Simpósio do Comitê Permanente sobre Cadastro na Iberoamérica

Recentemente foi realizado na cidade de Córdoba, Argentina, o IV Simpósio do Comitê Permanente sobre o Cadastro na Iberoamérica (CPCI); esta atividade foi promovida pelo Conselho Federal de Cadastro da Argentina e pelo Departamento Geral de Cadastro da Província de Córdoba. O CPCI é um organismo composto por diferentes autoridades cadastrais dos países Iberoamericanos, e tem entre suas finalidades gerar uma rede de informação sobre o cadastro que possibilite o intercâmbio de experiências e de melhores práticas, além da melhoria de formação entre seus membros (veja a edição 69 da revista MundoGEO, página 34). As dissertações e os assuntos tratados no Simpósio estavam a cargo de especialistas de Argentina, Áustria, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Espanha, França, Holanda, República Dominicana e Uruguai.

Tendo a oportunidade de participar da reunião que deu origem ao CPCI em Cartagena das Índias em 2006, é possível comparar os assuntos tratados naquele evento aos atuais. Enquanto na primeira reunião, os participantes se limitaram à descrição da tarefa e das funções das autoridades cadastrais, em Córdoba se abordou a tarefa a ser cumprida pelo cadastro no desenvolvimento social e econômico de cada país; respondendo, dentre outros assuntos, aos de planejamento do território, de regularização fundiária e na segurança jurídica e proteção das áreas públicas. De igual maneira, as autoridades cadastrais estão cientes dos desafios a serem enfrentados no futuro para validar a eficácia do cadastro, adaptados às demandas dos novos tempos.

O fórum criado pelo CPCI permite um periódico intercâmbio das experiências, no qual “todos nós aprendemos muito”. Independentemente das finalidades específicas de cada instituição, e cientes de que por razões econômicas e culturais o cadastro é diferente em cada país ou estado; discutir os problemas, os desafios, assim como as soluções e inovações que em maior ou menor grau alcançam com um trabalho contínuo, facilita aos demais uma referência para enfrentar suas necessidades e impulsionar o desenvolvimento de cada instituição. É evidente que a participação do CPCI tem contribuído para o enriquecimento da visão de futuro das autoridades cadastrais.

Da agradável experiência técnica e profissional de Córdoba, há muitos tópicos de interesse para a tarefa das autoridades cadastrais nos países iberoamericanos. Como pessoa encarregada de apresentar um compêndio dos assuntos abordados, por esta razão que irei me aprofundar em quatro assuntos tratados por especialistas e que considero medulares para continuar com o desenvolvimento do cadastro na Iberoamérica. É evidente que a relevância destes assuntos pode ser maior ou menor em cada país, não obstante, em todos os casos são assuntos a serem considerados em um futuro imediato.

O valor dos dados

Nem sempre é simples para os responsáveis pelo cadastro justificarem o que fazer ante as autoridades, sejam nacionais, estatais ou locais. Certamente quem está vinculado ao desenvolvimento do cadastro tem o pleno conhecimento de seu valor. Apesar de hoje ser necessário fazer um esforço a fim de que todas as autoridades tenham o mesmo nível de consciência de seu valor.

Em sua finalidade fiscal, o cadastro contribui aos sistemas fiscais para uma maior transparência e equidade. Ao lado do conhecimento do valor da terra que refletem os observatórios dos valores, cada dia mais o cadastro se consolida como o mecanismo de segurança jurídica da propriedade imobiliária e tem um valor adicionado, contribui a dinamizar os mercados imobiliários e estes têm também um impacto inquestionável na economia dos países.

Por outra parte, as informações cadastrais – por suas características e o nível de detalhe – são de grande valor para o planejamento, o desenvolvimento e o controle do território. Algo a refletir: as informações do cadastro são necessárias para o desenho das ruas, como também no traçado de uma rodovia quanto às desapropriações associadas. Neste sentido, um caso concreto é sua importância, na Argentina, no Registro Nacional de Terras Rurais.

É comum uma maior pressão e restrição do orçamento para o desenvolvimento do cadastro, por isto, as autoridades cadastrais também devem se esforçar a quantificar o valor da informação além da base tributável da arrecadação fiscal, e ser possível avaliar seu impacto em diferentes setores da economia.

As iniciativas de regularização

Como já comentado, é necessário confirmar o cadastro como base para a segurança jurídica da propriedade. Diversos estados da América estão empreendendo processos para a regularização, titulação ou inscrição formal da terra; em todos os casos o desenvolvimento do cadastro deve ser fundamental para consolidar tais iniciativas. À luz destas necessidades, é preciso considerar cada caso particular para definir os processos cadastrais que respondam de maneira eficiente as iniciativas de regularização.

É necessário que a autoridade cadastral defina o contexto dos insumos, recursos e objetivos. Nem sempre será possível ter dados de alta precisão, o que se deve buscar é que a precisão possível e com determinados padrões de exatidão possa fazer uma determinação completa do universo predial. Sempre deverá se considerar que o cadastro é a informação em constante atualização, porque é válido prever que possa e deva ser melhorado em seu conteúdo e qualidade, sobretudo a cartografia cadastral.

Mudança de paradigma e novos desafios

É evidente que o cadastro está imerso e afetado pelas mudanças tecnológicas, do papel ao suporte digital. Não se deve evitar, e sim assumir como um desafio. Mais importante que assumir a transformação tecnológica é compreender que esta não implica unicamente uma mudança das ferramentas. É mais que isso, é uma mudança de paradigma.

Essa mudança para a era digital tem implicações no funcionamento habitual do cadastro; desde a geração dos dados, a distribuição de informação, e os processos, unificados e vinculados, de modo que garanta a qualidade da informação. A atualidade tecnológica demanda que os mapas cadastrais compilados em folhas de papel, sob uma determinada nomenclatura, devam migrar para serem transformados em um modelo de dados do território.

Em sua finalidade fiscal o cadastro contribui aos sistemas fiscais para uma maior transparência e equidade. Ao lado do conhecimento do valor da terra, tratado pelos observatórios dos valores, cada dia mais o cadastro se consolida como um mecanismo de segurança jurídica da propriedade imobiliária e tem um valor adicionado, contribui a dinamizar os mercados imobiliários e estes têm também um impacto inquestionável na economia dos países.

Essa concepção de modelo de dados do território leva a novos desafios relativos às funções do cadastro, explicados de forma resumida nos seguintes pontos:

• As funções ordinárias do cadastro vão se realizar com ferramentas tecnológicas ou sistemas que operam diretamente alinhados aos dados, sejam para consulta, publicação ou processos de modificação

• O anterior induz que a carga de dados deve ser digital, o que implica que os mecanismos de recopilação deles devem estar orientados a aplicação tecnológica digital que também permita a georreferenciação

• Dispor de informação digital permitirá que esta seja expandida de modo que se apreciem dimensões submétricas, isto implica que todos os dados permitam essa exatidão. Portanto, sempre deverá se conhecer a qualidade do dado (incorporar o metadado) de maneira que possa dar valor em função da aplicabilidade da informação. Os dados cadastrais devem estar conformados em padrões que permitam a sua interconexão com outras bases de dados, sejam propriamente geoespaciais ou dados alfanuméricos que permitam sua localização espacial

• A informação do cadastro como modelo do território pode ter múltiplas aplicações, assim, sua publicação e distribuição, além de estar contida em padrões, deve ser publicada através de aplicações tecnológicas de serviços de mapas na web, também baseados em padrões alinhados ao princípio das Infraestruturas de Dados Espaciais (IDE)

• Consolidar este modelo de dados implica que a autoridade cadastral o converta em um serviço de informação do território e todo este conjunto de informação somente tem sentido se alcançar o impacto da gestão do território

A realidade das novas fontes de informação

O cadastro, igual às demais atividades profissionais, enfrenta uma realidade que já se está convertendo no que será o principal desafio dos próximos anos: o crowdsourcing, quer dizer, as fontes massivas ou públicas de informação.

As ferramentas tecnológicas permitem a cada dia simplificar a captura dos dados espaciais. Isso acontece não somente aos profissionais que trabalham com o território, como os agrimensores, ao facilitar a recompilação de informação, como também é mais simples para o público em geral. Hoje em dia cada vez mais usuários da tecnologia, sobretudo os jovens “têm capacidade” de recompilar e publicar a informação do mundo que os rodeia e seus interesses particulares, como localizações comerciais, tráfico e fluxo veicular. Estes novos usuários geram informação em processos não regulados, espontâneos, conforme as possibilidades tecnológicas, e com uma visão “aberta” sobre o uso de tal informação.

Essas comunidades de produtores se convertem em um desafio para o cadastro, porque na sociedade se está modificando a concepção dos dados do território. Cada dia se produz e publica muita informação e as plataformas web permitem o acesso a mais usuários. Quem tem acesso à informação gerada por comunidades, ou de forma pública, entende que ela reflita a realidade e a encontra útil e valiosa, mas não tem claro o caráter ou valor não oficial para a tomada de decisões que afete a administração do território.

Diante desta realidade, a autoridade cadastral deve se preparar para “conviver” com os dados gerados e publicados por comunidades, não é possível ignorar a existência dessas fontes de informação e o uso massivo que se dá. É necessário tomar medidas estratégicas para procurar, diante de todas as instâncias públicas ou privadas e principalmente os proprietários, que se prevaleça a vigência dos dados oficiais e autênticos. Como parte dessas medidas deve se considerar a implementação de sistemas que permitam, de forma transparente, disponibilizar os dados comunitários. Isto implica em um esforço importante para alcançar transparência de imediato aos usuários, principalmente os proprietários. No mesmo sentido, desde já se deve pensar sobre quais mecanismos (filtros) se poderão incorporar no modelo de dados do território, do cadastro à aquisição de informação que proceda de comunidades ou usuários públicos.

Este assunto, as novas fontes massivas de informação, não se deve considerar como uma tarefa somente para o futuro, e sim trabalhá-la em um curto prazo, pois se pode correr o risco da autoridade cadastral sofrer um deslocamento de suas competências, produto da rápida resposta que encontra um usuário nas comunidades que produzem informação, porque em princípio resolve suas necessidades.

Uma reflexão final

Resulta evidente que as autoridades cadastrais têm importantes tarefas e desafios em um futuro imediato. O marco do CPCI continuará fomentando o intercâmbio de experiências que permita aos membros abordarem os desafios conforme suas capacidades e recursos. É por isso que, por meio dessa publicação, aproveito para motivar aos colegas que desempenham funções cadastrais na Iberoamérica para que se inscrevam no CPCI e desde agora convidá-los para a próxima reunião a se realizar na República Dominicana.

Alexander González Salas

Engenheiro de Geodésia (UNA-CR), Coordenador da formação de cadastro do Programa de Regularização do Cadastro e Registro da Costa Rica, Professor na Universidade Nacional da Costa Rica