A demografia é uma ciência importante e tem apresentado um grande desenvolvimento, em todo o mundo. Em diversos países, tem crescido a contribuição dos estudos populacionais para a orientação das políticas públicas e para a tomada de decisão no domínio comercial. Contudo, as potencialidades da demografia para o setor público e privado, no Brasil, ainda são pouco aproveitadas. As transformações recentes no padrão demográfico brasileiro continuam sendo pouco conhecidas. Em geral, os tomadores de decisão na área estatal ou de mercado consideram, quando muito, o volume e o ritmo de crescimento da população, mas ignoram as transformações na estrutura etária e as dinâmicas dos arranjos domiciliares. Existe um verdadeiro tesouro a ser explorado nesta área.

A incorporação da análise demográfica em aplicações comerciais é quase ilimitada. A expressão “Demografia dos Negócios” é um termo adotado para abarcar o conjunto de técnicas e métodos para a realização de diagnósticos, prognósticos, segmentação de mercado, seleção de localidades para produção de bens e serviços, conhecimento do capital humano, mapeamento dos níveis e padrões de consumo, etc.. O conhecimento das características sociodemográficas permite, dentre outras coisas, uma melhor focalização de mercado, ajudando a aumentar a eficiência empresarial e as estratégias de marketing dirigidas a diferentes públicos alvos. Por exemplo, um fabricante de fraldas descartáveis pode atender as famílias com filhos pequenos, por meio de sua linha de fraldas infantis, ou as famílias ou pessoas da terceira idade, suprindo a demanda de fraldas geriátricas, embora, espacialmente, estes mercados possam ocupar distintos territórios.

Cabe à geodemografia mostrar como se distribui a população (segundo suas características socioeconômicas), qual o ritmo de crescimento (ou decrescimento) de cada coorte etária e onde se localiza a procura pelos produtos de uma companhia. Em ambiente de negócios competitivos e diversificados, as empresas precisam ter agilidade e inteligência na busca de maior produtividade e eficiência. Neste contexto, uma base de dados convenientemente ligada a Sistemas de Informações Geográficas (SIG), e complementada com as informações demográficas, pode potencializar a tomada de decisão, tanto tática quanto estratégica.

Mudanças estruturais e bônus demográfico

Desta forma, é preciso incorporar na análise as mudanças ocorridas na população do país. O padrão demográfico do Brasil não é mais aquele que predominou no passado. A queda das taxas de mortalidade possibilitou uma grande redução das mortes na infância e um prolongamento da vida média das pessoas. A queda das taxas de fecundidade reduziu o tamanho médio das famílias e estreitou a base da pirâmide etária, dando início ao processo de mudança da estrutura etária. O número de crianças e jovens (0 a 14 anos) decresce em termos absoluto e relativo. Em contrapartida, cresce a população em idade economicamente ativa, possibilitando a redução da razão de dependência demográfica e o surgimento de uma janela de oportunidade, ou bônus demográfico. A menor carga demográfica implica em maior renda per capita por família, maior capacidade de poupança, maior oferta de mão-de-obra para a economia e crescimento da cesta de consumo.

Esta nova realidade do novo padrão demográfico tem contribuído para o crescimento da classe média brasileira, para a redução da pobreza e para o aumento do bem-estar dos cidadãos. Tem contribuído, também, para o aumento das taxas de atividade feminina no mercado de trabalho. Com menos filhos, as mulheres podem dar mais atenção ao estudo, ao emprego e às suas carreiras, tendo, em compensação, maiores salários e rendimentos em retorno à maior experiência e ao maior capital humano utilizado.

Paralelamente, cresceu o número de pessoas que moram sozinhas e os arranjos com a presença de casais em que o chefe e o cônjuge trabalham. O percentual de arranjos domiciliares com casais de dupla renda passou de 30%, em 1996, para 44% em 2008. Os chamados casais de Duplo Ingresso Nenhuma Criança (Dinc ou Double Income, No Children) passaram de 2,7%, em 1996, para 4% em 2008, e representam um tipo de arranjo familiar que tem maiores níveis de renda e consumo. Em geral, o nível de consumo depende da renda média domiciliar, mas a estrutura de idade e os tipos de arranjos familiares são variáveis que não podem ser ignoradas pelas empresas e pelo marketing.

Censo

O IBGE possui uma série de pesquisas domiciliares que são essenciais para a análise demográfica e a geomática, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), dentre outras. Mas, sem dúvida, a fonte mais rica e mais abrangente de dados é o Censo Demográfico, que possui dois questionários: o básico (com poucas perguntas) aplicado em todos os domicílios do país e o questionário da amostra (com muitas perguntas) aplicado em uma quantidade aleatoriamente selecionada dos domicílios, que varia com o tamanho do município. O Censo Demográfico de 2010 vai não só atualizar as informações sociodemográficas do país, mas também incorporar uma série de inovações muito úteis para a demografia dos negócios e o geomarketing, possibilitando avanços no cálculo de estimativas e projeções populacionais em pequenas áreas.


Os questionários podem ser acessados em www.ibge.gov.br/censo2010


Para ficar apenas em um exemplo, o Censo Demográfico de 2010, além de trazer informações mais detalhadas de renda das pessoas adultas, trará informações sobre energia elétrica em cada domicílio. As perguntas 2.10 a 2.12, colocadas no questionário básico, vão possibilitar o conhecimento de algumas questões sobre o consumo de energia elétrica. Estas perguntas, usadas de forma criativa e combinadas com as informações de sexo, idade, estrutura familiar e rendimento das pessoas, podem servir de base para projeções, em nível de setor censitário, desde que haja informações atualizadas do consumo de energia.

Um trabalho conjunto do IBGE (que é o coordenador do Sistema Nacional de Estatística) com as empresas de energia elétrica (coordenadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel) poderia fornecer as bases para uma projeção anual (ou até mensal ou trimestral) da população, desde que haja uma compatibilização dos dados. Mesmo com as dificuldades inerentes a todo método de projeção, as inovações do Censo Demográfico 2010 podem melhorar a atualização permanente das estimativas populacionais e do padrão de consumo da população brasileira. Não é preciso dizer que informações detalhadas, espacialmente desagregadas e constantemente atualizadas, são a base da demografia dos negócios e do geomarketing, que juntos aumentam a capacidade das empresas e entidades públicas para atenderem a demanda de bens e serviços por parte dos cidadãos e cidadãs do país.

Nota: as opiniões deste artigo são dos autores e não refletem necessariamente aquelas da Instituição.

José Eustáquio Diniz Alves
Professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE) e ex-vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) gestão 2007-2008

Suzana Cavenaghi
Professora da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE) e presidenta da Associação Latino Americana de População (ALAP) gestão 2009-2010