O aquecimento global e as mudanças climáticas são fenômenos amplamente aceitos pela comunidade científica internacional e pela sociedade em geral. Eles decorrem do uso de combustíveis fósseis pela indústria e veículos, sobretudo petróleo, carvão mineral e gás, e ainda pelo uso da terra e dos recursos naturais pelo homem. Aí incluem-se a agricultura, a pecuária, a urbanização, entre outros, e seus impactos, como o desmatamento, as queimadas, a emissão pela produção de dejetos e uso de fertilizantes.

Para mitigar os efeitos dessas alterações de origem antrópica, vários eventos internacionais ocorrem desde a Conferência do Rio, a chamada Cúpula da Terra ou Rio-92. Um marco imediato da Rio-92 foi o estabelecimento da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Reuniões anuais são efetuadas desde então, as chamadas COPs. A mais notável COP foi a de número três, realizada em 1997 em Quioto no Japão. Neste ano realiza-se a COP14, em Poznan, na Polônia.

A COP8 foi realizada em Curitiba, Paraná, entre os dias 20 e 31 de março de 2006

Particularmente, a conferência realizada na cidade de Quioto, no Japão, chamada de COP3, teve destaque por causa da definição de metas de redução de emissão dos Gases de Efeito Estufa (GEE) pelos países membros da UNFCCC, que gerou o documento chamado Protocolo de Quioto (PQ). Em função desse documento, os países industrializados devem reduzir 5,2% de suas emissões anuais, tendo como base o ano de 1990. Essa redução deve ser feita em um primeiro momento entre 2008 e 2012, chamado de primeiro período de compromisso, através de reduções domésticas com mudança de tecnologia, eficiência energética e mudança de hábitos. Como as exigências são rigorosas, o PQ estabeleceu mecanismos de flexibilização para que os países possam atingir suas metas de redução, sendo três possibilidades: o Comércio de Emissões (ET), a Implementação Conjunta (JI) e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM), ou MDL em português. Estes três mecanismos permitem a venda da redução de emissões, de um país ao outro, ou de um empreendedor ao ou
tro, sendo que apenas o último está aberto aos países em desenvolvimento que ainda não têm metas de redução, como é o caso do Brasil. Assim, criou-se o chamado Mercado de Créditos de Carbono, cujos títulos têm valor de mercado.

A grande parte do mercado mundial é destinada ao Comércio de Emissões, que movimentou no ano de 2006 cerca de 24 bilhões de dólares, mas não dá oportunidades aos países em desenvolvimento como o Brasil. O segundo maior mercado é o do MDL, este sim prevendo a elaboração de projetos entre os países dos dois blocos: desenvolvidos e os em vias de desenvolvimento. No MDL, que movimentou cerca de cinco bilhões de dólares no último ano, os projetos para o mercado são de várias categorias e envolvem diferentes atividades no uso de energia, manejo de dejetos e reflorestamento. Os créditos são papéis comercializados no mercado internacional, entre os países que têm metas a cumprir e os que não têm. O preço atual da tonelada de CO2 está na faixa de 20 dólares, vivenciando um momento de pico. Existem ainda outros mercados, os chamados mercados voluntários, para países que não ratificaram o Protocolo de Quioto, como os Estados Unidos. Entre os principais mercados estão a Bolsa do Clima de Chicago (CCX) e o Padrão Voluntário de Carbono (VCS).

As modalidades de projetos são 15 no MDL, de diferentes escopos. Já no mercado voluntário a gama de projetos é ainda mais ampla. Muitos projetos de MDL têm sido desenvolvidos no mundo, em um total de mais de 3,5 mil, dos quais quase 1,2 mil já estão registrados no Comitê Executivo do MDL na ONU e aptos ao mercado. O Brasil ocupa uma fatia importante do mercado, estando em terceiro lugar no número de projetos de MDL, atrás somente da China e da Índia.

Créditos de carbono gerados por esses projetos são títulos aceitos e com valor no mercado internacional, cujos compradores maiores são as empresas e também instituições dos países industrializados, que são os grandes poluidores do planeta. Esses títulos têm valor variável, de acordo com o mercado, oscilando atualmente de 10 a 20 dólares por tonelada de dióxido de carbono. Os países em desenvolvimento podem elaborar projetos de redução de emissões, através do uso de energias limpas e renováveis, manejo adequado de dejetos e também com reflorestamento. Os projetos de MDL, como são conhecidos, podem ser desenvolvidos por empresas, entidades governamentais e não governamentais e até pessoas físicas do Brasil e de outros países com menores níveis de emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso, entre outros.

Por exemplo, uma empresa brasileira pode desenvolver um projeto de energia eólica, substituindo diesel, verificar o quanto essa substituição potencializou um montante menor de gases efeito estufa lançados para a atmosfera e, assim, gerar créditos por isso. O total em toneladas de dióxido de carbono evitado, com a mudança tecnológica, refletirá em créditos que poderão ser comprados por uma empresa que polui na Europa ou no Japão. Para que o projeto seja aceito e gere créditos – que são emitidos pela ONU – ele deverá ser aprovado pelo governo brasileiro, através da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, com sede no Ministério de Ciência e Tecnologia, ser validado e certificado por uma instituição credenciada pela ONU e registrado mediante a aprovação final pelo Comitê Executivo das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas.

Os créditos de carbono servem para que as empresas poluidoras dos países ricos e desenvolvidos atinjam suas metas de reduzir emissões, que variam de país para país, mas que na média devem ser diminuídas em 5,2% até o ano de 2012. Os créditos podem ser usados em parte para abater essas emissões, mas é fundamental também que os países industrializados reduzam suas emissões domésticas. As empresas desses países deverão mudar sua tecnologia e uso de energia e transformar-se em empreendimentos mais limpos e com uso sustentável dos recursos naturais. Os créditos comprados de países como o Brasil serão usados como abatimento parcial até 2012.

O papel das geotecnologias

As geotecnologias possuem ampla gama de aplicações nos projetos de carbono. Um dos escopos em que sua aplicação é mais notável é o reflorestamento. Para que o proponente formule seu projeto, atendendo ao critério de elegibilidade exigido pelo Protocolo de Quioto e outras decisões complementares, é necessário produzir um mapa de uso do solo da área alvo, demonstrando que a área em questão não possuía florestas sobre a mesma na data de 31/12/1989.

Na figura 1(a) é apresentado um exemplo de área elegível para projetos de MDL. Aí surge a primeira grande aplicação do sensoriamento remoto, ou em alguns casos da aerofotogrametria ou da topografia. No ano de 1989 o satélite americano Landsat imageava o Brasil com resolução espacial compatível com a demanda de um projeto de MDL. Portanto, é necessário recorrer a uma imagem do Landsat próxima à data requerida pelo PQ e então realizar a comprovação de que não existiam florestas sobre a área em questão. Se as áreas forem muito pequenas, surgem algumas limitações frente às tecnologias disponíveis. Caso existam fotografias aéreas da área, de datas próximas, essas análises também ficam facilitadas. Outra possibilidade de comprovação de que na data requerida pelo PQ não existiam florestas sobre as áreas trata-se do uso de imagens em um intervalo anterior e posterior à data mencionada, visto que uma floresta, conforme definição apresentada na decisão 19 da COP9, não se forma de um ano para outro.

Imagem LandSat de 1989
Imagem LandSat de 1989

Parcelas permanentes para monitoramento de projeto
Parcelas permanentes para monitoramento do projeto

Figura 1 –  Exemplo de área elegível

Além do mapa de uso do solo em 31/12/1989, o proponente do projeto precisa apresentar um mapa atual. Certamente, para isso, deverá utilizar algumas das geotecnologias, muito possivelmente o sensoriamento remoto combinado com a cartografia digital e SIG.

Sistemas de Informação Geográfica (SIG): forma particular dos sistemas de informação, aplicada a dados espaciais georreferenciados, com o objetivo de armazenar, manipular, visualizar, analisar e representar dados

O mapa de uso atual do solo definirá o chamado Limite do Projeto, que terá seu perímetro e superfície definidos com exatidão e apresentados no projeto, na forma de mapas georreferenciados ou na forma de um memorial descritivo. Nesse polígono estará circunscrito o projeto de reflorestamento, onde serão plantadas as árvores das espécies eleitas, utilizando as técnicas adequadas. Esta representa a segunda aplicação das geotecnologias para projetos de carbono.

Nos créditos de carbono é necessário avaliar o estoque inicial de carbono existente na área alvo do projeto, a chamada Linha de Base. Todos os projetos de MDL prevêem a adoção de uma determinada metodologia, que deve ser aprovada previamente pela ONU. Para avaliar a condição no chamado momento zero, antes da implementação do projeto, é preciso elaborar um mapa dos estoques iniciais de carbono, o que só é possível através de geotecnologias. A diferença entre a Linha de Base e os estoques de carbono no final da vida do projeto dá o que se chama Adicionalidade, ou seja, o ganho em termos de quantidade de carbono que teríamos com a viabilização do projeto. Essa é a terceira grande aplicação das geotecnologias nos créditos de carbono.

No estudo será feita uma projeção da quantidade de carbono que as árvores irão retirar anualmente da atmosfera pelo processo de fotossíntese. Porém, para que sejam emitidos os créditos de carbono, equivalentes em toneladas de CO2, haverá obrigatoriedade de se realizar um monitoramento. Eis, então, que surge a quarta grande aplicação das geotecnologias. A maneira mais indicada de efetuar o monitoramento é por uma combinação de técnicas de amostragem de campo com a aplicação do SIG. No campo são estabelecidas parcelas de amostragem, que devem ser georreferenciadas. Através do SIG essas parcelas são planejadas sobre o limite do projeto, e respectivamente no terreno, as quais serão avaliadas continuamente por toda a vida do projeto, que pode ser de 20 a 60 anos, no caso do reflorestamento.

O monitoramento do projeto de carbono é uma aplicação imediata das geotecnologias, pois a análise temporal em todo o limite do projeto será bastante facilitada com a aplicação dessas técnicas. Periodicamente, de acordo com a metodologia e o plano de monitoramento, será necessário avaliar a área do projeto e quantas toneladas de carbono estão sendo absorvidas pelas árvores, visando à emissão dos créditos, conforme certificado pela entidade verificadora credenciada pela ONU. Multiplicando-se a área líquida do projeto pela quantidade média de carbono por hectare estocada na floresta, gerada pela amostragem em campo, é que se tem o número de créditos gerados pelo projeto. Pode-se também, a partir das coordenadas de campo coletadas com auxílio de um GPS, apontar a localização das mesmas sobre os mapas (figura 2).

Coleta com GPS
Figura 2 – Localização das coordenadas das unidades amostrais

Assim, se existirem áreas de clareiras dentro do projeto, provocadas por exemplo pela alta mortalidade de árvores por diferentes fatores, as imagens de satélite poderão servir de subsídio de quantificação destas. Pode-se destacar também que, com a disponibilização gratuita de imagens do território brasileiro pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), através do satélite Cbers, até recentemente com a câmara CCD de 20 metros de resolução espacial e hoje (agosto/08) com a câmara HRC de 2,7 metros de resolução espacial (figura 3), as geotecnologias para esta e outras finalidades ficaram mais acessíveis, com melhor poder de detecção dos alvos de interesse para projetos de carbono.

Câmera HRC do Cbers-2B
Figura 3 – Exemplo de imagem Cbers-2B – Câmara HRC

Em suma, as geotecnologias são essenciais para a elaboração de projetos de créditos de carbono, desde o teste de Elegibilidade, passando pela definição de Linha de Base, pela mensuração da Adicionalidade e pelo Monitoramento contínuo do projeto para a geração efetiva dos créditos.

Carlos SanquettaDr. Carlos R. Sanquetta
Engenheiro florestal
Professor do curso de engenharia florestal da UFPR
Coordenador do Centro de Excelência Fixação de Carbono na Biomassa (Biofix)
sanquetta@ufpr.br

Ana CorteM.Sc. Ana Paula Dalla Corte
Engenheira florestal
Doutoranda na UFPR
Pesquisadora do Centro de Excelência Fixação de Carbono na Biomassa (Biofix)
anacorte@ufpr.br

Caciane BastosCaciane Bastos
Acadêmica do curso de engenharia florestal da UFPR
cacirural@hotmail.com