A notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo, no dia 6 de fevereiro de 2009, trazia a informação de que a metragem cadastrada do Shopping Bourbon, no Cadastro Imobiliário da Secretaria de Finanças da Prefeitura Municipal de São Paulo, era muito inferior à sua área real, mesmo depois de 11 meses da sua inauguração. Essa inconsistência (ou “furo”) cadastral encontrada gerou uma grande polêmica na sociedade brasileira e abriu uma discussão sobre o tema.

CTM

No sistema de gestão tributária do município constava que a edificação em pauta perfazia pouco mais de 500 metros quadrados, embora o prédio do Shopping totalizasse aproximadamente 185 mil metros quadrados. Em consequência, o valor do IPTU correspondente ao imóvel inscrito era de 615,3 mil reais, enquanto que, se o mesmo estivesse corretamente cadastrado, totalizaria a importância de 4 milhões de reais para os cofres municipais, mesmo montante pago pelo Shopping Jardim, que apresenta área similar.

A principal justificativa, apresentada pela Secretaria de Finanças do município para esse enorme “furo” cadastral encontrado em suas bases, foi de que o processo de registro (de competência da subprefeitura da Lapa), não havia sido concluído porque o registro e a numeração das plantas (dispostas em dez caixas) foram feitos manualmente.

Desatualização constante

Uma base cadastral municipal, também utilizada para fins tributários, sofre desatualizações constantes devido à dinâmica das cidades, provenientes tanto do aumento da natalidade como pelos movimentos migratórios, que provocam pressão no mercado de terras, gerando construções clandestinas, ocupações irregulares, entre outros. Esses fatos, somados à falta de mecanismos para fiscalização e controle urbanos geram, ao longo do tempo, um déficit cadastral. Este déficit pode ser mensurado pela razão entre a cidade legal (todos os imóveis que constam no cadastro) e a cidade real (todos os imóveis existentes na cidade, incluindo os clandestinos e os irregulares).

Diagnósticos realizados em cadastros de vários municípios, executados pelos autores, apontam falhas no sistema de gestão tributária. Nesses sistemas podem ser encontradas diferentes inconsistências cadastrais, a saber: dados incorretos, decorrentes do preenchimento errôneo de alguns campos; dados incompletos por falta de informações cadastrais; ou dados desatualizados, provocados por informação divergente entre o cadastro e a realidade encontrada em campo.

Nesse contexto, os “furos” no cadastro são mais comuns do que se possa imaginar, devido à falta de investimentos e/ou em decorrência da utilização de sistemas de gestão tributária ineficientes.

Através do tratamento das inconsistências, detectadas por ocasião de diagnósticos, ou mesmo pela utilização eventual de informações cadastrais, pode-se visualizar os diferentes níveis de erros, demonstrando a necessidade do desenvolvimento sistemático de rotinas no gerenciamento do sistema, com o intuito de minimizar tais distorções.

Na figura a seguir estão representados, esquematicamente, os “furos” cadastrais mais encontrados nos sistemas de gestão tributária, também denominados de inconsistências cadastrais.

Furos Cadastrais

A camada 1, na cor vermelha, representa a diferença entre a cidade real (todos os imóveis existentes no perímetro urbano do município) e a cidade legal (todos os imóveis inscritos no cadastro imobiliário). Ou seja, contempla os imóveis que não têm nenhum tipo de registro no sistema da secretaria responsável pelo cadastro.

Dentre os vários exemplos desse tipo de inconsistência, encontrados pelos autores, pode-se destacar o caso do município de Camaquã, no Estado do Rio Grande do Sul. No ano de 2001 constavam no cadastro 16.627 unidades cadastrais. Após a execução de uma atualização e revisão das informações constantes no cadastro, em 2002 estavam registrados 22.513 unidades cadastrais, evidenciando que a cidade apresentava um elevado déficit cadastral. A intervenção no cadastro da cidade propiciou o alcance de bons resultados, como aumento da base (área construída) em 346 mil metros quadrados e, principalmente, aumento da justiça e equidade tributárias. Nesse caso, o ideal de otimizar arrecadação (oriunda do IPTU), sem aumentar impostos foi obtido. O aumento da base cadastral possibilitou uma ampliação na receita na ordem de 548.300 reais, enquanto que o valor médio por unidade praticamente não sofreu alterações. No ano de 2001 era de 92,25 e no ano de 2002 foi de 92,49 reais por unidade.

A camada 2, na cor laranja, abrange todos os imóveis cadastrados com algum tipo de incorreção, que não permite a obtenção da totalidade de seu potencial tributário. Ou seja, alguns imóveis encontram-se cadastrados como terrenos baldios, embora os mesmos encontrem-se edificados. Outrossim, no sistema de gestão tributária inexistem informações sobre o contribuinte, ou alguns terrenos cadastrados não dispõem de endereço de correspondência, impossibilitando a notificação do sujeito passivo (contribuinte). Um exemplo desse tipo de falha é verificado no município de Canoas, no Rio Grande do Sul. Segundo o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, a receita prevista de IPTU no ano de 2004 era de R$ 8.120.000, enquanto que a receita arrecadada foi de R$ 5.902.833,94. Ou seja, boa parte dessa inadimplência constatada (27%) foi provocada pela falta de informações de localização (endereço de correspondência), fato este comprovado pelo grande número de carnês devolvidos pelos Correios.

Na camada 3 do círculo, na cor amarela, estão identificados os terrenos edificados que apresentam distorções nas respectivas áreas construídas, geralmente com área real inferior à cadastrada, decorrentes das ampliações não legalizadas (área menor) ou até mesmo de apenas alterações resultantes de demolições (área maior). Um exemplo eloquente desse tipo de “furo” é o caso do Shopping Bourbon.

Na camada 4, na cor verde, estão contidos os imóveis edificados cujas informações relativas à tipologia construtiva estão em desacordo com a realidade, impossibilitando a obtenção de uma avaliação correta do valor venal do imóvel que, por conseguinte, conduz à iniquidade fiscal. Um exemplo desse tipo de inconsistência foi verificado no município de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina. Para corrigir tal distorção, o Governo Municipal, através do Decreto nº 5156 de 24 de setembro de 2007, aprovou o regulamento do cadastro imobiliário e do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, que propõe a criação de uma nova tipologia para as edificações, subdividida em padrões construtivos. Tal medida permitirá a alteração na fórmula de cálculo do valor venal dos imóveis edificados, adequando-os à realidade do mercado imobiliário, a fim de minimizar as injustiças fiscais.

Cadastro correto

Portanto, constata-se que, dentre o universo dos imóveis existentes numa cidade, poucos deles têm uma representação cadastral correta (informações quantitativas e qualitativas) que possa propiciar o cálculo do valor venal de acordo com a realidade de mercado. Estas estão representadas na camada 5 da figura, na cor branca.

A implantação (ou reestruturação) de um sistema de gestão tributária passa, necessariamente, por uma fase preliminar de diagnóstico. Nessa etapa são verificadas as inconsistências cadastrais existentes através da análise amostral dos dados, identificando a qualidade e a atualidade das informações. Através desse procedimento é possível estabelecer um nível de qualidade das informações existentes. Isto é, um sistema de gestão tributária consistente promove a minimização das iniquidades tributárias, além de oferecer uma base mais exata para todas as demais secretarias que demandam informações do cadastro.

Por conseguinte, prefeitos e demais gestores municipais que conduzem os destinos das cidades brasileiras deveriam prestar mais atenção – e aportar investimentos – nos seus cadastros, pois deles podem ser obtidos parte dos recursos econômicos para a gestão municipal e, principalmente, somente através deles pode ser alcançada a tão propagada justiça fiscal.

Marcos Aurélio Pelegrina
Geógrafo, mestre e doutorando em
engenharia civil (UFSC)
Professor do departamento de  geografia
da Unioeste – Campus Francisco Beltrão (PR)
marcospelegrina@gmail.com

Luiz Fernando Chulipa Möller
Engenheiro civil, mestre e doutorando em
engenharia civil (UFSC)
Professor da escola de gestão pública da
Federação dos Municípios do Estado do Rio
Grande do Sul e de cursos de pós-graduação
em engenharia (Faculdades Oswaldo Cruz,
Faculdades São Marcos e Ipog)
chulipa10@gmail.com