Por Mathias Lemmens
Viver sem informação é viver cegamente. Sem informação não há planejamento, entendimento, tomadas de decisão nem comunicação … informação é o que faz o mundo girar. Mesmo com os satélites de Observação da Terra (OBT) sendo lançados um após o outro, existem impedimentos de uso de todos os peta bytes (mega x giga) de dados gerados por esses sensores. Ainda que os dados de OBT estejam esperando para serem utilizados em benefício do planeta e de todas as populações, também são freqüentemente cobertos por uma fina camada de poeira em algum arquivo obscuro. Dados OBT negligenciados não ocorrem pela falta de apreciação de seu valor em termos de entendimento de processos relacionados com a Terra. Ao contrário, os dados permanecem intocados por causa das barreiras para utilizá-los, especialmente em países em desenvolvimento.
Software inteligente
Uma das barreiras surge do fato de que extrair informação a partir de dados de OBT e utilizá-la de forma frutífera é ainda uma atividade especializada, que requer um amplo espectro de conhecimento e perícia. Por um lado, há dados mais que suficientes arquivados, e do outro há um vazio de capacidade para transformar os dados em informação. E os dados revelam seu valor somente quando traduzidos em informação e compartilhados. Existem diversas possibilidades para combater esse problema. A primeira, e mais óbvia, é construir capacitação através de educação e treinamento. Mesmo que boa educação possa ser vista como uma iniciativa louvável de diversos pontos de vista, nesse contexto criaria uma nova massa de especialistas e falharia no fornecimento de soluções a longo prazo. Imagens de Observação da Terra são particularmente valorizadas, não necessariamente por especialistas em sensoriamento remoto. Tais pessoas não sabem exatamente de quais dados precisam e nem falam o jargão. Para elas, imagens de OBT são uma fonte de informação adicional para dar suporte às suas atividades profissionais diárias.
De forma ideal, esses profissionais gostariam de usar dados de OBT assim como usam o Excel ou um pacote de software de estatística, ou seja, apenas como uma ferramenta. O sucesso sem paralelo dos globos virtuais, particularmente Google Earth e Microsoft Virtual Earth, pode produzir um crescimento exponencial de não-especialistas em imagens de OBT. Esse grupo seria melhor servido pela disponibilidade de softwares inteligentes, que possam ser manuseados intuitivamente, como por exemplo o Google Earth. Claro que um software desses precisa ter um preço razoável, quem sabe agregado como um módulo a ser adicionado ao Microsoft Office ou por download a partir de domínios abertos de forma gratuita.
Modelo de negócios
Outra barreira tange ao modelo de negócios onde os dados de OBT são levados ao mercado. Muitos oficiais de governo, pesquisadores e outros usuários reclamam do alto custo de produtos de OBT. Como resultado, o que é processado e analisado é normalmente mais barato, mas com dados de qualidade inferior, e isso no meio da abundância de bases de alta qualidade que deveriam contribuir para soluções de vários problemas que enfrentam a humanidade. Esses dados superiores permanecem sem uso graças ao rigor desse modelo de negócios. Claro, há muitos argumentos a favor de um modelo de negócios baseado na geração de rendimentos. E sim, é verdade que a falência das economias comunistas prova a superioridade do sistema de mercado livre. Um mercado livre floresce especialmente quando o mercado de commodities é utilizado para uso individual. No entanto, há proveitos que sucedem o nível de interesse privado e servem à sociedade como um todo. Geoinformação em geral, e dados OBT em particular, são exemplos.
Isso não quer dizer que fornecedores devam disponibilizar dados de OBT de forma gratuita. Para o bem, não! Muitos produtores são privados ou organizações privatizadas sujeitos ao julgamento de envolvidos, que no momento da liberação dos resultados financeiros quadrimestrais correm para escrutinar os números em preto na página final. No entanto, dados OBT são um recurso que transcende o ganho privado. Já foi provada sua importância em desenvolvimento urbano, produção de alimentos, saneamento público e privado, combate à pobreza e recuperação do meio ambiente.
Quem paga
Cada um dos pontos acima citados envolve a sociedade como um todo, e dentro dessa moldura, os dados de OBT constituem um recurso público estratégico que deveria ser disponibilizado gratuitamente. Claro que, a princípio, nada é de graça e toda atividade requer recursos financeiros. O termo “grátis” normalmente significa que alguém está pagando por ele. Quem deveria custear os dados de OBT? Na prática, isso significaria o estabelecimento de parcerias público-privadas que permitissem ao poder público comprar bancos de dados relevantes de fornecedores de OBT e redistribuir de forma gratuita para usuários certificados ou para o público em geral. Esses dados gratuitos deveriam ser organizados de forma que sejam acessíveis para usuários não-especializados. Vendo essa enorme demanda por dados de sensoriamento remoto em países em desenvolvimento, esse modelo poderia trabalhar especialmente bem nessas áreas. Mas, dado o estado deplorável de vários departamentos nacionais de tesouro, isso seria um gesto de caridade por
parte dos setores públicos dos países do norte, como um ato de patrocínio.
Muitos dados de Observação da Terra já estão disponíveis gratuitamente. Mas o download requer grande trabalho por parte de não-especialistas, por causa da falta de padronização da cobertura temporal e espacial, especificação de produtos e interfaces de usuários. Além disso, trabalhar na África freqüentemente significa tecnologia computacional defasada e internet de baixa velocidade. Nesse caso, a idéia de fazer o download de imagens de alta qualidade sem custo, utilizando nada mais que um laptop conectado à internet, é um caminho muito longo a partir da realidade atual.
Mathias Lemmens é editor chefe da Revista GIM International. Publicado originalmente na edição 2, volume 22 (fevereiro de 2008) www.gim-international.com