Especialistas em cinco diferentes eixos analisam o panorama atual do setor. Veja quais os principais desafios e como acertar na hora de utilizar ou investir em soluções geoespaciais
O que o mercado de soluções e serviços geoespaciais deverá enfrentar num futuro próximo? Quais os principais desafios tecnológicos e culturais que as diferentes áreas da geotecnologia já estão enfrentando e quais ainda terão que superar? Veja a opinião de cinco diferentes especialistas sobre os principais eixos tecnológicos do setor geoespacial para acertar na hora de promover investimentos, garantir a qualidade de projetos, ampliar a produtividade e gerar melhores resultados.
GIS e Inteligência Geográfica
Por Eduardo de Rezende Francisco
A consolidação da integração entre Big Data e geotecnologias será o grande desafio que precisaremos endereçar em 2015. A “era das inferências” é a que estamos começando a adentrar, com o advento de um universo bastante amplo de informações não-estruturadas, diversa em complexidade, com velocidade não controlada, assíncrona e em tempo real.
O profissional de Geomarketing terá que ter condições de traduzir para a perspectiva geográfica essa nova dimensão de conhecimento para que a tomada de decisão seja efetiva.
A inteligência geográfica permite a integração e organização de informações como nenhuma outra dimensão. O profissional de geomarketing tradicional terá que se adaptar a um profissional que já é conhecido como Data Scientist, ou cientista de dados. Esse profissional deverá conhecer de tecnologia, de modelos preditivos e de negócios, e será cada vez mais valorizado.
Os desafios tecnológicos a serem vencidos estão nas técnicas de integração entre GIS e BI. Os modelos tradicionais desses dois mercados são eminentemente diferentes. O BI tradicional se estrutura em modelos multidimensionais, enquanto que o GIS é tradicionalmente objeto relacional. O Big Data geográfico deve promover adaptações de ambos os lados para permitir que tenhamos condições de lidar com uma vastidão de informações geográficas em tempo real, com análises sofisticadas e valorosas para as decisões de negócio.
Por outro lado, o principal desafio ainda é cultural. Os profissionais em nível decisório nas organizações precisarão ter consciência dos reais benefícios da geoinformação, além da simples produção de mapas temáticos.
Cadastro e Governança da terra
Por Margarete Maria José de Oliveira
Quando a informática surgiu e, coincidentemente com ela o uso do GPS, não pensávamos que as duas tecnologias iriam se juntar e revolucionar os trabalhos da agrimensura, agronomia e demais áreas correlatas. Com esta revolução chegando e caminhando a passos rápidos, era necessário que o governo solicitasse aos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente que se dispusesse aos profissionais uma tecnologia que reunisse, ao mesmo tempo, o uso da metodologia de precisão com a informática (desenhos, planilhas, cálculos, etc.), ao mesmo tempo em que fossem imparciais e céleres. Nesse contexto surgiram o Sistema de Gestão Fundiária do Incra (Sigef) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR). O Sigef, faltando ainda alguns reajustes, está cumprindo bem o seu papel. O CAR, ainda deixando muito a desejar, carrega consigo o peso de uma legislação complexa e a insegurança dos profissionais. Se bem usadas, estas duas tecnologias serão o marco da Agrimensura no Brasil.
Está muito acelerado o desenvolvimento topográfico no Brasil quando se fala em inserir no mercado novos equipamentos. Podemos dizer que já não lidamos mais com erros sistemáticos devido à imperfeição dos aparelhos e à falta de exatidão nos métodos de medição, dentre outros mas sim com erros grosseiros, ocasionados principalmente pelo operador, pela falta de conhecimento em topografia e geodésia.
A automação topográfica vai além do campo e escritório. E, somente conhecendo os equipamentos e as normas, conseguiremos um trabalho com qualidade. Hoje tudo se completa: Topografia, imagens, criação de bancos de dados, etc.. No campo se efetua a mensuração, no escritório verifica-se a precisão utilizando-se softwares adequados, imagens de satélite, etc..
O grande desafio tecnológico e cultural está na qualificação profissional de pessoas para lidar com a topografia como um todo, este que é um ramo cada vez menos requisitado pelas novas gerações, porém, um dos mais utilizados.
Sensoriamento Remoto e Análise Ambiental
Por Antonio Morelli
Acredito que 2015 será um ano bom para a área de geotecnologia. A inovação tecnológica avança em passos largos em todos os setores produtivos. Quero ressaltar o sucesso do lançamento do satélite Cbers-4. Seus dados serão de grande utilidade, além de apresentarem ótimas características técnicas. As imagens de alta resolução também vêm com uma nova safra de sensores, melhorando a oferta de dados remotos de alta resolução e aumentando a concorrência neste segmento. Na área de levantamento de dados, podemos olhar com atenção o desenvolvimento de VANTs, com sua evolução desde os primeiros modelos até a tecnologia apresentada hoje. No segmento de software, destaco as aplicações em nuvem. Essa tecnologia melhora a qualidade de integração dos dados de campo, possibilitando ganho de velocidade e diminuição de custos de processos. A evolução desta tecnologia favorecerá o incremento de uma comunidade colaborativa, conceito que já vem ganhando força graças às tecnologias mobile e a melhoria da internet.
A chegada de novos sensores e tecnologias demandarão uma necessidade constante de aperfeiçoamento. A formação do profissional sempre será o maior desafio em uma área tecnológica e manter-se atualizado é a chave da sobrevivência, pois a chegada de novos sensores, softwares e equipamentos pedem reflexões sobre velhos conceitos e a revisão de paradigmas. Outro desafio é a abertura para uma discussão jurídica sobre o uso de imagens de satélites de altíssima resolução e das imagens originárias de drones e VANTs. A regulamentação dessa tecnologia é essencial para a disseminação desses novos recursos e norteará não só a comunidade de usuários, mas também o próprio mercado. Essa discussão, apesar de jurídica, deve ser acima de tudo baseada em estudos técnicos, nas limitações e características de cada tecnologia. Outro desafio está numa maior convergência das tecnologias utilizadas em outros segmentos para a área de geo, como a utilização de informações provenientes de bancos de dados integrados (big data) e o uso de dados comportamentais para soluções urbanas e de geomarketing. Gostaria de ver aplicações não apenas em grandes empresas, mas soluções acessíveis também para o usuário final, pois só assim acontece realmente a disseminação das novas tecnologias.
Laser Scanning 3D
Por Rovane Marcos de França
A busca incessante pelo aumento de produtividade e qualidade para os serviços topográficos já faz parte do cotidiano das empresas desta área há alguns anos. A falta de mão de obra qualificada em países emergentes como o Brasil aumenta o custo dos serviços e exige soluções para que se possa fazer mais com menos. O uso de soluções tecnológicas que reduzem o tempo de trabalho repetitivo ou exigem maior qualidade cresce bastante, exigindo menos profissionais. Porém, os profissionais que atuam na área precisam ser mais bem qualificados. Temos uma grande gama de tecnologias no mercado para isso, passando por estações totais robóticas, GNSS RTK, Laser Scanner e VANTs. O real ganho de produtividade vem da capacidade do profissional de juntar duas ou mais tecnologias, aproveitando o máximo e sabendo discernir as limitações técnicas de cada uma delas.
Tecnologicamente a limitação ainda está no software, que acaba exigindo muito do hardware. Precisamos de sistemas e algoritmos que agilizem o processamento e a modelagem de dados a partir da nuvem de pontos de forma mais dinâmica e imersiva. Culturalmente, ainda estamos a mercê dos usuários dos produtos topográficos que exigem a geração de produtos em 2D, seja para análise ou para desenvolver seus projetos. Esta mudança de cultura para o mundo 3D, infelizmente, não é a curto prazo, levará pelo menos mais uma geração.
Ferramentas geográficas na gestão pública
Por George Serra
Quando pensamos na grande quantidade de serviços e produtos geotecnológicos que podem ser usados em um ambiente de governo municipal, temos muitas possibilidades a considerar em 2015. Posso listar algumas sem titubear, como a consolidação do uso de imagens de satélite de altíssima resolução espacial e espectral, o amadurecimento do segmento de levantamentos 3D por laser scanner, desenvolvimento de novos algoritmos de classificação de imagens orientados a objetos, coleta dinâmica de dados em campo com GIS móvel, transmissão em tempo real, mapeamento colaborativo, mineração de dados e interoperabilidade, além da perspectiva de legislação e liberação do uso de VANTs nos levantamentos urbanos. Todos estes elementos são trabalhados com interfaces de software cada vez mais didáticas e amigáveis, sejam de mercado ou open source.
Logicamente, apenas tecnologia não representa o sucesso de um projeto em prefeituras, que têm como público final o contribuinte, o técnico da prefeitura como executor, geralmente um cargo comissionado como gestor e um político como elemento decisório. São muitos interesses integrados e ao mesmo tempo conflitantes, que têm uma janela temporal de quatro anos para desenvolvimento, execução e finalização. Um dos principais elementos balizadores para a criação de uma inteligência fiscal e formulação de políticas públicas é a manutenção atualizada de um cadastro técnico multifinalitário, ou seja, a construção de bases e sistemas que atendam às pendências das secretarias usando plataformas conjuntas, provendo respostas às demandas da sociedade e aos diversos órgãos da administração municipal.
Atualmente falamos no desenvolvimento de um cadastro 4D (x, y, z, t), ou seja, com a possibilidade de medição dos elementos planialtimétricos associados ao monitoramento das transformações urbanas multitemporais que sofrem continuamente o território de um município. Se pensarmos neste conceito desenvolvido em um ambiente multiusuário versionado, teremos um grande potencial para a modelagem de bancos de dados geográficos. Este tipo de ambiente permite o uso de metodologias mais avançadas na padronização de procedimentos e camadas, por estarem todos os técnicos consultando e editando os mesmos dados, ao mesmo tempo e com controle de qualidade topológico para identificação e correção dos erros. Além disto, o armazenamento e controle otimizado do histórico destas alterações no tecido urbano, associado à democratização destas informações usando aplicações espaciais integradas a sistemas legados, permitem não apenas a exibição de mapas na web, mas também uma interatividade com o contribuinte na geração de consultas prévias, emissões de guias ou envio de documentos georreferenciados para as secretarias, possibilitando assim mecanismos para gestão do município e a estruturação de um modelo sustentável de desenvolvimento urbano.
Podemos considerar que os principais desafios tecnológicos e culturais no âmbito da gestão municipal estão associados ao desenvolvimento e disseminação do conceito das cidades inteligentes, as “Smart Cities”. Este conceito refere-se ao desenvolvimento de um planejamento sustentável associado à gestão da ampla e complexa gama de informações geradas dinamicamente nas cidades. Embora saibamos que, infelizmente no Brasil a realidade da maioria das prefeituras seja de mapeamentos desatualizados, problemas de infraestrutura, defasagem tecnológica e recursos humanos escassos, o avanço, diversificação, didática e barateamento da tecnologia aparecem como uma luz para a solução de parte destes problemas. Outra questão importante é a popularização das geotecnologias aos gestores, assessores e secretários municipais, que já conseguem enxergar a importância e confiança das soluções espaciais no planejamento e tomada de ações para gestão eficiente do território. Além disso, o entendimento que o desenvolvimento de soluções corporativas, eficientes, seguras e otimizadas ficam como legado deixado à população, dificulta a dissolução destes avanços em futuros governos não tão visionários.
Sendo assim, um dos grandes desafios está na criação de centros operacionais que usem a componente espacial como elemento norteador na análise e tomada de ações e sirvam como cerne na congregação de bases, infraestruturas, equipamentos e soluções corporativas voltadas a uma dinâmica na coleta, disseminação e uso eficiente das informações. Estes centros devem prover a capacitação, além de suporte colaborativo e metodológico a núcleos de geotecnologias instalados nos órgãos, secretarias governamentais e de pesquisa, para permitir o estudo e desenvolvimento aplicado de soluções voltadas à integração entre bases, sistemas dinâmicos, processos otimizados e unificados na gestão urbana, gerando assim serviços eficientes aos contribuintes e secretarias municipais. Desta forma, soluções e desafios para o futuro podem ser associados à gestão e manuseio de big data, dinâmica e segurança de armazenamento de dados na Nuvem (Cloud), modelagem otimizada de banco de dados espaciais, integração com sistemas legados, desenvolvimento de aplicativos corporativos de SIG Web e Móvel, além do monitoramento de dados em tempo real, que permitam uma gestão municipal eficiente e com foco em resultados para o contribuinte.
Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs)
Atualmente os Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs ou Drones) são responsáveis pela expansão e desenvolvimento da indústria aeroespacial mundial, com estimativas de grandes investimentos, saindo dos atuais 2,7 bilhões de dólares por ano para cerca de 8,3 bilhões nos próximos anos. As possibilidades são enormes e, com a regulamentação do setor, o uso civil desta tecnologia será cada vez mais expressivo.
O uso de Sistemas de Veículos Aéreos Não Tripulados (Sis VANTs) para obtenção de imagens aéreas para as mais diversas aplicações já é uma realidade. Fala-se em Sis VANT, pois trata-se de todo um sistema desenvolvido para operar uma aeronave não tripulada com eficiência e segurança.
Existem inúmeras opções no mercado, tanto de equipamentos nacionais como importados, das mais diversas formas, tamanhos e preços. Mas como fazer para chegar à conclusão de qual deles pode melhor nos atender? Um bom começo é determinar o tipo de trabalho a ser desenvolvido com o Sis VANT, que tipo de terreno será coberto, quais as condições para decolagem e pouso das aeronaves, o tamanho das áreas a serem imageadas, a facilidade ou não de acesso a estas áreas, se será necessário o uso de imagens georreferenciadas com grande precisão ou apenas saber se determinada área está sendo desmatada, invadida, ou com sua ocupação expandida. Estes fatores irão impactar diretamente no tempo de voo necessário para cumprir cada missão, e isso ajudará a definir qual a autonomia e alcance que o Sis VANT deverá ter. Com esta primeira informação, já é possível eliminar uma parcela dos sistemas existentes no mercado.
Eduardo de Rezende Francisco
PhD em Administração de Empresas pela FGVEAESP, Bacharel em Ciência da Computação pelo IME-USP, atua em GIS, Business Intelligence, Pesquisas de Mercado e Satisfação de Clientes. É professor de Métodos Quantitativos, Analytics e Big Data na FGV-EAESP e de Sistemas de Informação na ESPM, Consultor em Geomarketing, Estatística Espacial e Microcrédito e sócio-fundador do GisBI e do Meia Bandeirada.
Margarete Maria José de Oliveira.
Tecnóloga em geoprocessamento pelo Instituto Federal de Goiás (IFG), instrutora de treinamentos teóricos e práticos nas áreas de montagem de processos, levantamento em campo utilizando GPS e RTK, CAR, etc., e atuante há mais de seis anos em montagem de processos de Georreferenciamento e Reserva Legal, atendendo pessoas físicas e jurídicas de diversos estados do Brasil.
Graduado em Ciências Biológicas, possui especializações em Meio Ambiente (2000) pela USP São Carlos, em Geoprocessamento pela UFSCar (2001), especialização em Geoprocessamento pela Poli-USP e mestrado em Ciências Agrárias pela ESALQ-USP, de Piracicaba. É auditor sênior certificado pelo IEMA (Institute of Environmental Manegement & Assessment) e atuou como gerente de projetos e produtos em empresas do setor de imagens de satélite como Imagem, Spot Image e Santiago e Cintra. Presta consultorias agroambientais, projetos de mapeamentos e agrícolas e ambientais para grupos do setor sucroalcooleiro, bancos, fundos de investimento, consultores agropecuários
e prefeituras.
Professor de Geodésia e Georreferenciamento do IFSC e Consultor da Vector Geo4D. Mestre em Engenharia Civil na área de Infraestruturas, Engenheiro Civil, Técnico em Geomensura e Técnico em Estradas. Experiência no tema: Levantamentos com Laser Scanner há 6 anos em diversas aplicações, usando vários softwares de processamento e modelagem de nuvem de pontos.
Geógrafo, Especialista em Geoprocessamento e TI, Instrutor Certificado Internacional ESRI e Mestre em Engenharia pela Politécnica da USP. Atua como Professor, Consultor em Estruturação de Bases e Geomarketing na Empresa GeoSert
Este texto faz parte da matéria de capa da revista MundoGEO 80, edição que já está disponível no portal MundoGEO.