O meio ambiente urbano influencia a percepção e atitudes dos indivíduos através dos constantes impactos sofridos por estímulos visuais, verbais, sonoros, estéticos, alterando valores e crenças, e forçando o surgimento de reações variadas, tais como amadurecimento precoce na infância, aumento do nível de tolerância cultural, étnica, religiosa e moral, oferecendo constante estímulo a uma educação multifacetada e fracionamento familiar.
A complexidade urbana interfere no indivíduo, que através da sua cadeia de necessidades impacta novamente o desenvolvimento urbano, refletindo-se na potencialidade de consumo, no dimensionamento do “share of wallet” das famílias, nas necessidades de crédito e riscos de inadimplência, bem como no direcionamento de políticas governamentais, diversidade essa traduzida por indicadores que permitam mapear essa visão multifacetada.
Isso se torna possível através da geoanálise, que permite agregar informações de diversas naturezas, trazidas para o mesmo tempo e espaço, permitindo a construção dessa visão do indivíduo integrada ao seu meio ambiente, utilizando técnicas de estatística multivariada e espacial.
Para reconhecer as diversas tipologias da cidade define-se a Segmentação de Estágios de Desenvolvimento Urbano, que utiliza a delimitação geográfica dos setores censitários como unidade primária de informação, além de dados provenientes de fontes de estatísticas públicas, que integram aspectos relativos ao desenvolvimento urbano.
Como resultado da segmentação são definidos sete estágios diferenciados de um município: solidez, segurança, equilíbrio em conquista, unipessoal, estabilidade, sobrevivência e privação. Tais segmentos, quando vistos através do georreferenciamento, permitem entender a interferência do meio ambiente no indivíduo, para suporte desde a um gerenciamento de categorias, a ser exposto em determinada loja, até ofertas e promoções com comunicação direcionada à venda de um cartão de crédito; seja vinculado à necessidade pessoal ou a uma política governamental para o estabelecimento de uma unidade de atendimento à saúde que determine o perfil de atendimento.
São Paulo
Através da ótica da segmentação percebe-se claramente uma relação geográfica de desenvolvimento do município, onde a concentração maior é na região central e oeste, e melhores aspectos sócio-econômicos também, seguida por um anel de estabilidade – caracterizado pela imigração e desenvolvimento histórico da cidade – culminando numa periferia de níveis de sobrevivência e privação. Estes estágios convivem de forma integrada, como pode ser observado na figura a seguir.
Segmentação geográfica e desenvolvimento em São Paulo
Para entender o perfil familiar que apoia estes segmentos, tem-se a seguir o descritivo de algumas das tipologias de moradores:
“Azuis”, denominados de Solidez, são núcleos familiares que apresentam:
Solidez e patrimônio – residem em moradias de alto padrão, com a presença de empregados domésticos e na maioria equipados com tecnologia avançada;
Estrutura familiar – estabelece pela composição de suas individualidades, tanto nos aspectos ideológicos quanto materiais, compreendem atividades como leitura, centrada na aquisição de informação da atualidade e tecnologia;
Hábitos – se refletem no orçamento familiar. Os gastos com educação e saúde da rede privada apresentam destaque nas despesas, bem como as viagens, as atividades culturais e de lazer diversificadas e sofisticadas;
Valores – pessoas dinâmicas, conectadas, abertas a novas experiências e dispostas perante a vida;
Alimentação – provida muitas vezes pelo “delivery”, ou em restaurante “fast food”, aliados a sofisticação.
“Amarelos” , Sobrevivência, são pessoas que apresentam:
Residência – nas regiões de menor infraestrutura urbana e baixa qualidade no transporte coletivo. As construções são estruturadas sem preocupação no seu acabamento, com oportunidade para a instalação de outros cômodos para os filhos, num futuro próximo;
Rendimento – os gastos são compartilhados pelos membros da família. Há uma multiplicidade per capita de cartões de crédito neste grupo;
Composição familiar – jovem e numerosa, onde a baixa escolaridade do chefe de família reflete o padrão de vida comprometido com gastos básicos;
Valores pessoais – moldados por celebridades, representando sua aspiração de ascensão social.
A partir do conhecimento deste perfil amplo do consumidor, uma empresa pode enriquecer sua base de dados corporativa de forma a apoiar as estratégias de marketing de relacionamento, através do georreferenciamento de seu cliente.
Políticas de saúde
Na visão diferenciada do conceito saúde-doença, procura-se integrar o conhecimento histórico do processo da doença à sua determinação social. Desta forma, o processo da saúde-doença é função dos indivíduos no espaço urbano que incorpora diversas realidades, tais como condições de vida, acesso à informação, atendimento, prevenção e outras dimensões.
Assim, o modelo de análise passa a ser sobre a situação de risco (micro-áreas) provavelmente diferente do modelo de risco individual, identificando-se o espaço como o meio dessa potencialidade, e onde a consideração das desigualdades urbanas, quer sejam econômicas, culturais, de estágio de vida e outras, permitam subsidiar o planejamento de intervenção.
A integração das informações de saúde, sob aspectos como morbidade, mortalidade, assim como a rede hospitalar disponibilizada para a população, às dimensões de estágios de desenvolvimento urbano, constituiu-se numa forte ferramenta estratégica, denominada “Atlas da Saúde”, um trabalho conjunto com o Hospital Albert Einstein e a Prefeitura de São Paulo, disponível em http://apps.einstein.br/atlas.
Mapa do número de casos estimados de AVC, na faixa etária de 60 a 74 anos, em São Paulo
Com o mapeamento dos casos das doenças crônicas, estimados a partir de modelos estatísticos que se baseiam em coeficientes de mortalidade e índices de letalidade sobre os óbitos, e por fontes públicas da Secretaria de Saúde (Datasus e PRO-AIM), dados estes relativizados quanto ao estágio de desenvolvimento urbano, garantiu-se uma melhor precisão nas estimativas de incidência de casos com uma distribuição espacial pela cidade.
Sueli Daffre
Bacharel em estatística pela USP e consultora há mais de 20 anos. Professora da FGV (RJ) e IBMEC (SP).
Sócio-diretora da SD&W
sueli.daffre@sdw.com.br