Por Claudio Angelo, da Folha de SP
O primeiro mapa feito por imagens de satélite do tamanho do estrago causado pela atividade madeireira na Amazônia acaba de ser publicado por um grupo dos EUA e do Brasil. A má notícia é que, se os cientistas estiverem certos, o dano provocado pelo homem à floresta é o dobro do que se contabilizava até agora. A boa é que o governo brasileiro pode ter à mão, finalmente, um sistema para detectar pressões que até agora eram "invisíveis" aos olhos dos satélites – de novo, se os cientistas estiverem certos.
O estudo, coordenado por Greg Asner, da Universidade Stanford (EUA), revela que a exploração de madeira entre 1999 e 2002 subtraiu de 12 mil a 19,8 mil quilômetros quadrados de cobertura florestal por ano em cinco Estados: Pará, Mato Grosso, Acre, Rondônia e Roraima. Essa cifra é uma espécie de "caixa dois" da devastação, não-contabilizado pelas estatísticas oficiais de desmatamento. Segundo os autores, ela representaria de 60% a 123% do que se desmatou anualmente nesse período. "Nós mostramos que há uma fonte enorme de perturbação para a qual os cientistas não estavam atentando", disse Asner.
No entanto, antes mesmo de ser publicado, na edição de outubro da revista científica "Science", o estudo já provocou reação no Brasil. Duas instituições que até então viviam às turras em torno da interpretação de dados de satélite do desmatamento, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), divulgaram uma nota técnica conjunta apontando "várias inconsistências" no trabalho.
Segundo Carlos Souza Jr., pesquisador do Imazon que desenvolveu uma metodologia própria para detectar via satélite o corte seletivo, o grupo de Asner provavelmente superestimou a área de exploração. Souza Jr. e o grupo do Inpe, liderado por Gilberto Câmara, também dizem acreditar que o estudo da "Science" tenha confundido afloramentos de rocha em reservas indígenas do sul do Pará com a "assinatura" da exploração de madeira nas imagens. Embora admita que haja incertezas, Asner afirma que a metodologia foi avaliada por um grupo independente e se mostrou sólida.
Visão aguçada
O que o americano fez foi desenvolver um sistema computacional que refina imagens do satélite Landsat, principal fonte de informação sobre desmatamento. É com base no Landsat que funciona o Prodes, sistema do Inpe que fornece todos os anos a taxa de desmatamento oficial. No biênio 2001-02, por exemplo, a estimativa do Prodes foi de que 23 mil quilômetros quadrados de floresta sumiram na região. Acontece que o Prodes foi feito para detectar mudanças na cobertura florestal –de mata para pasto, por exemplo. Portanto, não capta a atividade madeireira. Além disso, o sistema é "míope" para impactos em áreas pequenas, como clareiras abertas no mato para empilhar toras.
A tecnologia de processamento de imagens desenvolvida por Asner e batizada de Clas (Sistema Carnegie de Análise de Landsat) usa informações de outros satélites como "óculos" para a miopia do Landsat. Além disso, ela permite ao computador reconhecer as "assinaturas" da exploração de madeira, como marcas de trator. Cruzando os dados do satélite com levantamentos de campo, o grupo estimou que 27 milhões de metros cúbicos de madeira tenham sido extraídos nos cinco Estados só em 2002 –algo próximo de estimativa anterior do Imazon. "Isso mostra que a avaliação do alto pode ser eficiente", diz José Natalino Silva, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), co-autor do estudo.
Souza Jr. pede calma. "Eles estimaram 50 milhões de metros cúbicos de madeira extraída em 1999. A impressão é que há uma superestimativa. Talvez a exploração de anos anteriores esteja contaminando o resultado." O cientista do Imazon deve publicar em breve no periódico "Remote Sensing of the Environment" um estudo que estima a área da exploração de madeira também usando dados de satélite. Ele não diz quanto, mas afirma que seus resultados indicam uma "devastação oculta" mais modesta.
Outro ponto polêmico é o total de emissões de carbono pela exploração de madeira. Asner e colegas estimam que ela seja de 100 milhões de toneladas ao ano -metade de tudo o que o Brasil emite por queimadas e desflorestamento. "Esse valor se baseia em extrapolações irrealistas", dizem Inpe e Imazon na nota, ressaltando que a extração seletiva, embora emita carbono num primeiro momento, absorve-o depois, quando a floresta se regenera.
Confira na íntegra a nota de resposta do INPE e do Imazon AQUI.