parcela dos profissionais, percebendo antes a evolução, já procurou se adequar mediante cursos de pós-graduação e o País conta com vários cursos de engenharias de agrimensura e de cartografia em instituições públicas.

Aqueles que adquiriram conhecimento e investiram seu capital da forma adequada estão capacitados a produzir levantamentos em qualquer parte do País, contando somente com as redes Estaduais e a RBMC.

Com a evolução do GNSS em andamento é provável que tenhamos acesso a equipamento de dupla freqüência com menor custo.

Avaliando o que tem ocorrido no mundo nas últimas seis décadas, falando principalmente em termos de Geodésia, o observador percebe que será cada vez maior a difusão do uso desses sistemas de posicionamento e, com eles, as redes ativas. Talvez em pouco tempo possamos contar no Brasil com um sistema mais abrangente, combinando as redes ativas em operação, modernizando e ampliando as redes públicas existentes.

Régis Bueno
Engenheiro Agrimensor, Msc, diretor da Geovector
Engenharia Geomática.
regisbueno@uol.com.br