Ultimamente tem-se focalizado muita atenção na degradação do meio ambiente e nos problemas que o homem tem causado ao planeta. Para se estudar a diversidade desses fenômenos, cientistas de todo o mundo têm buscado dados e informações para se obter uma maior compreensão dos efeitos causados ao meio ambiente. São realizados monitoramentos de diversas variáveis (temperatura, pressão, umidade, vento, precipitação, radiação solar, entre outras) através de sistemas de observação compostos de sensores, transdutores e medidores manuais ou automáticos. Para que esses dados sejam confiáveis e aceitos mundialmente, a precisão das medições é assegurada e deve ser evidenciada por sua rastreabilidade aos padrões de medida ou a materiais de referência certificados e internacionalmente reconhecidos.
O monitoramento ambiental é um tema muito amplo e sabemos que requer uma abordagem científica multidisciplinar. Profissionais nesta área requerem conhecimento em diversas disciplinas científicas como a química, física, biologia, matemática, estatística aplicada e computação. No Brasil, atualmente existem mais de cinco mil estações de monitoramento. São estações meteorológicas, agrometeorológicas, hidrometeorológicas, hidrológicas, marinhas, de pesquisa aplicada, entre outras.
Os dados de monitoramento ambiental requerem continuamente medidas mais exatas, e é praticamente impossível efetuar uma medição que seja totalmente isenta de erros ou incertezas, por isso torna-se necessário conhecer e evidenciar a qualidade dos dados. Anemômetros não corretamente calibrados, utilizados no levantamento eólico, podem traduzir em um grande prejuízo para a geração de energia elétrica e é tecnicamente impossível construir dois equipamentos absolutamente idênticos. Sendo assim, é necessário avaliar o grau de similaridade entre as medidas realizadas por um instrumento e valores deste mesmo parâmetro, determinados por um padrão, através da calibração.
com rastreabilidade ao PMOD/WRC
Como primeira atividade do monitoramento ambiental, a metrologia é responsável pela calibração da instrumentação, promovendo desta maneira os dados confiáveis que servirão para as conclusões científicas e tomadas de decisões. A metrologia é o campo do conhecimento relativo às medições e abrange todos os aspectos teóricos e práticos referentes às medições em todas as áreas da ciência e da tecnologia. Esta definição é consenso da União Internacional de Física Pura e Aplicada (Iupap), União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac), Federação Internacional de Química Clínica (IFCC), Organização Internacional de Normalização (ISO), Organização Meteorológica Mundial (WMO), Bureau Internacional de Pesos e Medidas (BIPM) e Comissão Internacional de Eletrotécnica (IEC).
A rastreabilidade metrológica é a propriedade de um resultado de medição pela qual tal resultado pode ser relacionado a uma referência. É o principal parâmetro que permite comparar as medidas nacional ou internacionalmente, através de uma cadeia contínua de comparações, todas tendo incertezas estabelecidas. Dessa forma, é possível afirmar que 1 grau Celsius em um dado local é igual a 1 grau Celsius em qualquer lugar do mundo, e isto se estende às outras variáveis.
Na prática, conforme o diagrama ilustrado anteriormente, isto é assegurado através da calibração dos equipamentos (base da pirâmide) utilizando-se padrões calibrados em laboratórios acreditados (pertencentes às redes de calibração nacional ou internacional) ou em Institutos Nacionais de Metrologia (NMI) com reconhecimento mútuo mundial, e estes devem participar de comparações interlaboratoriais de acordo com os requisitos do BIPM, disseminando assim as unidades do Sistema Internacional (SI).
Em toda calibração ou ensaio deve-se reportar a incerteza de medição, um parâmetro que caracteriza a dispersão dos valores atribuídos a um mensurando. Para que as atividades da área de metrologia ambiental sejam realizadas de forma sistemática, e atendendo à orientação de que é imprescindível registrar as pequenas variações meteorológicas, os sistemas de calibração ideais devem normalmente ser de categoria superior aos objetos sob calibração, quando aplicáveis, em uma escala de 10:1, 4:1 e em alguns casos especiais 1:1, pois os instrumentos calibrados herdam as incertezas dos sistemas a que foram submetidos a calibração. Na imagem anterior temos, como exemplo, um sistema de calibração de piranômetros com um padrão rastreado ao World Radiation Center (WRC), em Davos, na Suíça.
Sistemas de Gestão Ambiental e da Qualidade (ISO 9001, 14001, 17025, etc) e as redes internacionais de informações de dados de medidas de monitoramento e pesquisas meteorológicas requerem que toda a instrumentação utilizada deva ter metodicamente sua calibração inicial, verificações e recalibrações realizadas com a devida rastreabilidade evidenciada, propiciando o intercâmbio e a comparabilidade das informações entre diversos países. Na seleção e utilização da instrumentação deve-se, sempre que possível, atender às recomendações da OMM, Baseline Surface Radiation Network (BSRN), Measuring Network of Wind Energy Institutes (Measnet), entre outras. Segundo a OMM, os limites das faixas de trabalho dos sistemas de observação dependem das condições climatológicas locais para cada variável, e estes requisitos, quando aplicáveis, podem ser utilizados também como critério de aceitação para a instrumentação a ser utilizada na medição de variáveis meteorológicas. Critérios de aceitação são parâmetros que servem como referência para verificar se o instrumento está adequado ao uso.
No Brasil, em algumas áreas, a calibração ainda é normalmente confundida como uma mera comparação com outro instrumento e, de modo geral, deposita-se excessiva credibilidade à instrumentação. A calibração abrange aspectos científicos além da rastreabilidade e da análise das incertezas inerentes aos processos de medição. Anteriormente à aprovação de um procedimento de calibração, há uma pesquisa aplicada para seleção, avaliação e validação de métodos adequados para cada variável ou grandeza de medição. Além disso, outra atividade dos metrologistas é avaliar se os sensores sob calibração obedecem às Leis da física e/ou da química que regem seus princípios de funcionamento.
Considerações
Para assegurar a confiabilidade dos dados na área ambiental, assim como em outras áreas, atualmente há recomendações e requisitos que devem ser atendidos, entre eles a calibração com a devida rastreabilidade evidenciada. Com os resultados das calibrações, as medidas realizadas em campo podem ser corrigidas e a consequente comparabilidade entre os dados de diferentes instituições nacionais e internacionais que têm estes requisitos implementados, torna-se possível.
Além do monitoramento ambiental, sistemas devidamente calibrados servem como referência para calibração, validação e qualificação de sistemas remotos (sensores orbitais, aerotransportados, radares, etc.).
A recalibração dos sensores e medidores ambientais não vem acontecendo de forma adequada no país, e os custos ainda preocupam os seus usuários, pois envolvem também gastos com a logística; porém, integrando-se todos os custos envolvidos na calibração, os benefícios são infinitos, o que não acontece com os grandes problemas acarretados devido à propagação dos erros na utilização de dados não confiáveis.
“Good data are not necessarily excellent, but it is essential that their quality is know and demonstrable”
World Meteorological Organization (WMO)
Nota: a opinião dos autores não necessariamente representa as opiniões das Instituições inseridas neste trabalho
Márcio A. A. Santana
Mestre em metrologia, engenheiro metrologista do Laboratório de Instrumentação Meteorológica do Inpe/CPTEC e professor de Instrumentação e Controle de Processos da Unesp/CTIG – Campus de Guaratinguetá (SP)
marcio.santana@cptec.inpe.br
Patrícia L. O. Guimarães
Mestre em metrologia e responsável pela área de metrologia ambiental do Laboratório de Instrumentação Meteorológica do Inpe/CPTEC
patrícia.guimaraes@cptec.inpe.br