As Concessionárias do setor elétrico enfrentam desafios crescentes relacionados ao aumento da demanda e às normas regulatórias cada vez mais exigentes. Na distribuição, por exemplo, a expansão da rede não é suficiente para lidar com as sobrecargas e solicitações de novas ligações, enquanto as redes existentes são operadas no limite, para atingir os indicadores impostos para duração, frequência de falhas e tempos de atendimento. A pressão adicional dos acionistas exige que este esforço enquadre-se em critérios de racionalização de recursos e mitigação de riscos, obrigando as Concessionárias a repensarem a cultura organizacional e redesenharem os processos de negócios.
A visão Smart Grid, que já está bem consolidada em todo o mundo como uma abordagem essencial para evitar o colapso dos sistemas atuais de energia elétrica, tem como um de seus pilares o monitoramento contínuo e detalhado da condição dos ativos, que ao fornecer os dados necessários para o aumento da disponibilidade e a maximização do desempenho de cada ativo, permite a plena utilização das infraestruturas existentes, independentemente da sua criticidade. Além disso, ao tornar possível a utilização do ativo dentro dos seus parâmetros operativos nominais, o monitoramento de condição maximiza a sua vida útil, resultando em significativas reduções de custos de reposição, o que por si só já é um benefício valioso.
Tradicionalmente, a gestão de ativos é um conjunto de processos executados por diversos sistemas, geralmente com pouca ou nenhuma interação entre si. Isso implica em multiplicidade de abordagens, de modelos, de bases de dados e, principalmente, em farta replicação de dados, geralmente conflitantes, indicando a necessidade de uma abordagem mais holística, interativa, e normatizadora.
Considerando que a gestão estratégica diz respeito à maximização do desempenho dos ativos que têm um impacto direto e significativo na realização dos objetivos corporativos, fica evidente que o sucesso dessa abordagem depende de que os operadores tenham uma compreensão clara de todos esses ativos críticos, de sua localização geográfica e dos impactos que produzem sobre o negócio, de modo a planejar capacidades e gerir a disponibilidade e a confiabilidade da rede, com eficiência e o menor custo possível. Essa compreensão só será possível se coadjuvada por uma plataforma capaz de fundir dados de origens diversas num contexto único, em tempo real, capaz de ressaltar e dar sentido às interações entre indicadores estratégicos, métricas de manutenção, dados meteorológicos, históricos de ativos, modelos preditivos, etc, propiciando tomadas de decisão coerentes com os cenários vislumbrados.
Em nossa abordagem, o sistema para gestão estratégica de ativos está fundamentado no controle de elementos críticos do sistema elétrico, provendo medições e procedimentos de teste para esses ativos. São utilizadas técnicas de inteligência computacional para produzir as modelagens especializadas e os algoritmos capazes de lidar com universos amostrais de dados de falhas bastante reduzidos. Também são usados algoritmos capazes de identificar e antecipar padrões complexos de falhas, cujas sequências de eventos estejam distribuídas no tempo e possam não se limitar a um equipamento físico, espalhando-se pelos demais equipamentos de uma função operacional. Além disso, são usadas ferramentas de decisão baseadas em análise multicritério, que fornecem comparações entre alternativas baseadas em custos de oportunidade.
Finalmente, os modelos de cálculo para diagnóstico preditivo são padronizados, a fim de permitir a realização de diagnósticos uniformes em ambientes caracterizados por ativos de vários tipos e fornecedores.
Embora não existam diretrizes para diagnósticos e construção de modelos preditivos para todos os ativos do setor elétrico, é importante destacar a disponibilidade de padrões como o IEC-61970 (EMS) e IEC-61968 (DMS), conhecidos coletivamente como CIM (Common Information Model). As modelagens do CIM descrevem a rede elétrica, seus ativos, os dados necessários para o funcionamento do sistema elétrico e as relações entre todos os elementos da rede elétrica, simplificando a troca de informações entre sistemas e aplicativos, sejam de engenharia, administrativos ou corporativos. Nos Estados Unidos, o CIM já é definido pelo NERC (North American Reliability Council) como o modelo oficial para comunicação de dados entre as empresas de energia elétrica. Por meio do CIM, também se contempla a integrabilidade e a coordenação com os sistemas já existentes de proteção da distribuição na Concessionária. No Brasil este padrão já foi adotado pelo ONS.
A infraestrutura que suporta todas essas funcionalidades, também experimental no setor elétrico nacional, é construída por meio de uma arquitetura orientada a serviços (SOA – Service Oriented Architecture, disponibilizando processos, interfaces e comunicações estruturados de acordo com o CIM, integrando a gestão de ativos aos demais sistemas da Concessionária.
É importante ressaltar que essa infraestrutura de serviços SOA/CIM para integração e coordenação de aplicativos pode ser adequada e implantada em qualquer Concessionária nacional, provendo uma abordagem estratégica para tratamento centralizado de dados de manutenção de ativos, com o emprego de técnicas de inteligência computacional e a criação de uma base de conhecimento especializado, ao mesmo tempo mantendo a segurança do ambiente existente e disponibilizando uma plataforma aberta para a inclusão de novas aplicações.
O uso dessas tecnologias resultará em benefícios futuros para as Concessionárias brasileiras, assim como para a ANEEL, uma vez que consubstanciarão um primeiro campo de testes, no cenário nacional, para a criação e o aperfeiçoamento de uma coreografia de processos entre as empresas do setor elétrico brasileiro, contribuindo com experiências úteis em futuras implantações de Smart Grids.
Por Deyler dos Santos Paiva – Coordenador de Inteligência Comercial da CONCERT Technologies