Grande parte da floresta amazônica no Mato Grosso está sendo convertida diretamente para o plantio de culturas agrícolas, antes de passar pelo processo de pastagem. A soja substituiu a floresta diretamente, sem contar com o efeito conhecido do grão de "empurrar" a fronteira agrícola indiretamente, estimulando a pecuária a ocupar novas áreas.

É o que aponta artigo publicado no site da Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas). O trabalho é assinado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e das Universidades de Maryland e New Hampshire, nos Estados Unidos.

O estudo derruba dois argumentos comuns dos sojicultores para dissociar sua atividade da fama de devastadora da floresta. Um é o de que a soja só ocupa áreas previamente desmatadas para pastagem e abandonadas pelos pecuaristas. O outro é o de que as variações do preço do grão só se refletirão nas taxas de desmatamento dois ou três anos adiante.

Através do cruzamento de imagens de satélite com levantamentos em campo, os cientistas estimaram em 5.400 quilômetros quadrados o total de floresta convertida diretamente para grãos em Mato Grosso de 2001 a 2004.

No ano de 2003, quando o preço da soja no mercado internacional atingiu seu pico, a conversão direta para lavoura representou quase um quarto de tudo o que se desmatou no Mato Grosso.

O trabalho, desenvolvido no âmbito do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), iniciativa internacional de pesquisa liderada pelo Brasil, teve como base mapas de desflorestamento, pesquisas de campo e imagens de satélites de plantações, pastos e áreas de reflorestamento.

Este estudo envolveu apenas a fase de identificação da utilização de terras. Uma análise dos impactos ambientais, o que inclui o fluxo de carbono e a fragmentação da floresta, poderá ser feita em estudos futuros, uma vez que Mato Grosso é o estado brasileiro com maiores índices de desflorestamento e produção de soja desde 2001.

Emissões de gás carbônico

Uma das descobertas mais relevantes do estudo é o que acontece com o carbono retido na floresta e lançado na atmosfera após o desmatamento. Pela primeira vez foi possível acompanhar durante quatro anos as emissões de carbono após o desmate. A conclusão: o avanço do agronegócio capitalizado e mecanizado sobre a floresta está agravando o efeito estufa.

O desmatamento, em especial na Amazônia, já responde por 75% das emissões brasileiras de gás carbônico. Até agora, no entanto, os cientistas achavam que esse carbono fosse emitido mais lentamente, pela decomposição de tocos e raízes numa área desmatada, e que parte dele voltasse ao solo por rebrota de parte da floresta em áreas transformadas para pasto.

O que o novo estudo mostra é que, no caso da conversão para grãos, as emissões acontecem todas de uma vez, e o seqüestro de carbono por rebrota é zero.

Tese: políticas públicas alternativas

Os principais mercados do país, como São Paulo e Nordeste, têm influência direta na ocupação da Amazônia. Desconsiderar este fator tornará ineficaz qualquer medida de controle do desmatamento na região.

Esta é uma das conclusões da tese de doutorado de Ana Paula Dutra de Aguiar, defendida recentemente no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia.

“A principal hipótese analisada no trabalho é a importância de medidas de conectividade a mercados para explicar os padrões espaciais de ocupação da Amazônia”, explica a autora de “Modelagem de mudanças do uso da terra na Amazônia: explorando a heterogeneidade intra-regional”.

Para a pesquisadora, a distância de grandes centros urbanos ou de estradas, a conexão com o mercado, o clima e a existência de áreas protegidas são os fatores que ditam se uma área é mais ou menos propensa a ser desmatada.

Para explorar hipóteses sobre o processo de ocupação humana na Amazônia, ela utilizou uma versão adaptada para a Amazônia do modelo computacional CLUE. Os resultados da tese explicam tanto padrões de desflorestamento do passado como a dinâmica recente das novas áreas de ocupação na Amazônia Central, através de um modelo que projeta mudanças no uso da terra.

O modelo é utilizado para explorar impactos de políticas públicas alternativas nos padrões de desflorestamento no médio prazo (até 2020). São analisadas obras de infra-estrutura de estradas, criação de áreas protegidas e medidas de controle de atividades ilegais. 

Os resultados do modelo ilustram a capacidade do setor produtivo de se reorganizar e redirecionar a ocupação para novas áreas, de modo a atender uma demanda interna e externa crescente por produtos agropecuários (em especial, carne e soja).

Uma questão importante abordada pelo trabalho são efeitos regionais, não necessariamente benéficos, de políticas públicas aplicadas apenas localmente – por exemplo, ações pontuais da Polícia Federal e Ibama para coibir atividades ilegais.

“A principal recomendação em termos de políticas públicas é justamente esta: a necessidade de medidas de controle abrangentes que considerem os efeitos regionais da pressão do mercado, e busquem minimizar esta pressão e organizar o processo de ocupação em todas as suas frentes”, conclui a Dra. Ana Paula Dutra de Aguiar.