O receptor GNSS atuando como um sensor meteorológico

Os assuntos até agora publicados nesta coluna foram relacionados com os fundamentos do GNSS, quais sejam: os referenciais geodésicos, as observáveis GNSS, a solução das ambiguidades e sua validação no contexto das duplas diferenças.

Nesta seção iremos abordar a aplicação do GNSS relacionada com a atmosfera, em especial a troposfera, comumente denominada na literatura inglesa de GNSS Meteorology. Embora o sistema não tenha sido desenvolvido para tal finalidade, o receptor GNSS passou a ter uma função similar a de um sensor meteorológico. Esse receptor pode estar instalado numa base terrestre, tal como a Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo (RBMC), ou a bordo de um veículo espacial, tal como um satélite Low Earth Orbit (LEO). Nesta seção ficaremos restritos ao primeiro caso. Detalhes do segundo caso podem ser obtidos na página do projeto Cosmic: www.cosmic.ucar.edu.

O sinal GNSS, ao se deslocar do satélite até uma estação terrestre, cruza a ionosfera que vai de aproximadamente 50 a 1.000 quilômetros, e a troposfera, que no contexto desta seção será considerada a parte inferior da ionosfera. Em razão dos vários componentes presentes na troposfera, o sinal sofre, dentre outros efeitos, um atraso e um desvio. Uma ilustração para o desvio é mostrada na figura. É comum dividir o atraso devido à troposfera em duas componentes: a hidrostática, muitas vezes denominada de seca, e a úmida. A primeira pode ser determinada com boa acurácia, se medidas também acuradas de pressão forem tomadas na proximidade da antena do receptor. A segunda pode ser estimada no processamento dos dados GNSS, também com alta acurácia, se todos os demais efeitos e erros forem tratados de forma adequada. Esta grandeza, embora estimada no processamento de dados para fins geodésicos, era tratada como um parâmetro sem interesse. Porém, ela pode ser convertida em vapor d’água, uma medida de extrema importância nos estudos da atmosfera, em especial na meteorologia.

Buscando a potencialidade desse novo campo de aplicação do GNSS, a FCT-Unesp e o CPTEC-Inpe vêm trabalhando em conjunto para efetivar a sinergia existente entre a geodésia, via aplicações GNSS, e a meteorologia. Enquanto a primeira vem estimando o atraso devido à troposfera, em tempo quase real, o segundo busca assimilar essas grandezas para serem inseridas na previsão de tempo. Esse trabalho conjunto vem sendo desenvolvido com financiamento da Fapesp, no contexto de um projeto temático sendo desenvolvido do Estado de São Paulo, no qual, dentre outras possibilidades das aplicações do GNSS, está presente o tema GNSS Meteorology.

O projeto prevê a instalação de estações GNSS no Estado de São Paulo, bem como de sensores de medidas de pressão, temperatura e umidade. Detalhes do projeto podem ser encontrados em http://gege.fct.unesp.br. Espera-se que, com a realização deste projeto, o atraso zenital troposférico, disponibilizado pelo CPTEC em http://pituna.cptec.inpe.br/zenital, apresente resultados melhores daqueles disponíveis atualmente, contribuindo com várias aplicações de posicionamento, em especial as que requeiram soluções em tempo real.

João Francisco Galera Monico é graduado em engenharia cartográfica pela Universidade Estadual Paulista, com mestrado em ciências geodésicas pela Universidade Federal do Paraná e doutorado em engenharia de levantamentos e geodésia espacial pela Universidade de Nottingham. Professor e líder do Grupo de Estudo em Geodésia Espacial da Unesp. Autor do livro Posicionamento pelo GNSS
galera@fct.unesp.br