Por Cel Celso Bueno da Fonseca
Como é sabido, faz parte da natureza humana a constante tendência para a descoberta e a busca de novos conhecimentos. As ciências naturais foram as que primeiro se afirmaram como tal, pois cedo desenvolveram um objeto de estudo com método próprio, com Newton e Descartes. Assim, todas as outras formas de conhecer foram de certo modo menosprezadas pela primazia de apenas um tipo de conhecimento. As chamadas humanidades foram claramente deixadas para segundo plano e excluídas daquilo que era considerado uma ciência, visto o próprio conceito implicar na busca de uma verdade absoluta. Nesse contexto, a situação atual não é muito diferente e a área de estudos estratégicos enfrenta uma série de desafios a serem vencidos, a começar pela própria delimitação de seu significado.
Um desses desafios, a capacitação, em particular, de civis para a área da Defesa, nos níveis político e estratégico, começou a ser enfrentado com a criação do Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Defesa Nacional (Programa Pró-Defesa).
O Programa Pró – Defesa foi concebido a partir de um diagnóstico acerca do distanciamento existente entre os formuladores e os executores de políticas públicas em Defesa Nacional, de um lado, e de outro, os estudiosos do tema nas principais instituições de ensino e pesquisa do País. Persistia para muitos a percepção de que a Defesa interessava a poucos segmentos da sociedade e que se restringia apenas à atuação de instituições militares. Um dos objetivos do Programa baseou-se na escassez de recursos humanos, sobretudo civis, preparados para atuar nessa área.
A primeira edição do Programa foi implementada no segundo semestre de 2005, com encerramento no segundo semestre de 2010, e possibilitou o financiamento de 11 (onze) projetos que apresentaram resultados significativos para o desenvolvimento da área da Defesa Nacional. Como exigência, cada projeto financiado deveria, ao final de sua execução, contemplar a formação de, no mínimo, 1 (um) doutor e 2 (dois) mestres. Foram diplomados 44 (quarenta e quatro) mestres e 15 (quinze) doutores.
Em abril de 2008, foi lançado um novo processo de seleção (segundo edital). Foram inscritos 23 (vinte e três) projetos, entre eles 16 (dezesseis) selecionados. Mais uma vez, as expectativas foram ultrapassadas. O lançamento do 3º edital do citado Programa ocorreu em 5 de junho de 2013, com base em novo Termo de Cooperação.
Diante desses resultados, percebe-se que a demanda para a formação de recursos humanos para a área em lide já existe, embora insuficiente para um país do porte do Brasil. O desafio está na conscientização de diversos segmentos da sociedade sobre a importância de o mercado de trabalho absorver tais recursos. Certamente essa conscientização será consequência de políticas e projetos que difundam assuntos atinentes à Defesa nesses mesmos segmentos sociais, promovendo, dessa forma, um efeito cíclico e sinérgico.
Um fato recente que merece destaque foi a criação do Curso de Graduação em Defesa e Gestão Estratégica Internacional, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, tratando-se do primeiro curso de graduação dessa natureza no País.
Merece citação a entrada em vigor da Política de Ensino de Defesa, por meio do Decreto nº 7.274, de 25 de agosto de 2010, cujo objetivo geral é “incrementar o estudo de temas de interesse da defesa nacional no âmbito da sociedade, em particular no meio acadêmico, capacitando recursos humanos, conforme as necessidades dessa área”. Entretanto, a implementação dessa política ainda depende de regulamentação por parte do Ministério da Educação e Cultura.
Nas ciências exatas, busca-se fomentar a pesquisa de materiais, equipamentos e sistemas, com foco dual, isto é, que redundem em produtos de uso civil e militar. É com esse propósito que foi criado o Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Assuntos Estratégicos de Interesse Nacional (Pró-Estratégia), conduzido em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE).
Ainda nesse contexto, a Universidade Federal Fluminense, por intermédio de seu Departamento de Engenharia de Produção, criou, recentemente, o Núcleo de Estudos de Defesa, Inovação, Capacitação e Competitividade Industrial, cujas características e atividades podem ser conhecidas mediante o acesso à página eletrônica www.defesa.uff.br.
Por sua vez, o Ministério da Defesa (MD) propôs, em coordenação com os Ministérios das Relações Exteriores, da Fazenda, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), da Ciência e Tecnologia e com a SAE, o estabelecimento de parcerias estratégicas com países que possam contribuir para o desenvolvimento de tecnologias de ponta de interesse da Defesa.
Outra importante iniciativa do MD foi a apresentação de projeto, ao Governo Federal, para a criação do Quadro de Especialistas Civis em Defesa, em complementação às carreiras existentes na administração civil e militar, de forma a constituir-se numa força de trabalho capaz de atuar na gestão de políticas públicas de Defesa, em programas e projetos dessa área, bem como na interação com órgãos governamentais e a sociedade, integrando os pontos de vista político e técnico. Tal projeto encontra-se em tramitação no MPOG, desde 2010.
No que diz respeito à participação de civis na formulação de políticas e estratégias da área da Defesa, merece ser citada a recente criação, na estrutura do MD, do Instituto Pandiá Calógeras, como órgão de assessoramento direto ao Ministro. Integrado por acadêmicos civis, já apresenta efetiva participação nas discussões para a elaboração ou a atualização de documentos de mais alto nível de planejamento de Defesa.
Enfim, é inegável que uma parte, ainda que pequena, da sociedade tem participado ativamente da evolução e da consolidação do pensamento brasileiro nos assuntos ligados à Defesa Nacional. Falta, entretanto, consolidá-lo como área de estudo reconhecida como tal pela CAPES e pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), bem como criar mais oportunidades para o aproveitamento dos recursos humanos a ele dedicados.
Com relação à criação de uma área (ou subárea) de Defesa na denominada Tabela das Áreas do Conhecimento, elaborada pela CAPES e CNPq, vale lembrar que o Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020 acolheu essa iniciativa proposta pelo MD. Sua implantação depende de gestões, em andamento no âmbito do MD e da CAPES.
De fato, as iniciativas por parte do governo brasileiro ainda são modestas. No entanto, estamos perpassando por um processo de mudança desse paradigma. A aproximação entre Defesa e sociedade se torna mais evidente na medida em que os próprios graduandos, pós-graduandos, professores e instituições de ensino se tornam vozes ativas nas atividades que estimulem o pensamento nessa área, tal como aconteceu na elaboração da Política Nacional de Defesa (PND), da Estratégia Nacional de Defesa (END) e do Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN). Por conseguinte, espera-se lograr, paulatinamente, uma maior absorção dos recursos humanos especializados nessa área.
O aproveitamento de recursos humanos qualificados na área da Defesa se tornará mais eficiente na medida em que a sociedade puder absorver maiores conhecimentos sobre esse relevante tema.
Considerando os projetos previstos na END, pode-se afirmar que será crescente a capacidade do mercado brasileiro, incluindo a área governamental, para absorver recursos humanos qualificados na área da Defesa. Entretanto, a velocidade em que esse fato se dará depende de dois fatores: disponibilidade de recursos financeiros e vontade política.
Celso Bueno da Fonseca é Coronel da Reserva do Exército, Doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Atualmente é Gerente da Divisão de Cooperação do Departamento de Ensino do Ministério da Defesa