Por Gustavo Faleiros, Rodrigo Fontoura Costa e Carlos Eduardo Jamel

Reconhecidamente o país de maior diversidade biológica do mundo, o Brasil tem sofrido uma constante perda de suas riquezas naturais. O desmatamento da Amazônia é hoje a mais visível delas, decorrendo da ocupação desordenada e não-sustentável que se constata na maior parte das suas fronteiras de ocupação.

Algumas das mazelas que assolam essa região do Brasil são a extração madeireira – na sua maior parte ilegal -, a pecuária de baixa produtividade e atividades agrícolas intensivas e concentradoras de renda, além da instalação de pólos de desenvolvimento regionais e empreendimentos cujos modelos acabaram por contribuir para a aceleração do processo de degradação.

Ocupando aproximadamente 49,29% (4.196.943 km2) do território brasileiro, o bioma Amazônia ocupa a totalidade de cinco unidades da federação (Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Roraima), quase a totalidade de Rondônia (98,8%), mais da metade de Mato Grosso (54%), além de parte do Maranhão e do Tocantins.

A perda de floresta na Amazônia sempre esteve ligada ao desenvolvimento e expansão de terras para a plantação agrícola e criação de gado, principalmente em regiões de grandes extensões. No final da década de 80, quando as queimadas na região Amazônica passaram a atrair a atenção internacional devido às altas taxas de desmatamento registradas, políticas de controle foram adotadas pelo governo e por instituições privadas.

Com o intuito de auxiliar no combate às questões de desmatamento na região, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) criou um programa de monitoramento da região da Amazônia Legal, composto por três sub-sistemas. Hoje o monitoramento feito pelo Brasil é modelo para o mundo, sendo o sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) considerado como exemplo para outros países.

Sistemas de monitoramento da Amazônia Legal

Primeiro a ser criado, no ano de 1988, o Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes) é utilizado para produzir estimativas anuais de taxas de desmatamento da Amazônia Legal. Suas taxas anuais são estimadas para a data de 1º de agosto do ano de referência, sendo utilizadas para o planejamento de ações de longo prazo.

Desde sua criação até o ano de 2002, a interpretação era feita de forma visual através de imagens impressas em papel fotográfico, programa esse chamado de Prodes Analógico. A partir de 2003, todo o processo de interpretação das imagens para o cálculo da taxa de desmatamento passou a ser feito através de computador. Novos ajustes e aprimoramentos foram feitos nesse programa, que passou a se chamar Prodes Digital.

Prodes Digital (Inpe)
Prodes Digital (Imagem: Inpe)

Sua metodologia é baseada na interpretação de imagens Landsat, e desde 2005 são utilizadas também imagens de outros satélites, no caso de alta cobertura de nuvens. A classificação é feita por método não-supervisionado, adotando na legenda classes como floresta, não-floresta, hidrografia e nuvem. Seus resultados são a extensão desflorestada e a taxa anual de desflorestamento.

Diferentemente do Prodes, cujas estimativas são anuais, o Deter é um sistema criado em 2004 com objetivo de produzir levantamento rápido mensal, utilizando dados dos sensores Modis, do satélite Terra/Aqua, e WFI, do satélite Cbers, com resoluções espaciais de 250 e 260 metros respectivamente. Desenvolvido como um sistema de alerta para suporte à fiscalização e controle de desmatamento, o Deter mapeia tanto áreas de corte raso quanto em processo de desmatamento por degradação florestal.

Apesar da baixa resolução espacial, áreas superiores a 25ha são detectadas pelo sistema. Dados produzidos pelo sistema são enviados ao Ibama, de 15 em 15 dias, e servem para a produção de documentos indicativos de novas áreas desmatadas para o Centro de Monitoramento Ambiental (Cemam), o que permitiria interromper novos desmatamentos em curso. O Deter não tem como objetivo a estimativa de área desmatada na Amazônia, mas sim auxiliar na fiscalização de desmatamento ilegal, sendo utilizado apenas como indicador de tendências do desmatamento anual.

O terceiro sistema, chamado Detecção de Exploração Seletiva (Detex), identifica corte seletivo e iniciou em 2007 suas atividades em algumas regiões da Amazônia. Seus dados ainda estão em fase de validação e não se encontram disponíveis para consulta pública. O Detex é pontual e detalhista, concebido para monitorar exclusivamente os distritos florestais. Sua metodologia permite identificar atividades madeireiras no meio da floresta, como abertura de picadas, pátios para armazenamento de toras e retirada de árvores individuais – o chamado corte seletivo. As imagens do Detex serão captadas pelo satélite sino-brasileiro Cbers-2 e por radares aerotransportados do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam).

Outro programa do Inpe que conta com parcerias externas é o Sistema Integrado de Alerta de Desmatamentos (Siad), criado em parceria entre o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) e a Universidade Federal de Goiás (UFG). O Siad está sendo desenvolvido no Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais da UFG, e tem como objetivo o monitoramento sistemático da cobertura vegetal na região Amazônica também a partir de imagens do sensor orbital Modis, mas contando com a integração de dados censitários e bases cartográficas e temáticas.

O Siad deverá possibilitar, entre outros resultados, a detecção de desmatamentos através de alertas mensais; a análise das origens e dos impactos dos desmatamentos (por exemplo associação ou não às áreas queimadas, distância dos desmatamentos de obras de infraestrutura, assentamentos, unidades de conservação, terras indígenas, atividades produtivas, etc.); a projeção de possíveis desmatamentos futuros (áreas de tendência ao desmatamento); e a identificação de áreas prioritárias quanto à fiscalização e controle.

Sensoriamento remoto e a tecnologia SAR na Amazônia Legal

O Sipam foi criado para administrar as ações do Sivam, e é coordenado pelo Censipam, subordinado à Casa Civil da Presidência da República. Sua função é integrar informações e gerar conhecimento atualizado para articulação, planejamento e coordenação de ações globais do governo na Amazônia Legal brasileira através de dados gerados por sub-sistemas de sensoriamento remoto, radares, estações meteorológicas e plataformas de dados, instalados na região. Sendo um sistema de coleta, armazenamento e tratamento de dados, foi concebido para permitir a articulação e integração de diversas instituições governamentais nas três esferas, municipal, estadual e federal.

Uma das principais tecnologias utilizadas no Sivam é o radar de abertura sintética (SAR, da sigla em inglês) aerotransportado. Ao contrário dos sensores óticos, os sensores SAR são equipamentos ativos capazes de captar radiação na faixa de microondas, emitidas pelo sistema e refletidas pela Terra. Essa técnica permite adquirir imagens independentemente das condições atmosféricas (nuvens, chuva, etc.) e da iluminação, sendo geradas durante o dia ou à noite. Tal capacidade é extremamente importante em se tratando de Amazônia, onde sensores ópticos sofrem grande restrição devido à alta probabilidade de ocorrência de nuvens.

As imagens de radar são utilizadas para detecção de desmatamentos, corte seletivo, identificação de pistas de pouso clandestinas, ocorrência de garimpos, entre outras aplicações. Atualmente, a área imageada com radar corresponde a mais de 3 milhões de km2, recobrindo cerca de 65% da Amazônia Legal, segundo dados do Sipam.

Alos na Amazônia

O satélite Advanced Land Observing Satellite (Alos) foi desenvolvido para contribuir nas áreas de mapeamento e cartografia de precisão, tendo capacidade de monitoramento ambiental flexível. Possui três sensores a bordo: o radiômetro Panchromatic Remote-Sensing Instrument for Stereo Mapping (Prism), capaz de adquirir imagens tridimensionais da superfície terrestre, o radiômetro multiespectral Advanced Visible and Near Infrared Radiometer-2 (Avnir-2) e o sensor de microondas Phased Array type L-band Synthetic Aperture Radar (Palsar), capaz de obter imagens diurnas e noturnas sem a interferência de nebulosidade.

Segundo o IBGE informou em artigo apresentado no último Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (XIII SBSR), o Palsar pode ser usado para obter as informações importantes na Amazônia, considerando que a banda L é a que tem a maior capacidade de penetração na vegetação dentre os radares orbitais. No modo de operação “fine”, é adequado para o mapeamento na escala 1:100.000, enquanto no modo ScanSAR for
nece imagens que podem ser utilizadas para produtos na escala 1:250.000. Também segundo o IBGE, a capacidade polarimétrica desse sensor traz vantagens adicionais, como melhor discriminação da vegetação e da interferência humana no terreno.

Em agosto de 2007, o Ibama e a Agência de Exploração Aeroespacial Japonesa (Jaxa) assinaram um convênio no qual serão recebidas imagens Alos que cobrirão toda área da Amazônia Legal.

Monitoramento de queimadas

Com a chegada da estação seca no Brasil, época de maior incidência de queimadas e incêndios que atingem a vegetação nativa, a atenção de pesquisadores e ambientalistas se volta para os resultados dos sistemas de monitoramento de queimadas existentes no Brasil. No âmbito federal, destacam-se o monitoramento de focos de calor realizado pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), a partir de dados de diferentes satélites meteorológicos, e o realizado em parceria entre a Embrapa Monitoramento por Satélite e o Inpe, baseado em satélites Noaa, ambos em tempo quase-real.

As queimadas na Amazônia são fortemente associadas às áreas de abertura da fronteira florestal, sendo o acompanhamento de ambas as formas de degradação feito basicamente pelas mesmas entidades, sejam institutos de pesquisa governamentais ou entidades da sociedade civil organizada. Um exemplo de uso da base de dados sobre focos de incêndio é o programa PrevFogo, do Ibama, que utiliza os dados para fins de prevenção e combate aos incêndios florestais.

Iniciativa paralela

Assim como o Deter, do Inpe, o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) é um sistema de alerta que usa imagens dos satélites americanos Modis. O SAD foi concebido pela ONG brasileira Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), inicialmente com o objetivo central de monitorar as emissões de carbono causadas pelo desmatamento, através de uma doação da Fundação Packard.

Por possuir forma diferente de processamento, permite um maior detalhamento das áreas desmatadas, detectando áreas acima de 5ha. Com base em modelos de mistura espectral e análise de índices vegetativos, o Imazon vem também conseguindo resultados na distinção de áreas sob manejo florestal e desmatamento seletivo convencional, onde as florestas têm uma alta probabilidade de corte raso subseqüente.

O Inpe e a política ambiental

O monitoramento por satélites da floresta amazônica, cujos dados são processados pelo Inpe, foi objeto de uma disputa política das mais acirradas no primeiro semestre de 2008. Alertado pelo sistema Deter, de que o ritmo do desmatamento se tornara mais intenso, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) optou, em janeiro deste ano, por disponibilizar dados que até então eram usados apenas nos planejamentos de ações de fiscalização. A iniciativa gerou controvérsias com representantes políticos da Amazônia Legal, em especial com o governador do Estado do Mato Grosso, Blairo Maggi.

De acordo com o Inpe, entre os meses de agosto de 2007 e abril de 2008 (oito meses), o sistema Deter observou a degradação de 5.850 km2 de floresta amazônica contra 4.974 km2 registrados entre agosto de 2006 e julho de 2007 (12 meses). Ou seja, em um período menor, houve um índice de desmatamento cerca de 20% maior. Embora estes dados possam sofrer a influência da cobertura de nuvens sobre a Amazônia, é a tendência de aumento das taxas de devastação que importa neste momento, como disse o próprio diretor-geral do Inpe, Gilberto Câmara.

Até este ano, os números dos sistemas Deter e Prodes eram divulgados à imprensa em uma única ocasião, normalmente em julho de cada ano. Ao antecipar os dados do Deter, o MMA tentou criar um momentum político para endurecer o combate ao desmatamento.

Foi nesse contexto que surgiu, com maior destaque, a Operação Arco de Fogo, que mobilizou na Amazônia agentes da Polícia Federal e membros da Força Nacional de Segurança Pública, além de um contingente de 800 soldados do Exército. Mas antes mesmo de terem sido apresentados ao público, os dados do Deter já haviam mostrado ao governo federal, no fim de 2007, que o desmatamento voltaria a crescer após três anos consecutivos de queda.

Para barrar o processo foram publicados decretos presidenciais e portarias do MMA que indicaram municípios da Amazônia Legal cujas propriedades deveriam ser recadastradas no Incra. As normas instituíram ainda uma relação de propriedades, embargadas por crime ambiental, que estão impossibilitadas de comercializar bens agropecuários e madeireiros. Por fim, já em março de 2008, o Conselho Monetário Nacional aprovou uma resolução que exige comprovantes de conformidade ambiental para produtores que buscam crédito nas instituições bancárias oficiais.

As mudanças nos rumos da política ambiental do governo Lula, a partir dos dados Deter, geraram reações que não poderiam ser imaginadas. A mais notável entre todas certamente foi a do governo do Estado do Mato Grosso, que contesta a competência do Inpe em aferir o avanço do desmatamento.

Na análise dos índices de desmatamento por Estados da Amazônia, o Mato Grosso aparece como o responsável pela maior parte (70%) das derrubadas realizadas nos últimos oito meses. Para o governador Blairo Maggi, este número não condiz com a realidade, uma vez que medidas de controle vinham sendo aplicadas nas fronteiras do desmatamento por sua administração, principalmente um sistema com informações georreferenciadas para o licenciamento de propriedades agrícolas. “O Inpe está mentindo a serviço de alguém”, declarou Maggi para se defender da pecha de vilão da Amazônia.

O ataque do governador do Mato Grosso a uma das instituições de pesquisa mais respeitadas do país demonstrou que as informações captadas pelos satélites não estão livres de disputa política quando se está falando de desmatamento na Amazônia. O secretário de Meio Ambiente do Estado, Luís Henrique Daldegan, explicou, em uma conversa na Câmara dos Deputados, quais são as diferenças que separam a interpretações do Inpe e da administração matogrossense. Segundo ele, o Deter tem apontado como desmatamento áreas já devastadas em períodos passados.

Além disso, o Inpe tem considerado, em sua contagem, pontos onde se iniciou a degradação da floresta através de abertura de picadas para a extração de madeira, algo que na visão do secretário não pode ser considerado desmatamento.

É talvez neste último ponto que resida o cerne da discussão entre o governo federal e o do Mato Grosso. O Inpe, através do Deter, tem chamado a atenção para quaisquer alterações na floresta, computando como desmatamento tanto indícios de degradação como de corte raso. O governo do Mato Grosso, por sua vez, apenas considera a supressão completa de vegetação como indicador de desmate.

Para provar que não lidera a nova tendência de elevação do desmatamento, a Secretaria de Meio Ambiente lançou uma operação para verificar em campo os polígonos apontados pelo Inpe como focos de desmatamento. Infelizmente, o esforço não ajudou a esclarecer a dúvida. Após visitar 662 áreas, o governo matogrossense produziu um relatório (que pode ser lido no seguinte endereço eletrônico: www.sema.mt.gov.br/deter.aspx) no qual sustenta que em 90% dos casos o Inpe errou em sua interpretação. O Instituto, entretanto, analisou o documento do governo Maggi e negou que estivesse errado.

A precisão técnica dos satélites, como se vê, não garante que ações de combate ao desmatamento estejam livres de críticas e pressões político-econômicas. Após a restrição de crédito aos desmatadores, representantes do setor agropecuário passaram a pedir a flexibilização de regras ao governo federal. Sentindo a possibilidade do presidente Lula arbitrar em favor dos agricultores, a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva pediu demissão. Em entrevista coletiva, admitiu que resolvera sair para chamar a atenção sobre uma “estagnação das políticas de desenvolvimento sustentável” do atual governo.

Em outras palavras, os altos índices de desmatamento captados pelo Deter ainda não foram realmente capazes de mobilizar esforços e recursos para conter a destruição da Amazônia.

Gustavo FaleirosGustavo Faleiros
Jornalista formado pela PUC-SP
Mestre em Política Ambiental pela Universidade de Londres
Redator-Chefe do portal  O Eco
www.oeco.com.br

Rodrigo CostaRodrigo Fontoura Costa
Geógrafo formado pela UFRJ
Gerente de projetos e responsável pela área de processamento digital de imagens da Novaterra Geoprocessamento
rodrigo@novaterrageo.com.br

Carlos JamelCarlos Eduardo Jamel
Biólogo
Especialista em geoprocessamento pelo Igeo/UFRJ
Diretor técnico da Novaterra Geoprocessamento
cjamel@novaterrageo.com.br