O Seminário de Geomarketing, ocorrido em São Paulo no último dia 31 de março, criou um precedente fundamental ao tornar o tema um assunto oficialmente sério e merecedor de eventos dedicados à sua discussão. Foram feitas contribuições valiosas em diversas áreas relacionadas ao tema, como o leitor poderá confirmar no hotsite www.mundogeo.com/seminarios/geomarketing.

Porém, a palestra que mais chamou minha atenção tratou de um tema ainda pouco discutido por especialistas e usuários de geomarketing: a transição demográfica e suas consequências para a economia e empresas brasileiras. O assunto, que vem sendo divulgado com crescente frequência na mídia, incluindo a não especializada, foi apresentado com brilhantismo e bom humor pelo colega demógrafo José Eustáquio Diniz. Por tratar de um assunto pertinente e relativamente pouco conhecido, gostaria de usar meu espaço nesta edição para apresentá-lo e para destacar alguns de seus pontos de impacto para o campo de inteligência para negócios.

A chamada “transição demográfica” representa uma das principais e mais surpreendentes transformações experimentadas pela espécie. Durante quase toda sua história, a humanidade apresentou crescimento demográfico inexpressivo, uma consequência do quase equilíbrio entre a natalidade e a mortalidade. Tratava-se de um regime onde nascia muita gente, mas morriam muitos também, sendo que a maioria eram crianças e mulheres em idade reprodutiva. A pequena diferença entre nascidos e mortos garantiu a sobrevivência e o lento crescimento da espécie ao longo de centenas de milhares de anos.

Isso começou a mudar, entretanto, em meados do século XIX em decorrência da revolução industrial, quando a mortalidade começou a cair sistematicamente em alguns países da Europa e nos Estados Unidos. Com níveis de mortalidade cada vez menores, estas populações começaram a crescer rápida e continuamente, atingindo níveis populacionais jamais registrados em suas histórias. A queda de mortalidade chegou aos países menos desenvolvidos mais tarde, no século XX, com resultados análogos para o crescimento populacional. Para se ter uma ideia da dimensão desse processo, somente durante aquele século a população brasileira aumentou em 10 vezes. Como brincou José Eustáquio, “nunca antes na história deste país a população cresceu tanto quanto no século XX”.

E tampouco crescerá na mesma proporção novamente! Isso porque a queda da mortalidade, na grande maioria dos países que a experimentaram, foi ou está sendo seguida, após um intervalo que variou de país para pais, por quedas igualmente grandes na natalidade. Este movimento trouxe as duas principais fontes de crescimento populacional – mortalidade e natalidade – a um novo equilíbrio, com taxas de crescimento similares às anteriores, porém com níveis muito mais baixos de natalidade e mortalidade.

Este padrão de queda de mortalidade, seguido de queda de fecundidade após um intervalo com forte crescimento populacional, foi observado primeiramente na maioria dos chamados países desenvolvidos e, hoje, é visto em grande parte dos países em desenvolvimento, inclusive no Brasil. Por aqui, as taxas de fecundidade já apresentam níveis abaixo da reposição populacional desde a década de 90 e o mesmo acontece com diversos países na América Latina e Ásia. Não fosse assim, o mundo poderia estar hoje a caminho de uma catástrofe econômica de grandes proporções, pois os recursos necessários para nossa sobrevivência e manutenção de nosso padrão de consumo são, em última análise, finitos. Pelo menos frente a um crescimento populacional exponencial e contínuo.

Para se ter uma ideia do tamanho do problema que escapamos, basta observar que se a China, hoje com cerca de dois bilhões de habitantes, voltasse a crescer a dois por cento ao ano – uma taxa menor que a que experimentou durante a maior parte do século XX – acrescentaria, em apenas 60 anos, seis bilhões de habitantes à população mundial. Um volume que, sozinho, seria suficiente para dobrar a população mundial. E nos 30 anos seguintes, acrescentaria outros oito bilhões de habitantes! Por isso, é com grande alívio que observamos a queda da natalidade na maioria dos países, inclusive na China, o que nos permitiu escapar da chamada “armadilha Malthusiana”, em que este ajuste demográfico se daria da pior forma, ou seja, através do aumento significativo na mortalidade humana em consequência da crise de sustentabilidade que nosso crescimento populacional teria gerado.

A transição demográfica é, portanto, uma transformação gigantesca na qual populações passam de regimes de baixo crescimento associado a altos níveis de natalidade e mortalidade, para baixo crescimento com baixos níveis de natalidade e mortalidade, passando por um período de rápido crescimento, quando a mortalidade cai e a natalidade se mantém relativamente constante. Mas quais são suas consequências para as economias e empresas?

Ocorre que a mudança para baixos níveis de mortalidade e natalidade não acontecerá sem resultar em transformações importantes em nossas populações. A principal delas é o chamado “envelhecimento populacional”. Espera-se que, até 2020, um a cada cinco cidadãos residentes em países desenvolvidos tenha mais de 65 anos. Trata-se, novamente, de uma transformação sem precedentes na história humana, pois, no regime anterior, os altos níveis de natalidade faziam com que as populações fossem predominantemente jovens, havendo menos de 3% da população acima desta faixa etária.

Envelhecimento populacional e suas características

O Brasil está envelhecendo, e continuará a envelhecer nas próximas décadas. Uma das consequências deste processo será a pressão crescente no custo social para manter a população idosa. Ao mesmo tempo, há mudanças importantes na estrutura de nossa população, associadas ao seu envelhecimento, com consequentes transformações mercadológicas que, para os mais atentos, poderão significar grandes oportunidades de negócios.

Um bom exemplo é o crescimento no número de casais com dupla-renda. Segundo José Eustáquio, entre 1996 e 2006 este grupo cresceu mais de 70%, ao passo que casais “tradicionais”, com uma fonte única de renda, diminuíram 16% no mesmo período. Dentre os casais com dupla-renda, destacam-se os chamados de duplo ingresso e nenhuma criança (DINC) que, além do duplo rendimento, não têm dependentes. Não é necessário chamar a atenção para o potencial de consumo deles, mas talvez seja novidade para muitos saber que, no Brasil, o número de casais nesta situação cresceu quase 90% no período mencionado. Além disso, este segmento apresenta uma renda per capita ao menos duas vezes maior do que qualquer outro arranjo familiar.

Bônus demográfico

Outro fenômeno importante, embora transitório, é o chamado bônus demográfico. Ocorre que, no processo de envelhecimento, populações deixam de ser “crianças” para ser “jovens adultas” – quando idades adultas e economicamente ativas são predominantes – e depois tornam-se “maduras”. Isso significa que, por algum tempo, o número de indivíduos economicamente inativos – crianças e idosos, em geral – por cada adulto economicamente ativo atinge um valor mínimo, para então voltar a crescer à medida em que a população se torna mais idosa. Menos inativos e mais ativos significa, é claro, mais recursos disponíveis para consumo e investimento em uma sociedade e, portanto, mais oportunidades para empresas e empreendedores.

O Brasil está entrando agora no bônus demográfico e deverá sair dele em cerca de 30 anos. Por isso, é hora de aproveitar, pois associado ao cenário macroeconômico promissor, anunciado nos últimos meses, há também um cenário demográfico positivo, que apresenta oportunidades para novos negócios.

Mas e o geomarketing com isso?

As mudanças que nossa população está experimentando, em função de sua transição demográfica, irão transformar nossos mercados estruturalmente em formas ainda não totalmente compreendidas e assimiladas. Naturalmente, essas transformações impactarão também em como as populações e mercados se organizarão espacialmente. Para alguns, resultarão em oportunidades, mas para outros em ameaças. Tudo dependerá de como cada um as enxergará. E como já foi repetido aqui, o geomarketing é inteligência e, sem inteligência, não se enxerga muito, certo?

Reinaldo Gregori

Reinaldo Gregori
PhD em demografia econômica e mestre em economia pela U.C. Berkeley e Georgetown University, professor de métodos de expansão da FIA-Provar e diretor-geral e conselheiro técnico da Cognatis, empresa de inteligência aplicada e geomarketing
reinaldo@cognatis.com.br