Por Thierry Jean
O OpenStreetMap é o projeto de mapa colaborativo que já atingiu a massa crítica que lhe confere a força de ser o principal projeto de mapa colaborativo global. Com somente 10 anos de existência, um crescimento exponencial, mais 1,6 milhão de usuários registrados para editar o mapa (estimamos 30 mil no Brasil), uma cobertura equivalente à dos mapas comerciais nos EUA e em boa parte da Europa, o OpenStreetMap só pode crescer em uso e em colaboradores, questionando todo o esforço de qualquer empresa comercial de produzir o mesmo tipo de dado. Algumas centenas de funcionários dificilmente competem com milhões de usuários, que vão descrever no mapa o que eles conhecem melhor do que ninguém: a sua rua, a sua esquina. Dificilmente co-existirão dois projetos de enciclopédia colaborativa como a Wikipedia e, da mesma maneira, não co-existirão dois projetos de mapa colaborativo no mundo.
Este novo fato representa ameaças e oportunidades para a indústria de GIS, como uma perspectiva de convergência e de simplificação do trabalho de muitos.
Grande mudança para a indústria de GIS
Existem muitos tipos de mapa, para usos diferentes, com detalhes específicos para cada nicho. Por exemplo, uma concessionária precisa de mapas cadastrais que, idealmente, indicam o tamanho das calçadas, a posição dos bueiros, etc., enquanto uma empresa de logística precisa ter atributos especiais, tais como a altura das pontes para as rotas de caminhões. Mas todos estes mapas contém neles um conjunto comum de dados que, idealmente, devem ser os mesmos de mapa para mapa: a via, o nome e classificação da mesma, o CEP, o número das casas e edifícios, os terrenos, somente para citar alguns. Para estas informações de base, o OpenStreetMap é ideal e pode ser o ponto de convergência para todos.
Isto significa que a indústria de GIS vai ter que levar em conta o fato “OpenStreetMap” e que a sua maneira de trabalhar vai mudar, para não ser preciso investir no mesmo tipo de dado.
Quando uma empresa de mapeamento é contratada para produzir o mapa de uma área para um cliente, é comum que a empresa fornecedora utilize uma base inicial que lhe pertence e que ela deve qualificar e melhorar, indo fazer as coletas em campo, cobrando os custos do cliente. A evolução natural é que todos os atores desistam, nos próximos anos, de utilizar uma base própria para então utilizar a do OpenStreetMap, porque esta será superior. As empresas de mapa vão continuar tendo a oportunidade de vender dados específicos para todos os nichos de mercado, mas todas vão – naturalmente – se beneficiar de uma base inicial comum que a comunidade e outras empresas de mapa vão ajudar a melhorar.
Talvez, a competência da empresa de GIS passe a ser de administrar a interação entre os dados e atributos da sua competência com a base do OpenStreetMap.
Oportunidade para grandes empresas , governos, e as concessionárias
As concessionárias de serviços públicos são grandes consumidores, compradores e produtores de mapa. Estas empresas, que administram redes de água, de esgoto, de fibra ótica, de cabos elétricos e telefônicos, têm equipes que transformam as cidades em campo de batalha, onde uma corta a fibra ótica da segunda para poder enterrar a sua canalização, enquanto a terceira fura a canalização da primeira para enterrar um cabo elétrico. Para estas empresas, a administração do mapa é um quebra-cabeça sem nome.
Há alguns meses estive num evento em São Paulo, organizado por uma grande empresa de mapas, do qual participaram a nata das concessionárias do Estado. Foi interessante ouvir um interveniente dizer mais ou menos o seguinte: “Pessoal, esta conversa na qual todos nós sonhamos em ter um mapa único e uma colaboração entre as empresas para que as equipes trabalhem de maneira harmônica em campo me lembra de uma mesma reunião que tivemos com vários presentes na sala, uns 20 anos atrás! E parece que, 20 anos mais tarde, nós estamos no mesmo ponto!”. Esta é a situação habitual no Brasil e o único projeto que conheço – talvez existam outros – e que se destaca para mudar esta realidade é o projeto Geovias, da Prefeitura do Rio de Janeiro, sobre o qual volto a falar um pouco mais à frente.
O OpenStreetMap é uma grande oportunidade de convergência de informação que a indústria das empresas concessionárias precisa enxergar. Imagine que tenha aparecido uma nova área invadida em um município. Mesmo se a invasão não for legalizada, a empresa de água vai ter que se organizar para entregar água, senão esta água poderá ser roubada. A empresa de eletricidade terá que puxar cabos para vender eletricidade, que seria roubada sem isto e os Correios vão ter que entregar as encomendas das compras de e-commerce que logo vão aparecer. Todas estas empresas precisam ter um mapa básico que contenha desenho e nomes das ruas, números das casas e CEP; enfim, o “arroz e feijão do OpenStreetMap”, que é também, notem, o mapa que os Correios poderiam fornecer.
Hoje, quando uma destas empresas decide investir em ter um mapa da área, ela tem que contratar uma empresa de mapeamento, que vai ter que enviar uma equipe que levante os dados da área em campo a um custo elevado. Se outra empresa quiser ter o mapa, ela terá que fazer o mesmo investimento, duplicando o trabalho que poderia ter sido feito uma vez só. O OpenStreetMap, além de facilitar o download do mapa para todos, afim de que cada empresa possa utilizar o dado nos seus sistemas de GIS, facilita também a produção das informações. Isto porque o OpenStreetMap desenvolveu ferramentas, inclusive Web, que permitem a qualquer pessoa criar o mapa de um bairro. É só coletar algumas posições num smartphone, carregar as mesmas no OpenStreetMap, desenhar os vetores das ruas e colocar os nomes das ruas, os CEPs e os números das casas. Simples assim. Um membro motivado da comunidade pode fazê-lo, como o supervisor local da empresa de água ou de eletricidade, ou melhor, o carteiro do bairro. E, uma vez que um dos atores o fez no OpenStreetMap, está disponível para todos.
Notem que não estou pensando que o OpenStreetMap e suas ferramentas possam substituir os sistemas de GIS destas empresas. Longe disto. Estas empresas têm sistemas de GIS que podem valer milhões de reais, cujo investimento se justifica pela gestão que eles possibilitam e as integrações com os sistemas de gestão das empresas (ERPs) mas, em muitos lugares, estes sistemas têm a sua eficiência minada por falta de dados e de mapas. E o OpenStreetMap pode oferecer uma maneira muito fácil de ter um mapa como uma maneira muito barata e simples de produzir um mapa inicial com quem está perto do local.
Projetos especiais para necessidades especificas
Volto ao projeto Geovias da prefeitura do Rio de Janeiro. É um projeto pioneiro de gestão dos processos que coloca também, numa base de dados comum, os mapas das redes subterrâneas das concessionárias da cidade. É um projeto admirável que deve servir de exemplo para outras prefeituras no Brasil. Todavia, quando outros projetos similares aparecerem em São Paulo e em outros lugares, chamo a atenção sobre o fato de que não se deveria pensar em um projeto de convergência de dados geográficos sem considerar o OpenStreetMap. E o OpenStreetMap, além do dado em si, também oferece um conjunto de ferramentas de software livre que permite a governos e empresas reproduzir a plataforma do lado deles se, por exemplo, for uma exigência legal que o dado seja separado. Mas o uso da tecnologia OpenStreetMap facilita o diálogo com a base OpenStreetMap acessível a todos. O editor ID, por exemplo, que nos impressiona pela sua facilidade de uso, em ambiente web, para editar mapas, foi objeto de um patrocínio pela “Knight Foundation” de 575 mil dólares . Da mesma maneira, imaginemos que uma prefeitura decida montar um projeto do tipo Geovias, baseado em tecnologia OpenStreetMap, cujo um dos focos seja administrar as atualizações dos dados comuns no OpenStreetMap, enquanto os dados confidenciais fiquem restritos a algumas concessionárias, sem retrabalho manual. Esta ferramenta, desenvolvida e patrocinada por uma prefeitura, poderá ser disponível para todas as outras do Brasil, da França, da Rússia ou do mundo. Creio que o Brasil da primeira declaração de imposto de renda na internet no mundo, o Brasil da primeira eleição eletrônica do mundo, tem vocação para este tipo de projeto de projeção global. Podemos desenvolver projetos aqui no Brasil que serão utilizados no mundo todo. Por exemplo, se os Correios brasileiros abraçarem esta oportunidade, podem receber um serviço excelente, sem custo, e se eles patrocinarem ferramentas especificas que facilitam o seu trabalho baseado na tecnologia OpenStreetMap, o farão para todos os Correios do mundo.
OpenStreetMap e a Lei de Acesso à Informação
Cito o site www.acessoainformacao.gov.br: “A Lei nº 12.527/2011 regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas. Essa norma entrou em vigor em 16 de maio de 2012 e criou mecanismos que possibilitam, a qualquer pessoa, física ou jurídica, sem necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações públicas dos órgãos e entidades”.
Existem muitas inciativas dos governos brasileiros para disponibilizar seus dados geográficos, mas em cada cidade, cada estado, cada autarquia, o modo de acesso é diferente. Aqui você faz o download no site, lá você deve enviar um e-mail, em outro lugar assinar um convênio e por aí vai. Com o OpenStreetMap, imagine, por exemplo, uma empresa chinesa querendo investir bilhões em infraestrutura no Brasil; fará o download dos mapas para realizar suas primeiras simulações e projetos do OpenStreetMap. Isto é a força do OpenStreetMap: uma base de dados global, que todo mundo conhece e com a qual todos sabem operar.
Conclusão
O OpenStreetMap vai mudar a realidade do mundo dos mapas muito rapidamente e a indústria vai ter que se adaptar a esta realidade para redefinir seu rumo. A facilidade de consultar e editar o mapa na web, aliada ao fato de poder baixar o dado e utilizá-lo, vai permitir às grandes concessionárias envolverem seus funcionários locais na confecção e qualificação dos mapas em lugares remotos. As ferramentas web vão também facilitar a convergência da informação num lugar só, sempre fácil de consultar, para todas estas empresas e os diferentes atores a nível global. Esta convergência vai desenvolver a cultura de colaboração, inclusive para as grandes empresas consumidores de mapa, com a criação de comunidades e fóruns especializados. Esta cultura gerará provavelmente novos projetos de plataformas e ferramentas baseadas no OpenStreetMap que poderão ser financiadas por estas empresas, para que suas necessidades específicas sejam melhor atendidas. Estas ideias, criadas no Brasil, poderão ser utilizadas mundo afora. O OpenStreetMap, que já é uma grande melhoria e uma grande ideia para o público em geral, vai provavelmente se tornar em um marco para indústria dos grandes produtores e consumidores de mapa e isto vai ser bom para todo mundo.
Exemplos de órgãos do governo que utilizam OpenStreetMap:
Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais
SIEMA – Sistema Nacional de Emergências (SIEMA do IBAMA)
National Park Service (USA)
Palestra sobre como usar OpenStreetMap para governos
Thierry Jean
Francês, no brasil há 23 anos. Administrador de Empresas formado na França e na Inglaterra (NEOMA & Middlesex Business School), atua na indústria de GIS e de navegação GPS há 11 anos. Hoje é Country Manager da Telenav do Brasil e ativo colaborador da Comunidade OpenStreetMap.
Contato: thierry@openstreetmap.com.br