Vizinhança e comportamento geoespacial podem dizer muito sobre você

Waldo Tobler, conhecido por ter feito o primeiro mapa por meio de um computador, professor emérito do Departamento de Geografia da Universidade da Califórnia, enunciou certa vez (1970) o que viria a se tornar a Primeira Lei da Geografia: “Tudo está relacionado com tudo, mas as coisas mais próximas estão mais relacionadas entre si do que as mais distantes”. Em outras palavras, todos os fatos geográficos estão relacionados entre si, mas os fatos mais próximos possuem uma relação mais forte.

Essa simples lei é base de grande parte do pensamento epistemológico que fundamenta os algoritmos e frameworks amplamente utilizados nas geotecnologias e análises espaciais. Modelos espaciais como o GWR (vejam artigo que escrevi na edição 50 da revista InfoGEO) e muitos outros utilizados em geomarketing baseiam-se na premissa de que o comportamento dos fenômenos estudados pode ser explicado por relações de distância entre os elementos representados.

Waldo Tobler
Waldo Tobler

Se prestarmos mais atenção, veremos que a dinâmica urbana e a configuração das grandes cidades, hoje, leva isso bastante em conta. Não é à toa que temos imigrantes tipicamente localizados próximos conforme a nacionalidade, configurando bairros ou cidades de colonização italiana, japonesa, portuguesa, alemã. O espaço geográfico e a dinâmica urbana determinam comportamentos não-aleatórios.

Mais ainda, você já parou para pensar o quanto você é parecido com seu vizinho? A menos de atributos físicos e algumas preferências, certamente muitos hábitos, desejos, condições socioeconômicas e humanas são bastante parecidos. A variação de renda entre famílias de mesma tipologia e moradoras de um mesmo prédio de apartamentos é relativamente pequena. Modelos preditivos de renda e crédito que estão começando a serem praticados por grandes bancos estão levando em consideração essa “vizinhança” através do uso da Estatística Espacial.

Pois bem, hoje em dia a “publicação” de nosso comportamento geográfico é cada vez maior. Endereços IP de nossos computadores pessoais são localizáveis já há um certo tempo, ofertas digitais conforme nossa localização são feitas a todo instante e, principalmente, nossos dispositivos móveis de comunicação estão dotados de um GPS e certa (ou muita) inteligência geográfica.

Compartilhando as intenções geográficas

Se somos muito parecidos com nossa vizinhança, e nosso comportamento geográfico é deflagrado cada vez mais, poderíamos nos beneficiar (e à sociedade) do compartilhamento das intenções geográficas de todos.

Na revista InfoGEO edição 65 discutimos sobre a integração do posicionamento geográfico e das redes sociais, citando diversas aplicações bastante populares, como o Foursquare, Google Latitude, etc.. Porém, não pudemos aprofundar o bate-papo o bastante para buscar a essência do que estou chamando de mapeamento das intenções geográficas – o movimento geográfico de cada um, em um contexto pessoal ou profissional, pode indicar um comportamento que está recheado de significados.

Poucas aplicações que conheço já antecipam essa tendência. O aplicativo mobile Meia Bandeirada
é um desses casos. Trata-se da primeira solução automatizada de compartilhamento de táxi (ou multi-modal) baseada em otimização geográfica de trajetos pelos veículos conforme a localização dos passageiros. O aplicativo traz uma solução que permite o uso compartilhado dos táxis que estiverem se deslocando de e para locais próximos. Essa solução proporciona o uso inteligente do recurso e contribui para a redução do trânsito e da poluição.

Nos dias de hoje, em que o transporte e a locomoção são problemas constantes na agenda das grandes cidades brasileiras, esse novo conceito de uso do táxi é bastante inovador e conveniente. Estudos recentes da FGV de São Paulo mostram que o táxi é o veículo recomendado para deslocamentos constantes de até 15 quilômetros nas grandes cidades, em comparação com os altos custos de aquisição e manutenção de automóvel próprio.

Aplicativos para smartphones para chamar táxi já existem no mercado – alguns até muito simplórios, que sequer indicam o táxi mais perto de acordo com os logradouros. Soluções de indicação de uso compartilhado de veículos próprios, ou de caronas, também existem, mas baseados em blogs e intervenção humana para o “agrupamento” de solicitações.

Porém, não existia até então uma solução automática que capturasse em tempo real a intenção de deslocamento de uma pessoa e comparasse-a, geograficamente, com a de outros pedidos de táxi, sugerindo um roteiro compartilhado com um deslocamento menos custoso para os passageiros e também atrativo ao taxista, que fará um percurso total no mínimo igual ao de algum passageiro. Ao que tudo indica, o Meia Bandeirada faz isso.

Segundo a equipe de desenvolvimento, o aplicativo somente sugere o compartilhamento se houver economia de pelo menos 30% para todos os passageiros embarcados.

Cultura do compartilhamento

Para a população em geral, uma adaptação cultural precisará ser feita – não temos ainda o bom hábito de compartilharmos esse recurso. Precisaremos dirimir impressões de uso não seguro que algumas pessoas dividindo o táxi possam vir a ter.

Por outro lado, no contexto empresarial, essa inovação de mapeamento das intenções geográficas é bastante interessante. A barreira cultural é inexistente e os compartilhamentos seriam bastante frequentes, afinal de contas é muito comum o deslocamento de funcionários entre bases de empresas para reuniões similares. Além disso, o simples mapeamento e monitoramento das viagens de táxi aprimoraria o controle de custos de transportes de funcionários, o que por si só representa grande oportunidade de melhoria de gestão e economia. As empresas em geral têm muita dificuldade em realizar um bom acompanhamento desses gastos e a aplicação efetiva de sua política de uso de táxi e outros veículos.

Aplicativo Meia Bandeira
Aplicativo Meia Bandeira para smartphones permite compartilhamento de táxis

Isso é só o começo de uma transformação ainda maior. Quando integrarmos de fato as geo-
tecnologias e o Business Intelligence, as intenções geográficas sinalizarão um comportamento das pessoas que será bastante importante para um melhor planejamento do espaço e dos recursos públicos. Já que olhando de perto, os mais próximos são realmente mais parecidos, suas intenções geográficas também devem ser. E salve Tobler!

Eduardo de Rezende FranciscoEduardo de Rezende Francisco

PhD em Administração de Empresas pela FGV-EAESP, Bacharel em Ciência da Computação pelo IME-USP, atua em GIS, Business Intelligence, Pesquisas de Mercado e Satisfação de Clientes. É professor de Métodos Quantitativos na FGV-EAESP, Consultor em Geomarketing, Estatística Espacial e Microcrédito e sócio-fundador do GisBI

eduardo.francisco@fgv.br