Conheça o estado-da-arte no setor de geotecnologia e o que será realidade nos próximos anos
Por Alexandre Scussel e Eduardo Freitas
Navegação e posicionamento indoor, GIS em tempo real, veículos autônomos com inteligência artificial, análise geográfica na cloud, bases de dados 5D. Tudo isso já é realidade hoje e faz parte do que chamamos de “estado-da-arte” no setor de geotecnologia. Você está preparado para lidar com esta gama de possibilidades?
No fim do ano passado, o pesquisador Mike Goodchild – entrevistado pela MundoGEO na edição 53 da revista InfoGEO – cravou em um artigo que o futuro da geoinformação está nos ambientes indoor, em localização de tudo, na internet das coisas, no GIS em tempo real e nas múltiplas formas de representar o mundo. Já um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), de outubro de 2011, reuniu experts para discutir e apontar alguns caminhos para as geotecnologias nos próximos cinco a dez anos. Dentre alguns dos pontos levantados, destaque para o poder das mídias sociais, a popularização de sensores de baixo custo, a crescente importância das Infraestruturas de Dados Espaciais (IDE), o crescimento dos softwares livres, o aumento da quantidade de satélites e da acurácia dos sistemas GNSS, entre outras questões que estão impactando – e vão mudar radicalmente – o setor de geo.
IDE
Empresas, cidades, estados, países e até continentes estão implementando, hoje em dia, suas IDEs, o que leva a geotecnologia a um novo patamar e mostra como ela pode ser tão – ou mais – importante quanto a energia, o saneamento ou as telecomunicações. Afinal, um país precisa de uma base sólida e atualizada de dados geoespaciais para poder governar com eficácia e otimizar os recursos em mapeamento, planejamento e execução de obras.
Em termos continentais, a Infraestrutura de Dados Espaciais da Europa (Inspire) é o maior exemplo de iniciativa de sucesso, já que congrega uma gama de nações, com interesses distintos, em busca de um mesmo objetivo. No Brasil, a Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (Inde) está em pleno funcionamento e já demonstra seus primeiros resultados práticos.
Um fórum sobre as tendências no setor foi destaque no primeiro dia do MundoGEO#Connect LatinAmerica 2012, que aconteceu de 29 a 31 de maio em São Paulo (SP), no qual 18 especialistas falaram sobre o que há de mais avançado, hoje, em geomática e soluções geoespaciais.
Para conceituar e contextualizar as IDEs na América Latina, estiveram presentes neste fórum Luiz Paulo Souto Fortes, presidente do Comitê Permanente para a Infraestrutura de Dados Geoespaciais das Américas (CP-Idea), e Valéria Oliveira Henrique de Araújo, secretária-executiva do Comitê com moderaçõa de Emerson Zanon Granemann, diretor da MundoGEO. Luiz Paulo abordou a iniciativa da ONU para o Gerenciamento Global da Informação Geoespacial (GGIM), salientando a importância da disponibilização da informação continental para promover o desenvolvimento do transporte, energia e comunicações, de forma sustentável e equitativa, nos países sul-americanos. Segundo Luiz Paulo, há uma grande lacuna no gerenciamento global da informação geoespacial, e esta tem sido preenchida pela iniciativa privada, com cada vez menos participação dos governos. Esta seria, então, a grande motivação para o GGIM: desenvolver estratégias e padrões, de forma coordenada, contribuindo para seu compartilhamento e integração do setor.
GIS
Com o crescimento do mapeamento colaborativo, a popularização de equipamentos inteligentes e da internet de banda larga, torna-se possível fazer alguns estudos com dados em tempo real (ou “quase real”), tais como análises de tráfego, resposta a emergências, tudo isso integrado em bases de dados 3D, 4D e 5D.
O painel “Qual o futuro do GIS?” foi uma das atividades mais esperadas do MundoGEO#Connect, pois contou com a presença de executivos internacionais de renome, como Geoff Zeiss, diretor da Autodesk, Clinton Libbey, gerente da área geospacial da Google, Luis Bermudez, diretor de certificação de interoperabilidade do Consórcio Geoespacial Aberto (OGC), e Brad Skelton, chefe de tecnologia do setor geoespacial da Intergraph Erdas com mediação de Eduardo de Rezende Francisco, da FGV/AES Eletropaulo.
Durante o Fórum, os palestrantes discutiram sobre o estado atual e o futuro do geoprocessamento, e um dos destaques foi o impacto que as mudanças globais – econômicas, políticas e sociais – terão sobre os trabalhos no setor. A interoperalibilidade foi um dos termos mais usados, sinalizando a importância do compartilhamento de dados por meio de padrões, como Open Green Building XML, MultiSpeak, entre outros.
Ao falar sobre o futuro do GIS, Geoff Zeiss abordou as mudanças que o planeta vem enfrentando, refletindo diretamente no papel dos governos. Para o setor geoespacial, Geoff afirma que a expansão dos padrões de interoperabilidade levam o GIS a um outro patamar, e ressalta a importância do compartilhamento de informações geoespaciais de infraestrutura. O executivo demonstrou que vários países vêm adotando padrões para cadastro em 3D, como Alemanha, Singapura, Malásia, Austrála e Holanda, e apontou a evolução da engenharia de design, passando do CAD para o BIM, possibilitando, entre outras operações, a integração com dados geoespaciais, colaboração entre equipes e visualização em 3D acessível a qualquer pessoa, não somente para usuários técnicos.
Luis Bermudez apresentou a importância da padronização na evolução do uso e integração das geotecnologias nos processos, enquanto Brad Skelton priorizou a crescente disponibilidade de dados espaciais, ressaltando principalmente as imagens e seu potencial de evolução. Já Clinton Libbey mostrou como a Google está se envolvendo cada vez mais com as geotecnologias nas corporações.
GNSS
Hoje, a geotecnologia abrange “somente” 13% da realidade, já que o GNSS e as imagens de sensoriamento remoto mapeiam o exterior das edificações (outdoor), porém um ser humano passa aproximadamente 87% de seu tempo em locais fechados (indoor). Por outro lado, com as tecnologias de escaneamento a laser, posicionamento por RFID, modelos BIM, etc., isto está aos poucos mudando.
No MundoGEO#Connect, alguns dos principais expoentes do setor de GNSS estiveram juntos para debater o que vai melhorar, nos próximos anos, para os usuários dos sistemas GPS, Glonass, Compass e Galileo em relação à qualidade de dados e produtividade nos levantamentos. Ben Mallen, líder da divisão de vendas e distribuição de produtos de topografia para as Américas do Norte e Sul da Trimble, apresentou a visão da empresa para os próximos anos, e comentou as recentes aquisições da Gatewing, na área de Vants, e do Google SketchUp, em modelagem 3D. Já Michael Rutschmann, gerente de produtos para monitoramento de estruturas da Leica Geosystems, falou sobre as tecnologias mais avançadas, hoje, na área de locação, implantação e acompanhamento de grandes empreendimentos usando GNSS, estações totais e outros equipamentos. Já Peter Grognard, fundador e CEO da Septentrio, fabricante de receptores profissionais para GNSS, focou sua apresentação no Galileo, sistema europeu que está em fase de implementação.
Um destaque deste debate foi a palestra de Raymond Kerwin, diretor global de planejamento de produtos da Topcon, que apresentou um panorama geral do setor de GNSS e da previsão de novos satélites e sinais de navegação para os próximos anos. Com os novos sinais L2C, L5 e L1C, os benefícios serão muitos, tais como sinal mais forte, melhores condições para aquisição de dados, maior acurácia, menos problemas com multi-caminho, maior quantidade de frequências, entre outros. Uma das tendências para os próximos anos será a ampla disponibilidade de satélites de navegação e posicionamento, de diferentes sistemas. Segundo Raymond, a partir de 2015 será possível rastrear mais de 50 satélites, o que aumentará a acurácia e disponibilidade do GNSS em todo o globo.
Estima-se que mais de 80% da informação na web tenha uma componente de localização. E hoje, qualquer computador ou celular é facilmente “localizável” através de seu IP, receptor GPS, GPRS, etc.. Ou seja, estamos avançando para uma era na qual praticamente tudo terá sua coordenada geográfica definida e, eventualmente, rastreada.
Sensoriamento remoto
A quantidade de satélites em órbita, hoje, chega a ser um problema devido ao lixo espacial voando sobre nossas cabeças. Por outro lado, há vários lançamentos previstos para os próximos anos, aumentando ainda mais a oferta de imagens orbitais. A aerofotogrametria – cujo futuro foi questionado no início da era dos sensores orbitais – melhora cada vez mais seus produtos e utiliza sensores a cada dia mais precisos. E agora novos atores entram com tudo neste mercado: os Veículos Aéreos Não Tripulados (Vants).
Durante o Fórum Internacional de Geotendências, o sensoriamento remoto foi amplamente debatido em uma sessão com a mediação de Gilberto Câmara, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Aaron Crane, vice-presidente de produtos da DigitalGlobe, trabalhou em cima de um ponto de interesse futuro: como transformar “Big Data” em “Big Information”? Segundo o executivo, o nível atual de coleta de dados já é capaz de apresentar oportunidades surpreendentes para resolver problemas futuros. Com centenas de fontes de informação, as oportunidades geradas pelo “Big Data” podem gerar respostas integradas e dinâmicas. Um dos desafios é facilitar o acesso do usuário a estas respostas, através da antecipação de eventos e sintetização de dados de diversas fontes. Para ele, o futuro da indústria geoespacial requer clareza de prioridades e propósitos, gerando cada vez mais informação, ferramentas para extrair o máximo das tecnologias de sensores e plataformas que permitam ampla colaboração e compartilhamento de dados.
Para Mack Koepke, diretor de vendas da GeoEye, o mercado futuro de informações geoespaciais deverá incluir cada vez mais a computação nas nuvens, transformando aplicações desktop em sistemas coorporativos e baseados na web. Além disso, a tecnologia impulsiona o mercado de Business Intelligence (BI) e de formas de distribuição de softwares como serviço, nas quais o cliente usa o software via web e o fornecedor se responsabiliza por toda a infraestrutura necessária para a disponibilização do sistema.
Também estiveram presentes Marcello Maranesi, CEO da e-Geos, uma joint company entre Agência Espacial Italiana (ASI) e Telespazio, e Maurício Braga Meira, diretor da RapidEye para a América Latina. No fórum, ficou evidente que a quantidade de sensores – sejam eles em satélites, aviões ou Vants – torna as tecnologias complementares para melhorar cada vez mais os produtos e otimizar os recursos.
Futuro do geo?
Segundo o artigo do professor Goodchild, muitas vezes as geotecnologias contêm apenas um ponto de vista, que é geralmente do setor governamental. Por outro lado, cada vez mais indivíduos ou grupos tendem a buscar novas ou diferentes formas de visualizar um dado ou até mesmo dar nome aos locais. Com isso, abrem-se novas frentes nas quais o geo pode ser uma ferramenta para organizar diferentes visões do mundo e colocar ordem no caos.
Já o documento da ONU cita a questão da educação, sugerindo requisitos e mecanismos de capacitação e treinamento de usuários e especialistas. Sobre a produção cartográfica, a comunidade participará ativamente nos processos de mapeamento e informação, tornando o usuário um “prosumer”- ao mesmo tempo produtor e consumidor. Também chama atenção a questão da privacidade, que continua sendo um grande campo de batalha quando se fala de mapas, imagens, localização, etc.
Outro ponto importante do relatório do GGIM/ONU cita que o governo será cada vez mais organizador e menos produtor dos processos geoespaciais, e que não haverá mais de 10 fornecedores mundiais de serviços de informação geoespacial do mundo.
Quem viver, verá!