Com o crescente desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação, aplicadas às informações geográficas, pode-se perceber um aumento significativo de SIGs, especialmente em ambientes governamentais que objetivam tornar a informação geográfica acessível por um número maior de organizações e pessoas em geral.

Considerando a World Wide Web um ambiente hipermídia informacional, adequado para tornar disponíveis informações dessa natureza, pode-se pensar na criação de uma Infraestrutura de Dados Espaciais (IDE) em âmbito nacional, que disponibilizaria a utilização dos princípios de representação, armazenamento e recuperação de informações de banco de dados distribuídos, com a customização e a personalização de informações que dizem respeito aos dados geográficos, e que objetivam atender as comunidades científicas, empresariais e da sociedade no acesso e no uso de informações geográficas.

Em âmbito mundial, é consenso que uma IDE engloba as tecnologias, políticas, normas, arranjos institucionais e recursos humanos necessários para adquirir, processar, armazenar, distribuir e melhorar a utilização, a disponibilidade e o acesso de dados georreferenciados.

As normas devem regular todos os aspectos pertinentes à IDE, sendo que um aspecto fundamental é a interoperabilidade, que permite racionalizar os recursos, possibilitando o compartilhamento, reuso e intercâmbio de dados e serviços. Ao analisar os dados geoespaciais sob esse prisma, é natural supor a existência de uma norma que determine o uso de uma especificação técnica para a produção de dados geoespaciais padronizados.

A elaboração dessa especificação, atribuição da Comissão Nacional de Cartografia (Concar), iniciou na criação de uma abstração do espaço geográfico brasileiro, observando o nível de detalhamento adequado a uma base cartográfica sistemática. Essa abstração foi modelada seguindo o enfoque da tecnologia orientada a objetos. Segundo os estudos efetuados, a modelagem conceitual que melhor retrata esses dados geoespaciais é a OMT-G. A etapa subseqüente foi a documentação, seguindo o preconizado na UML 2.0, e como fonte de informação complementar a elaboração de um dicionário de dados.

Além desses modelos, existem outros que personificam diversas facetas da estrutura de dados. É o caso dos modelos conceituais de transformação e de representação e, no nível lógico, o modelo de construção de geometria e topologia, que representará as operações, ou seja, o comportamento dos objetos.

Com o intuito de apresentar uma reflexão da equipe da Diretoria de Serviço Geográfico (DSG) do Exército, membro da Concar e que está à frente da coordenação do comitê especializado responsável pela construção da Estrutura de Dados Geoespaciais Vetoriais (EDGV), este artigo descreve a experiência de modelagem dessa estrutura, componente da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE), nos níveis conceitual e lógico, desde a criação do modelo de classes até suas implicações em outra especificação técnica correlata.

Elementos IDE e a Interoperabilidade

Uma IDE deve possibilitar a interoperabilidade, que denota a capacidade de compartilhamento e de troca de informações, que não é uma tarefa simples devido à complexidade da informação geográfica envolvida, onde podem ocorrer incompatibilidades. Essa falta de compatibilidade advém de diferentes níveis, como a conversão entre formatos de dados próprios de cada ambiente, a conversão entre semânticas de bancos de dados distintos e o desenvolvimento ou uso de modelos gerais de dados geográficos propostos por diferentes organizações. Para planejar uma solução, é necessário pensar em uma estrutura de dados padrão, para se realizar o intercâmbio.

Esse trabalho aborda o aspecto da interoperabilidade estrutural, que diz respeito à criação da estrutura de dados (modelo de dados) a ser empregada e, além disso, de alguns modelos que auxiliarão na construção das geo-ontologias, aspecto da interoperabilidade semântica.

Modelagem de Dados Geográficos

O modelo de dados representa uma visão dos objetos e fenômenos que serão representados em um sistema de banco de dados. Esses objetos e fenômenos reais, por serem complexos demais para permitir uma representação completa, são abstraídos para obter uma forma de representação conveniente, simplificada e adequada às finalidades das aplicações do banco de dados.

Levantamento de Requisitos

A etapa de levantamento de requisitos dos usuários de dados geográficos consiste em criar o nível de representação conceitual, onde a realidade é abstraída segundo a percepção do usuário. Requisitos são objetivos ou restrições estabelecidas por clientes e usuários do sistema, que definem as diversas propriedades do mesmo.

Foram realizadas reuniões técnicas, envolvendo analistas, clientes e usuários, destinadas ao levantamento de requisitos, ou seja, de informações, descrição dos problemas atuais e de metas futuras. Nesses encontros foram criticados e validados os modelos de dados geográficos já existentes, de modo que houvesse uma reflexão no sentido de gerar um modelo conceitual que transpareça a visão dos usuários participantes.

Para uma modelagem de dados geográficos, em um nível nacional, é necessário realizar recortes temáticos de interesse, denominados de categorias da informação geográfica, que são camadas de informação. Com vistas a criar uma estrutura de dados geoespaciais vetoriais do Espaço Geográfico Brasileiro (EGB), a Concar estruturou as categorias de informação geográfica de acordo com a figura 1.

Categorias do EGB
Figura 1 – Categorias de informação geográfica do EGB (Concar)

Para cada categoria, foi necessário consultar os usuários e produtores de informação geográfica que trabalham com cada um desses temas específicos, no sentido de levantar os requisitos de cada grupo.

A abstração dos elementos do mundo real deve seguir um recorte de visualização, ou seja, no caso do processo de abstração dos objetos e fenômenos geográficos da fisiografia do EGB, foi considerada a percepção nas escalas do mapeamento sistemático (de 1:25.000 a 1:1.000.000). Além disso, foi considerada a funcionalidade principal dos elementos.

Um aspecto a ser considerado na modelagem é que a percepção e abstração devem ser feitas com foco na ocorrência física do objeto ou fenômeno geográfico, e não na sua representação cartográfica. Por exemplo, a representação de uma estrada pavimentada é diferente de uma estrada não pavimentada,  porém a classe de objetos é a mesma (a estrada), que possui um atributo denominado tipo de pavimentação, com domínio de valores.

Técnicas de Modelagem Conceitual

Modelo Orientado a Objetos OMT-G

A modelagem OMT-G é uma extensão do modelo Object Modeling Technique (OMT), para dar suporte aos dados geográficos. Por ser uma extensão do OMT, o OMT-G segue os paradigmas de orientação a objetos, suportando conceitos como classe, objeto, especialização e método.

O modelo OMT-G parte das primitivas definidas para o diagrama de classes da Unified Modeling Language (UML). Esse modelo introduz primitivas geográficas com o objetivo de aumentar a capacidade de representação semântica do modelo UML, ou seja, provê primitivas para modelar a geometria e a topologia dos dados geográficos, oferecendo estruturas de rede, agregação, especialização/generalização e associações espaciais. A seguir, serão apresentados alguns dos modelos integrantes da técnica OMT-G e algumas observações que podem ser adaptadas para tratar dos dados geoespaciais.

Modelo de classes e os elementos complexos

O diagrama de classes é o modelo que descreve a estrutura e o conteúdo de um banco de dados geográficos e contém elementos específicos da estrutura de um banco de dados, em especial classes de objetos e seus relacionamentos.

Na técnica OMT-G, há a possibilidade de prever modelos de redes, que é de grande importância, pois permite introduzir as relações topológicas de conectividade, adjacência e interseção. São exemplos de redes: drenagem, subsistemas de transportes (rodoviária, ferroviária, dutos, hidroviária, aeroportuária) e energia elétrica.

O produtor da informação geográfica deve preparar sua base de dados, de forma que essa possa ser utilizada em modelos de rede. Essa garantia de utilização se torna possível quando são definidas as classes de objetos com primitivas geométricas do tipo ponto e linha, que se tornarão nós e arcos em um modelo de rede, de acordo com a abstração realizada pelo usuário. Com isso, foi necessário levantar com os usuários o que é considerado nó e arco em uma rede específica. Por exemplo, um trecho de drenagem (arco) pode ser seccionado através de um ponto de drenagem (nó) do tipo sumidouro, vertedouro, barragem, eclusa, etc.. O usuário foi quem esclareceu a importância desses elementos como formadores de uma rede de drenagem.

Na figura 2, pode-se observar um exemplo de modelo de classes de objetos em OMT-G, com indicação da rede de drenagem da categoria hidrografia. Essa modelagem da Concar, em particular, foi inserida em uma ferramenta Case para modelos UML 2.0.

Categoria hidrografia
Figura 2 – Diagrama de classes da categoria hidrografia (Concar)

Um outro aspecto a ser considerado é quanto à geometria de classes de objetos. Existem classes que podem apresentar múltiplas geometrias (ponto, linha ou polígono), por existirem como elementos de natureza agregadora. Em função disso, denomina-se essa classe de objeto de complexo (símbolo C). Um exemplo é quando a classe é identificada e formada pela geometria de várias classes de objetos de primitivas geométricas diferentes, ou seja, a sua existência só ocorre com as agregações simultâneas dessas classes. É o caso de um complexo aeroportuário, que é formado por pontes, pistas ou pontos de pouso, edificações, passagens elevadas, viadutos, etc.. A inclusão de elementos complexos foi uma extensão ao OMT-G.

Diagrama de transformação e a generalização cartográfica

O diagrama de transformação é o modelo que especifica a transformação entre classes, restringindo-se à manipulação de representações. Esse diagrama permite o planejamento das operações de generalização cartográfica, que devem ser aplicadas na geometria das classes no decorrer da mudança de escala.

Esse diagrama está intimamente ligado ao recorte da abstração, que foi realizada no diagrama de classes. As classes de objetos assumem determinadas representações geométricas em função da escala de visualização aplicada na abstração geográfica.

Para planejar a confecção do diagrama de transformação de uma classe, deve-se partir da representação geométrica na maior escala e, através da aplicação dos operadores de generalização cartográfica, ao longo das escalas, em ordem decrescente, são previstas as outras geometrias que a classe pode assumir. Na etapa final, a classe estará prevista com a representação geométrica na menor escala.

Deve-se considerar que a classe não sofre o processo de generalização isoladamente, e que deve ser realizada a interação com as outras classes de objetos. Esses diagramas estão em fase de desenvolvimento pela equipe da Concar.

Diagrama de apresentação e as representações cartográficas

O diagrama de apresentação é o modelo que descreve as alternativas de apresentação – definidas pelos requisitos do usuário – e saída, para cada classe de objetos. Normalmente, a apresentação gráfica de uma classe está vinculada a um padrão de representação cartográfica, seja básica ou temática. No caso do mapeamento básico de referência, as representações cartográficas estão previstas e normatizadas no Manual Técnico de Convenções Cartográficas T-34 700, da DSG, para as escalas do mapeamento sistemático. Esse modelo introduz algumas operações lógicas, que podem ser disparadas por conta das interações entre as classes e de acordo com sua escala de visualização. Esses diagramas também encontram-se em fase de desenvolvimento pela equipe da Concar.

Construtores de geometria dos objetos

A DSG, como órgão produtor da informação geográfica para as escalas do mapeamento de referência, estabelece regras para a aquisição de dados geoespaciais. Com objetivo de orientar os operadores dessa fase de produção, para que os dados sejam adquiridos como estabelecido nos modelos conceituais definidos pela Concar, a DSG criou a Especificação Técnica para Aquisição dos Dados Geoespaciais Vetoriais (ET-ADGV). Essa especificação, comumente denominada de Construtores da Geometria dos Objetos (CGO), compõe um documento que define as regras para a construção dos atributos da geometria de cada classe de objeto, constante da modelagem do EGB, nas suas diversas categorias da informação geográfica. Reflete a forma como foram modeladas as classes dos objetos e seus relacionamentos espaciais. Essa orientação será incorporada ao Manual de Convenções Cartográficas T-34 700.

Na figura 3 há um extrato da CGO, na qual é especificada a regra de construção de geometria da classe de objetos curso d´água.

Regra de construção
Figura 3 – Exemplo de uma regra de construção de geometria

Primeiro passo para a INDE

A proposta da criação de uma Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE) tem como base o princípio de cooperação entre sistemas, o acesso livre às informações geográficas e a interoperabilidade. Visto que, atualmente, o potencial de compartilhamento dessas informações não tem sido explorado na sua completude, surge a necessidade de se criar padronizações para o intercâmbio de dados.

Para se obter a interoperabilidade estrutural, faz-se necessária a criação de modelos de dados que servirão de padrão de compartilhamento. Este trabalho enfocou determinadas fases para alcançar a interoperabilidade estrutural, mais especificadamente as fases atinentes à modelagem de dados geográficos. Foram feitas algumas observações sobre a forma de modelar, fruto da experiência desta equipe no projeto de modelagem da estrutura de dados geoespaciais vetoriais do EGB.

Além disso, foi apresentado um modelo específico que está sendo desenvolvido pela DSG, que diz respeito à construção de geometria de objetos (CGO). Este modelo servirá de base, além dos outros modelos conceituais, para a estruturação das geo-ontologias do projeto da MND.

O esforço da Concar é refletido nos trabalhos de seus comitês especializados, mais especificamente o que estruturou o modelo de dados que serve de padrão de intercâmbio de dados em nível nacional, coordenado pela DSG e com integrantes de vários órgãos e instituições, que foi o primeiro passo para concretizar a criação da INDE.

Omar Antonio Lunardi
Linda Soraya Issmael
Paulo Danilo Vargas Alves
Luiz Henrique Moreira de Carvalho
Diretoria de Serviço Geográfico – Exército Brasileiro