Por Rodrigo Leandro e Eduardo Freitas Oliveira
Há uma certa divisão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento também na área de posicionamento por satélites. O hemisfério norte já é quase todo atendido por sistemas de aumentação GPS, que melhoram a performance do posicionamento com satélites, e a América Latina também poderá contar com esse tipo de tecnologia em breve.
O projeto de um Sistema de Aumentação para o Caribe, Centro e Sulamérica (Saccsa) pretende analisar a viabilidade técnica, financeira e institucional de implantação de um sistema baseado em satélites adaptado às circunstâncias especiais (ionosfera, geografia, etc.) da região.
Especificamente no Brasil, está em andamento um arrojado plano de modernização das redes de monitoramento contínuo RBMC e RIBaC, com o objetivo de fornecer aos usuários precisão melhor que um metro, em tempo real.
Posicionamento absoluto melhorado
Depois que o efeito de Disponibilidade Seletiva (SA, na sigla em inglês) foi desativado pelo governo norte-americano, a acurácia do sistema GPS aumentou significativamente para o posicionamento absoluto, que é realizado utilizando apenas um receptor. O erro da posição horizontal passou de aproximadamente 30 metros para tipicamente menos de dez metros.
Porém, para algumas aplicações essa acurácia ainda não é suficiente. Com o objetivo de satisfazer usuários que precisam de posições com erros de aproximadamente um metro, em tempo real e modo absoluto, os sistemas de aumentação são uma boa alternativa.
Alguns exemplos são o americano WAAS, o canadense CDGPS e o europeu Egnos, conhecidos como Satellite Based Augmentation System (SBAS), ou podemos chamar em português de Sistema de Aumentação Baseado em Satélites (SABS). O sistema é dito baseado em satélite porque geralmente um ou mais veículos geoestacionários são usados para distribuir mensagens para os usuários, que são enviadas na banda de freqüência L (a mesma usada em GNSS), o que facilita a implementação do sistema em receptores. Outro termo usado para esses sistemas é Wide Area Differential GPS (WADGPS), ou GPS diferencial para grandes áreas. Isso porque, como veremos a seguir, o sistema envia correções que fazem com que as coordenadas do usuário sejam melhoradas e atreladas ao mesmo referencial usado para as estações de monitoramento.
Mas o que contêm essas mensagens, e como é possível melhorar a acurácia da posição com elas? Para entender melhor essa solução, convém começar pelo problema: a posição GPS em modo absoluto possui erro de alguns metros, já que as órbitas e os erros de relógio dos satélites GPS, que são enviados na mensagem de navegação, possuem ambos erros de até aproximadamente dois metros.
Para obter posições mais acuradas com um receptor em campo, é necessário usar informações de órbitas e de relógios de satélites com um nível menor de erro. Com a infraestrutura adequada, é possível fazer a determinação da órbita e dos erros de relógio de satélites com acurácia razoavelmente melhor do que com a mensagem de navegação. A infraestrutura, nesse caso, é uma rede GPS de monitoramento contínuo com coordenadas – da antena de cada receptor da estação da rede – bem determinadas em um sistema de referência global, como por exemplo Sirgas, ITRF, etc.. Além disso, os dados de cada estação devem ser transmitidos em tempo real, e com alta confiabilidade, para um centro de processamento onde o cálculo das órbitas e do erro de relógio dos satélites rastreados pela rede pode ser realizado, com acurácia de até apenas alguns centímetros para ambos.
O primeiro passo do processo é o cálculo da órbita do satélite, que é relativamente complexo. Importante ressaltar que as coordenadas que descrevem a órbita do satélite estão no mesmo referencial e época que as coordenadas das estações de monitoramento, o que torna crucial o estabelecimento de uma rede com coordenadas bem determinadas e sistema de referência e época bem definidos. Na outra ponta do sistema, o usuário que se beneficia do serviço conseqüentemente terá suas coordenadas atreladas a esse mesmo sistema e época. Uma vez que as coordenadas do satélite são bem conhecidas, é possível calcular o erro de relógio para o mesmo. Nesse passo, devemos considerar que tudo deve ocorrer em tempo real, portanto quando uma observação (código e/ou fase da portadora) chega ao centro de processamento e é usada para o cálculo de erros de relógio, as coordenadas do satélite para aquele instante de tempo devem ser conhecidas previamente.
De forma similar à determinação de órbitas, o cálculo de erros de relógio também requer uma referência bem definida. A diferença é que agora estamos falando de referência de tempo ao invés de coordenadas. Existem várias maneiras de se introduzir uma referência de tempo dentro de um SABS. Uma delas é alimentar um ou mais receptores da rede de monitoramento com relógios atômicos, preferencialmente com padrão de hidrogênio, de forma que o tempo determinado pelo relógio dessa estação, ou pela combinação de um conjunto de estações com relógios atômicos, passa a ser a referência de tempo de todo o sistema. Essa referência tem comportamento independente do tempo GPS, mas deve estar sempre alinhada com o mesmo dentro de um certo limite, o que garante a compatibilidade entre as mensagens de navegação e as determinações de novos relógios e órbitas. Uma outra opção de referência de tempo para o sistema é o próprio tempo GPS, dado pelas mensagens de navegação.
Uma vez que o centro de processamento determinou “novos” e melhores erros de relógio e órbitas para os satélites, em relação aos da mensagem de navegação, essa informação pode ser enviada para o usuário, que conseqüentemente terá uma determinação de coordenadas melhor do que se estivesse usando somente as efemérides transmitidas. Uma maneira de otimizar esse processo é através do envio, não dos valores calculados mas da diferença entre eles e os obtidos da mensagem de navegação, ou seja, correções que podem ser aplicadas nas órbitas e relógios, calculadas com a mensagem de navegação. Do lado do usuário, o que acontece nesse caso é que o receptor determina as coordenadas e erros de relógio dos satélites de modo convencional, usando as mensagens de navegação e, após isso, as correções enviadas pelo SABS são aplicadas. Isto é, as órbitas e os erros de relógio são corrigidos com os valores enviados na mensagem SABS, e o resultado é a órbita e o erro de relógio originalmente determinados pelo centro de processamento, com acurácia melhorada, ou aumentada, em relação à mensagem de navegação.
Além do tempo e das órbitas, a rede de receptores pode ser usada para monitorar a ionosfera. Um modelo (geralmente em forma de grid) pode ser enviado para uso em receptores de uma freqüência, proporcionando a correção dos efeitos ionosféricos.
Sistema WADGPS brasileiro
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), está trabalhando no plano de expansão e modernização da Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo (RBMC) e da Rede Incra de Bases Comunitárias (RIBaC), com maior cobertura nacional e novas características de operação.
O primeiro passo do plano foi dotar a RBMC/RIBaC de uma infraestrutura adequada para a coleta de dados dos sistemas GPS, Glonass e futuramente do Galileo. Em 2006 foi firmado um convênio que uniu as redes e foram comprados novos receptores GNSS de última geração. Em 2007 começou a troca dos antigos receptores e o estabelecimento de novas estações.
A modernização da RBMC/RIBaC está sendo desenvolvida através de uma cooperação internacional com a Universidade de New Brunswick (Canadá), com o apoio da Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional (Cida) e da Agência Brasileira de Cooperação (ABC). Além destes participantes, a Divisão de Geodésia do Natural Resources Canada (NRCan) também participa do projeto, assessorando na implementação do sistema de correções em tempo real baseado no sistema canadense, o Canada-Wide DGPS Correction Service (CDGPS).
Uma das necessidades para o funcionamento do serviço de tempo real é a ligação de alguns receptores em um relógio atômico. Com esse propósito, os receptores de duas estações, situadas no Rio de Janeiro e em Fortaleza, estão conectados com relógios desse tipo. Os relógios atômicos serão utilizados para auxiliar nos cálculos das correções do tipo WADGPS, que serão transmitidas em tempo real a usuários em todo o território nacional e também em países vizinhos, referenciadas diretamente ao Sirgas.
A estação Observatório Nacional (ONRJ), localizada no Rio de Janeiro, faz parte atualmente de uma rede de estações que geram dados em tempo real e têm seus dados disponibilizados no site www.igs-ip.net.
Essa nova estrutura, depois de inteiramente instalada, terá as seguintes características:
– Controle e configuração remoto das estações;
– Redução do intervalo de coleta para um segundo;
– Transferência de dados para o centro de controle, no Rio de Janeiro, à taxa de tempo de 1 Hz em tempo real;
– Geração de correções (órbita, relógios e ionosfera) do tipo WADGPS, realizadas em tempo real, disponíveis a todos os usuários no Brasil e em áreas adjacentes através da internet;
– Continuidade do serviço no modo pós-processado, com arquivos diários disponibilizados na internet 24 horas após o fim da sessão;
– Disponibilização aos usuários de serviço de Posicionamento Preciso por Ponto (PPP);
– Precisão horizontal potencial por volta de 1m em aplicações estáticas e cinemáticas, e melhor para receptores de dupla freqüência;
– Suporte à navegação aérea, marítima e terrestre, e também na demarcação de divisas visando a regularização fundiária; e
– Colaboração com organizações internacionais, tal como com o IGS Real Time Working Group.
A transmissão dos dados para correção será feita através de software Networked Transport of RTCM via Internet Protocol (Ntrip), em stream, sendo que a transmissão das correções aos usuários será feita através do mesmo software.
Nesta primeira etapa do plano de modernização, o IBGE está implantando o serviço de Ntrip. O novo sistema é composto por um servidor, instalado no IBGE, que recebe em tempo real os dados em formato RTCM V3.0, de 22 estações, e os transmite via internet através do endereço http://gps-ntrip.ibge.gov.br e da porta 2101. Algumas instituições parceiras já estão recebendo esses dados, de maneira experimental. A partir do segundo semestre de 2008, ou no máximo no início do próximo ano, o serviço deve ser estendido à toda comunidade usuária de GNSS.
Com informações da Coordenadoria de Geodésia do IBGE