Reflexões sobre alguns aspectos fundamentais para tornar realidade essa utopia.
A Infra-estrutura de Dados Espaciais pode ser definida como “o conjunto de esforços para garantir bases para descoberta, avaliação e utilização de dados espaciais”. Esta definição é dada pela organização internacional Global Spatial Data Infraestructure (GSDI), cuja primeira reunião foi em 1996, em Bonn, na Alemanha. Este ano, em novembro, será em Santiago do Chile a conferência internacional anual deste fórum com mais de 50 países membros, onde o Brasil é representado pelo INPE.
Que o compartilhamento de dados espaciais seria positivo para o Brasil, é indiscutível. Criar condições para universalizar o acesso iria aumentar a oferta de dados de qualidade, fazer melhor uso de orçamentos escassos para mapeamento, melhorar a qualidade de serviços, oferecer acesso mais amplo e democrático às informações, aumentar o potencial de geração de empregos no mercado de geotecnologias, incentivar novos negócios, favorecer a transparência das organizações. Enfim, indústria, governo, academia e cidadãos em geral iriam perceber os benefícios.
Entretanto, o Brasil ainda está atrasado nessa discussão, observando pelas datas abaixo:
Austrália
ALIC, posteriormente ampliado para ANZLIC, com a Nova Zelândia – 1986
Estados Unidos
FGDC – 1990 , NSDI 1996
União Européia
Inspire – 2001
Para a reflexão sobre quais aspectos seriam necessários para iniciar o processo no Brasil , este artigo se baseia no “SDI Cookbook”- em bom português, “Livro de Receita para Infra-estrutura de Dados Espaciais” – publicação feita pelo GSDI (http://www.gsdi.org/gsdicookbookindex.asp, em inglês e espanhol).
Aspecto 1 – Dados espaciais
Dados espaciais são dispendiosos, e frequentemente cada organização tem um orçamento menor do que a quantidade e qualidade de dados que precisaria dispor. No Brasil, a deficiência em cartografia básica de escala apropriada, tanto pela inexistência quanto pela falta de atualização, é notória em várias regiões.
A proposta da SDI é que os dados sejam realmente aproveitados pelo maior número possível de usuários, aumentando o benefício do dinheiro investido e diminuindo re-trabalho. É importante também que os dados não sejam restritos a um determinado tipo de software, o que diminui a sua aplicabilidade.
Definem-se em conjunto quais seriam as informações a fazer parte da “Base Cartográfica”, dados gerais que compõem mapas de diversos usos, tais como: ortoimagens, dados de apoio geodésico, altimetria, hidrografia, entre outros. O ideal é que as informações em geral sejam atualizadas no ponto onde elas são produzidas, para que se evite centralização exagerada que obrigue a duplicação de dados, um procedimento geralmente ineficiente.
No Brasil, os principais atores dos temas da base cartográfica já vêm realizando esforços em termos de disponibilizá-la, tanto INPE com as imagens CBERS, como a DSG e o IBGE com as cartas topográficas. Entretanto, surge a reflexão de como ampliar e integrar os trabalhos destas instituições e como obter meios para que os dados sejam ainda melhores e mais atualizados.
Aspecto 2 – Metadados
Organizar as informações sobre o acervo espacial, não melhora só a troca de dados entre instituições, mas a organização dos dados, a eficiência no mapeamento e a continuidade de projetos dentro de cada organização. Muitas vezes, dados que são perdidos ou esquecidos, inclusive em momentos de trocas de equipe. Os metadados cadastrados evitam que o especialista em geoprocessamento seja a única pessoa que saiba exatamente o conteúdo e a localização dos dados.
Primeiramente, sobre a questão dos padrões de metadados, já existem os padrões FGDC e ISO, bem como ferramentas para catalogá-las. A maior dificuldade é que este é um processo trabalhoso: levantar a informação e catalogá-la exige um grande esforço. É importante definir um conjunto mínimo de dados necessários, que sejam detalhados o suficiente para descreverem os dados e enxutos o suficiente para que não seja impossível de preenchê-los. É útil também pesquisar formas de cadastrar dados repetitivos, como várias folhas do mesmo mapeamento.
Aspecto 3 – Catálogos
É fato que já existe no país um grande número de informações a serem descarregadas na máquina do usuário ou mesmo acessadas diretamente em servidores de dados espaciais. Como fazer para que os usuários saibam que estas informações estão disponíveis? Atualmente, a divulgação é feita pela própria instituição, ou também através de listas e publicações.
Um catálogo pode permitir que através da busca nos metadados de várias instituições, o usuário possa descobrir o que está disponível em que qualidade, escala e data de atualização, e a forma de obtenção.
Para instituições que realizaram um grande esforço para colocar os dados no ar, a ampliação do número de usuários do sistema é positiva. Até mesmo para dados não públicos, é uma forma potencial de comércio online, podendo gerar mais negócios para empresas do setor, e potencialmente até reduzindo o custo unitário do mapeamento. Exemplos de catálogos são o americano, www.geodata.gov e australiano, http://asdd.ga.gov.au/asdd.
Aspecto 4 – Visualização de dados online
Este é um aspecto já bastante desenvolvido, pelo menos em termos de Web Mapping Services (geração de mapas em formato de imagens), com padrões existentes do Open Geospatial Consortium (OGC).
Já existem também hoje inúmeras ferramentas, tanto livres como comerciais, para acesso remoto a servidores WMS (inclusive o Ministério do Meio Ambiente já disponibilizou um servidor com grande número de informações para o Brasil dentro desde formato http://mapas.mma.gov.br/cgi-bin/mapserv?map=/opt/www/html/webservices/baseraster.map&REQUEST=getcapabilities&SERVICE=WMS&VERSION=1.0.0). Especificações e linguagens como GML e SVG estão expandindo os horizontes para também o tráfego de feições pela internet, e as aplicações continuamente tendem a ficar mais completas e funcionais.
Aspecto 5 – Acesso aos dados
A grande questão não é apenas a gratuidade dos dados. Mesmo que sejam pagos, existe hoje em dia uma grande nebulosidade sobre o processo da obtenção de certas informações. Atualmente, são poucas instituições que possuem uma política transparente de acesso aos dados.
E uma vez que essa comunicação esteja estabelecida, ainda é fundamental que se compreendam os conceitos que o produtor dos dados utilizou na sua criação. A definição de “Floresta”, por exemplo, pode variar muito em diversas esferas. A este conjunto de conceitos é dado o nome de “Ontologia”. Hoje este tema é alvo de várias pesquisas acadêmicas, tratando do grande desafio de harmonizar e criar processos de tradução entre diferentes ontologias.
Aspecto 6 – Geoserviços
Este é um aspecto ainda na fase inicial de utilização. Mas imaginando que, com os dados disponíveis, pessoas e instituições queiram também oferecer serviços espaciais (como geração de MDT, ortoretificação de imagens, entre outros).
Para estes serviços, também interoperáveis de forma a serem combinados entre si se necessários, será possível também a mesma definição de descrições, catálogos e padrões que está sendo desenvolvida para os dados espaciais.
Aspecto 7 – Capacitação
Em todas as esferas de uma SDI, usuários, produtores de informação, e diversos outros atores têm que ser treinados para as mudanças tecnológicas e comportamentais necessárias para o compartilhamento de dados e aplicação de padrões.
E mais do que isso, os envolvidos em diversos níveis, inclusive na formulação de políticas públicas, precisam ser continuamente conscientizados da importância da SDI para todos.
Aspecto 8 – Políticas públicas
A seguinte descrição da SDI é muito interessante para resumir a complexidade da coordenação interinstitucional envolvida num processo de construção de uma SDI:
“O acesso à informação geográfica é alcançado através de ações coordenadas de nações e organizações que promovem a conscientização e a implementação de políticas públicas, padrões comuns e mecanismos eficientes de desenvolvimento e disponibilização de dados digitais interoperáveis e tecnologias para sustentar a tomada de decisão, em todas as escalas, para objetivos múltiplos.
Essas ações incluem políticas de acesso, responsabilidades organizacionais, dados, tecnologia, padrões, mecanismos de distribuições, e recursos financeiros e humanos necessários para assegurar que esses trabalhos em escala local, regional e nacional não estão sendo impedidos de atingir seus objetivos”.
Para que essa coordenação não se restrinja a apenas um mandato de um governo, e seja descontinuada por falta de interesse de determinada gestão, é importante que a comunidade lute para que sejam formalizadas, na medida do possível, as regras para o acesso aos dados, garantindo a transparência do processo.
-> Catálogo online de serviços e dados geográficos
No Brasil, a Comissão Nacional de Cartografia (CONCAR – www.concar.ibge.gov.br) já apresenta, em seus Comitês Especializados e na sua proposta de modernização, a importante iniciativa de liderar o processo de SDI no Brasil. Para isso, seria importante que a representatividade fosse revisada, pois hoje é majoritariamente formada por membros do governo federal, e que assim a comissão fosse ampliada e fortalecida.
Silvana Phillipi Camboim
Engenheira cartógrafa e diretora da Geoplus Geotecnologia e Informática Ltda
silvana@geoplus.com.br