Evento no Chile discute como a utilização de dados espaciais pode minimizar o impacto da falta de recursos nos países em desenvolvimento
De 6 a 10 de novembro de 2006, reuniram-se em Santiago do Chile representantes de instituições nacionais de mapeamento, empresas, organismos internacionais – como ONU e Banco Mundial-, universidades e instituições globais de colaboração em estabelecimento de padrões, como ISO e Open GeoSpatial Consortium (OGC).
O encontro aconteceu durante a 9ª GSDI-Conferência da Infra-Estrutura Global de Dados Espaciais (GSDI), cujo tema principal foi o uso dos dados espaciais, tecnologia de informação e infra-estrutura para questões relacionadas à pobreza.
As Infra-Estruturas de Dados Espaciais (IDEs) são esforços para garantir a disseminação e utilização de dados geográficos, e podem ser constituídas em níveis local, nacional, regional e global. Para trocar experiências, apoiar iniciativas e disseminar informações que garantam a coordenação desses esforços, foi criada uma associação: a GSDI Association, que promove conferências mundiais a respeito do tema.
O primeiro GSDI aconteceu em Bonn, na Alemanha, em 1996, e desde então é realizado em continentes alternados. Austrália, África do Sul, Hungria, Colômbia e Índia são exemplos de países que já foram sede do evento. A próxima edição será realizada nas Ilhas Fiji, em 2008.
A conferência de 2006 atraiu mais de 400 participantes de 62 países. Foram 193 apresentações, 53 pôsteres, 8 workshops e 6 mesas-redondas, além de várias reuniões de negócios. O local escolhido foi o prédio do Museu Histórico Militar, na capital chilena. O evento foi organizado pelo Instituto Geográfico Militar (IGM) do Chile e contou com o patrocínio das empresas Intergraph e ESRI.
Os arquivos com os artigos apresentados e mais informações sobre o evento podem ser encontrados nos sites www.gsdi9.cl e www.gsdi.org/gsdiConferences.asp
Ferramenta para redução da pobreza
Os sistemas alimentados por informações espaciais atuam como ferramentas muito úteis para fornecer indicadores ambientais, sociais e institucionais para tomada de decisão. O coronel Luiz Alegria, do IGM, abriu o evento questionando: “se a tecnologia já existe, o que ainda falta para colocar tais ações em prática?” Ele citou então iniciativas fundamentais, começando pela disposição em buscar soluções e passando essencialmente pela criação de políticas públicas e padrões de interoperabilidade, com o necessário aporte de recursos.
Harlan Onsrud, professor da Universidade do Maineque, que passou o cargo de presidente da GSDI Association para o finlandês Jarmo Ratia durante o evento, falou também sobre a transferência de recursos de países desenvolvidos aos que mais necessitam. Ele criticou que, apesar de 7% do PIB dos países desenvolvidos estar direcionado para ajudar países mais pobres, esses recursos ainda são mal-distribuídos. “Devemos, como profissionais da área, colocar a tecnologia a serviço do bem-estar social”, propôs.
-> Mapa das taxas mortalidade infantil na América Latina em 2000
(Fonte: CIESIN Global Poverty Mapping Project)
Workshop do Perfil Latino Americano de Metadados (LAMP – Latin American Metadata Profile)
O Instituto Panamericano de Geografia e História (IPGH) coordenou uma tarde da conferência integralmente dedicada à discussão de um perfil de metadados aplicado à América Latina. Um perfil de metadados é um subconjunto customizado dos metadados previstos na norma ISO, ou seja, um dicionário que detalha os significados dos termos a uma determinada realidade, considerando os idiomas locais.
Estavam presentes nessa tarde representantes da ISO/ TC211, OGC, Federal Geographic Data Committee (FGDC) e de vários países latino-americanos. Em sua apresentação, Henry Tom, da ISO, retratou a importância dos padrões de metadados citando uma pesquisa de 2005, com 400 instituições em âmbito mundial, das quais 80% estão envolvidas em alguma IDE. Um total de 95% acredita na importância da existência de padrões.
David Danko, representando a ESRI, que patrocinou esse workshop, ressaltou o papel vital dos metadados para ajudar a localizar, avaliar, extrair e empregar adequadamente os dados. A idéia no futuro é fundir o LAMP com o NAP para se construir um padrão de metadados espaciais para toda a América.
IDE e software livre: o exemplo do GeoNetwork Open Source
Entre as várias soluções, proprietárias ou não, para uso em IDEs apresentadas no evento, uma solução bem completa foi a compilada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O GeoNetwork Open Source é um framework desenvolvido com o objetivo de tornar-se um ponto de união entre as diversas tecnologias open source existentes no mercado e com isso facilitar o acesso à informação espacial.
Baseado em padrões internacionais como ISO e OGC, o GeoNetwork alcança o máximo de interoperabilidade entre softwares livres e proprietários. Com instaladores para versão desktop e server, basta fazer download no site dos arquivos. (Obs.: O tamanho do instalador é grande – cerca de 2 GB – portanto um bom acesso com banda larga é indispensável).
O GeoNetwork Open Source permite:
• Acesso imediato para consulta a bases locais e remotas;
• Upload e download de dados, gráficos, documentos, arquivos pdf e qualquer outro tipo de conteúdo;
• Visualização de mapas interativos em ambiente web que combinam serviços de servidores distribuídos pelo mundo;
• Edição de metadados online;
• Suporte para ISO 19115 e FGDC;
• Sincronização entre catálogos de forma programada;
• Controle de acesso aos dados;
• Gerenciamento de usuários e grupos;
• Interface em diversos idiomas.
Para saber mais, visite o site http://geonetwork.sourceforge.net
Mapeamento uniforme do planeta – Global Mapping Project
Uma das organizações internacionais que se reuniu durante o evento foi o Global Mapping Project, um esforço de mapeamento de toda a área não submersa do planeta, com especificações consistentes, realizadas pelos 179 países membros do projeto com suporte do Secretariado do Programa (Japão – International Steering Committee for Global Mapping – www.iscgm.org).
O trabalho é realizado na escala 1:1.000.000, com camadas de dados vetoriais (fronteiras, transporte, drenagem, centros populacionais) e raster (elevação, cobertura do solo, uso do solo e vegetação). A idéia é que a iniciativa compreenda também dados multitemporais alinhados com o projeto Global Land Cover, que prevê fases periódicas de classificação de cobertura do solo em escala global.
O Comitê manifestou o interesse de que sejam apresentados projetos de aplicação dessa base de dados, entre elas principalmente aplicações para resposta a desastres naturais. Os dados têm sido publicados na internet desde 2000.
-> Progresso do mapa global em dez/2006
Bolsas e oportunidades
São várias as oportunidades de cooperação internacional apresentadas no evento. A ajuda pode vir na forma de pacotes de software para prefeituras (projeto apresentado pela Organização dos Estados Americanos), recursos financeiros para projetos (GSDI Small Grants Program), ou mesmo de profissionais que se voluntariam a passar um determinado tempo transferindo seus conhecimentos específicos em prol de uma comunidade (GIS Corps):
GSDI Small Grants Program:
É um programa de ajuda para atividades relacionadas à Infra-Estrutura de Dados Espaciais em nações em desenvolvimento. O recurso doado é de 2.500 dólares por projeto. Mais informações no site www.gsdi.org/newslist/posts/newspostpage.asp?PK_ID=86
GIS Corps:
É uma organização não-governamental que procura coordenar esforços de profissionais voluntários em projetos de cunho social, que necessitem de orientação de especialistas. Hoje já são mais de mil profissionais cadastrados de 47 países nos 5 continentes. Projetos da área ambiental, de saúde, sociais e de desenvolvimento podem se cadastrar no site http://giscorps.org
Profissionais brasileiros também podem se candidatar como voluntários, o que seria de grande utilidade em nosso país, uma vez que a possibilidade de atuação de um voluntário estrangeiro fica limitada pela questão da língua portuguesa.
Experiências de outros países
Durante um evento como esse, é grande a oportunidade para aprender com países que já possuem IDEs estabelecidas há anos, pois na América Latina as discussões ainda estão embrionárias. Em países como a Austrália já existem dados históricos que permitem avaliar o desempenho das ferramentas.
Lá, como estão partindo para uma segunda geração das IDEs, eles retratam a evolução do que era inicialmente apenas uma cooperação entre instituições – sem regras formais para criação de dados – para uma segunda fase de coordenação de esforços, onde os dados são compartilhados até chegar ao estágio atual de parceria, com objetivos em comum materializados sob a forma de colaboração formal.
Entre os países que estabeleceram Clearinghouses, que são portais de informação geográfica, a experiência tem mostrado que esses precisam ser mais centrados em serviços e nos usuários, pois do contrário serão cada vez menos utilizados. O importante é investir nos usuários, além dos profissionais da área de GIS.
Vários países, com portais em funcionamento há algum tempo, destacam a importância de interfaces amigáveis e de continuidade na disponibilização de recursos financeiros, para que este tipo de projeto seja bem-sucedido.
Entre os países da América Latina, temos bons exemplos como o do Chile, com o Sistema Nacional de Informações Territoriais (SNIT), com o marco legal recentemente estabelecido. Outro destaque é a Colômbia, que entre outras inovações possui o Sistema de Administração de Metadados Geográficos (SWAM), que primeiramente utilizou o padrão de metadados do FGCD com software comercial, hoje utiliza o padrão ISO e está migrando a tecnologia para software livre.
Nesse sistema, em 4 meses foram cadastrados impressionantes 122.859 metadados. Podemos também ressaltar a apresentação do GeoCuba, que possui uma IDE orientada aos usuários, focada no direito dos cidadãos à transparência do governo.
Declaração de Santiago
Das conclusões geradas na 9ª Conferência Internacional da Infra-estrutura Global de Dados Espaciais, a Associação Internacional da Infra-estrutura Global de Dados Espaciais, os palestrantes e os participantes firmaram a Declaração de Santiago.
Como membro da comunidade de geotecnologia e participante do evento, foi importante vivenciar o clima predominante de avaliação dos passos já dados, de extensão das funcionalidades aos usuários e, de certa forma, que o mundo “espacial” saia de seu isolamento e esteja cada dia mais disponível na realidade das pessoas e instituições.
Esperamos que, no futuro, o caminho para a integração de dados e a troca de experiências seja fortalecido, para que os recursos já escassos de mapeamento sejam mais bem utilizados e que, finalmente, os benefícios destas informações vitais sejam aplicados com o objetivo de diminuir a pobreza e melhorar a qualidade de vida da população.
É preciso que a comunidade de geotecnologias rompa as barreiras do distanciamento, das amarras históricas contra a distribuição de dados, dos recursos escassos para área e que saibamos olhar para as experiências de países que já trilharam esses caminhos e superaram dificuldades similares. Desta forma, poderemos colocar como prioridade em nossas ações a produção de um impacto maior sobre a sociedade em que vivemos.
Silvana Phillipi Camboim
Engenheira cartógrafa e diretora da GeoPlus
silvana@geoplus.com.br